“O segredo do agitador consiste em parecer tão idiota quanto seus ouvintes, de modo que eles acreditem ser tão inteligentes quanto ele.” (Karl Kraus)
As civilizações sempre estiveram ameaçadas pelos agitadores das massas, aqueles demagogos que inflam o povo contra o “sistema” por meio do populismo, apenas para colocar algo pior em seu lugar ou se beneficiar da exploração da ignorância alheia.
Aproveitam o fato de que o sistema é, quase sempre, injusto mesmo. Perfeição só existe em utopias. Mas em vez de lutarem por reformas com responsabilidade, para ajudar na construção de uma nação mais próspera, incitam o povo de maneira irresponsável e demagógica.
Podemos pensar nos jacobinos durante a Revolução Francesa ou nos bolcheviques na Revolução Soviética. No Brasil, era o PT que representava essa linha “revolucionária” na política nacional, e hoje, após 12 anos no poder, o partido ainda mantém seu ranço populista e autoritário, mas já há dissidências mais radicais que acusam o próprio PT de ser parte do “sistema”. O PT explora os pobres.
Contra tais agitadores, alguns povos contaram com a reação de estadistas, aqueles que estavam dispostos a sacrificar interesses particulares de curto prazo, enfrentar momentos de grande impopularidade, em prol do país. No Brasil já tivemos alguns desses. Nove deles foram selecionados por Luiz Felipe D’Ávila em Caráter & Liderança, livro que mostra a trajetória em pequenas biografias dessas importantes figuras para a construção de nossas instituições.
A apresentação foi escrita por Fernando Henrique Cardoso, não por acaso o último desses estadistas incluídos no livro. Nela, o ex-presidente diz: “O livro, no fundo, é a história da luta contra a herança do colonialismo mercantilista que gerou um enorme apego ao corporativismo, ao protecionismo e à ideia de que o Estado deve ser o condutor onisciente das venturas do povo”.
De fato, quando pensamos nos dois primeiros personagens analisados, José Bonifácio de Andrada e Silva e Joaquim Nabuco, essa imagem serve perfeitamente para descrevê-los. Seres humanos sempre serão imperfeitos, com suas contradições e falhas. Mas é inegável que figuras dessa estatura moral foram cruciais para o avanço do Brasil, sempre em velocidade muito aquém da desejada em boa parte pelos obstáculos criados ou pelas elites míopes em defesa do status quo ou pelos agitadores das massas. Logo no começo, D’Ávila resume bem o papel dos líderes de uma nação:
A construção das instituições democráticas não é obra do acaso, nem um ato voluntarista de líderes carismáticos. Ela deriva da atuação de governantes com coragem de enfrentar resistências políticas, econômicas e sociais que impedem a promoção das mudanças de cultura; ela é fruto da atuação de estadistas que demonstram determinação e paciência para educar a opinião pública e para conquistar o respaldo da sociedade em torno das reformas estruturais do Estado; ela é obra de indivíduos que revelam, por meio de ações e escolhas, convicção profunda nos valores democráticos e princípios éticos.
A verdadeira liderança exige esse compromisso com a ética e com o longo prazo. Infelizmente, há também os líderes sem caráter, aqueles que jogam contra as instituições republicanas e democráticas, que acabam atuando para seu enfraquecimento. São seduzidos pela popularidade momentânea, guiados pelo oportunismo, focando nos ganhos imediatos apenas. Diz o autor:
Cabe a nós e às gerações futuras, a responsabilidade de continuar a zelar pelo bom funcionamento das instituições e de não deixar que a herança bendita que recebemos seja dilapidada por governos populistas e aventureiros que desejam transformar a democracia numa fachada, com o propósito de legitimar decisões personalistas.
A América Latina tem uma estranha vocação para a adoração de caudilhos autoritários e populistas, que prosperam em meio a instituições frágeis e uma cultura da liberdade pouco enraizada. O Brasil não está livre desse constante risco de retrocesso. E é impossível ler essas linhas e não pensar nas eleições do próximo domingo, em que o país vai decidir seu rumo diante de uma grande encruzilhada.
A manutenção do PT no poder representaria um passo enorme, talvez definitivo, na direção desse populismo irresponsável que pode levar ao despotismo. A campanha de Dilma está toda sendo feita em cima da demagogia, do terrorismo eleitoral, das mentiras que servem para enganar as massas incautas. Vejam a distinção que D’Ávila faz entre um estadista e um governante medíocre:
A principal diferença entre políticos medíocres e estadistas é que os primeiros costumam evitar as questões difíceis que geram desconforto na sociedade. Torcem para que os assuntos urgentes não se transformem em crises durante o seu mandato e rezam para que não tenham de enfrentar temas urgentes que possam levá-los a perder popularidade, poder ou votos. Estadistas, por sua vez, provocam desconforto na sociedade e correm riscos – eleitoral, político e pessoal – para promover mudanças transformadoras. Mudanças que exigem coragem, determinação e perseverança para desafiar as pessoas a rever crenças, valores e atitudes que retardam o progresso sócio-econômico do país e o fortalecimento das instituições democráticas.
O líder, em outras palavras, precisa ter a coragem de lutar por mudanças transformadoras que eventualmente representem perda de privilégios ou benefícios para sua própria classe, como fez Nabuco em relação à escravidão. Um estadista, hoje, estaria lutando contra os privilégios dos próprios políticos, dos sindicalistas, dos empresários que dependem dos subsídios do BNDES para viver, os patrocínios estatais para artistas engajados, as infindáveis tetas estatais que beneficiam um seleto grupo de “amigos do rei” à custa do povo brasileiro. E estaria enfrentando as dificuldades econômicas sem mentiras, malabarismos ou truques rudimentares.
Diante disso, como negar que o PT é exatamente o oposto de uma liderança positiva típica dos estadistas? O partido claramente se coloca do outro lado, do lado dos jacobinos, dos demagogos que riscam fósforos em um paiol de pólvora de forma irresponsável, só para ganhar mais alguns “vivas” e votos das massas manipuladas. Brinca com fogo em um momento delicado de nossa jovem democracia.
O Brasil está muito carente de estadistas, de verdadeiros líderes. Enquanto esses não aparecem, o mínimo que as pessoas decentes e esclarecidas precisam fazer é evitar o pior, lutar para que a tirania populista não tenha êxito. Não é hora de picuinhas, brigas infantis ou narcisismo pelas “pequenas” diferenças, e sim de união em prol de nossa democracia constitucional.
Social-democratas, liberais e conservadores deveriam se unir em torno desse objetivo comum e mais elevado: impedir que o Brasil siga a trajetória decadente dos vizinhos bolivarianos, como a Argentina e a Venezuela. Para construir instituições mais sólidas, antes será preciso preservá-las de uma total destruição, que parece iminente. É preciso deter os agitadores.
Rodrigo Constantino