O desejo de todo escritor é ter um bom editor. Quando o editor é melhor escritor ainda, o desafio aumenta. Além do padrão ser mais elevado, o que força o escritor a caprichar, o resultado final tende a ficar excepcional, caso o escritor, humildemente, aceite a tesoura do editor. É o nosso caso na Record, o que pode ser comprovado pela coluna de estreia de Carlos Andreazza hoje no GLOBO (nem tudo está perdido), mostrando, com um estilo poético inspirado em Nelson Rodrigues, como a escrita é sua vocação.
Já a vocação do Brasil é o buraco. Sim, o asfalto repleto de crateras. Andreazza traça um paralelo entre nossos infindáveis buracos, resultado de obras malfeitas, às pressas, desvio de recursos e tudo mais, e a política nacional, que também é uma buraqueira só. Há um problema de fundo, mais estrutural, que precisa ser destacado e dissecado, e é o que faz Andreazza.
Dito isso, não concordo em nivelar todos por baixo, como se Dilma ou Aécio, Lula ou Temer fossem exatamente iguais, farinhas do mesmo saco podre. Essa conclusão é música para os ouvidos petistas, que saíram do “nunca antes na história deste país” para o “sempre antes na história deste país”, no afã de serem vistos como “apenas mais do mesmo”.
Não são. O PT é tudo aquilo que os outros são de ruim, e que é apontado pelo autor, mas com fortes pitadas de DNA ideológico, comunista, que faz toda a diferença para o mal, para mais buracos, buracos negros. O Brasil sem o PT não decola; com ele, afunda até a Venezuela. Mas Andreazza está certíssimo em apontar as falhas morais, culturais e estruturais que impedem o Brasil de avançar, de ter ruas niveladas, políticos decentes. Diz ele:
O Brasil é um país despavimentado. Física e moralmente. Politicamente. A falta que nos nega uma só ruazinha ao menos nivelada é a mesma que nos impede de formar um ministério limpo; é a mesma que tornou o Senado da República (a câmara alta do Congresso Nacional, casa que deveria ser a tribuna dos notáveis) num porão — numa toca — de protegidos-foragidos sob foro privilegiado.
Falta-nos qualidade asfáltica tanto quanto material humano. A mistura é ruim. Os elementos são insuficientes, pobres, não raro adulterados. Falta-nos densidade na composição — aquilo que daria liga. (Apenas para começar, senso de dever mais do que de direitos.) Empenhamos milhões, votamos aos milhões, para logo termos de recorrer ao jeitinho, ao remendo, ao vice — a uma chapa de aço qualquer que encubra a depressão, o abismo que é a verdadeira vocação brasileira.
[…]
O que nos asfalta é liderança de piche, é raciocínio de brita, é esperança de areia, é alternativa de lama. É Lula, é Dilma, é Marina, é Alckmin, é Aécio, é Ciro. Essa gente sem ideia (sou generoso), parada no tempo (sou generoso), que nunca trabalhou, que não conhece outra forma de ganhar a vida senão desde dentro da máquina pública. Bote-se essa mulambada toda na betoneira e o resultado será o mesmo: o buraco.
Nosso buraco é do tamanho do Estado que nos engessa. Ou não teremos ainda avaliado a imensidão do rombo de um país que leva a sério e discute — como solução para sua inviabilidade eleitoral — o financiamento público de campanha, isso no mesmo exato instante em que fulminado por um escândalo de corrupção que outra coisa não faz senão desmascarar um monumental escândalo de financiamento público de campanha?
O excesso de governo é o grande mal que assola o país? Ótimo! Então vamos pedir… mais estado ainda! Vamos dar mais poder aos que controlam essa máquina estatal carcomida, corrupta, dominada por bandidos. Nós, as toupeiras, vamos pedir mais poder ainda aos pilantras. Andreazza, diante disso, tem uma certeza: nós merecemos!
A desgraça brasileira não é obra do acaso, e sim fruto do esforço de décadas. É uma vocação. Como o buraco. Esse, aliás, é o tema do meu novo livro, Brasileiro é Otário? – O alto custo da nossa malandragem, que será lançado pela Record no mês que vem, e que contou com a tesoura implacável do editor. O mesmo que nos brinda com esse ótimo texto de estreia como colunista. Estou em boas mãos, e adianto ao leitor que Andreazza julgou o resultado superior ao de Esquerda Caviar.
O Brasil clama pelo buraco. Mas tem também aqueles que demonstram talento fora de série e lutam não pelo recapeamento superficial, mas pela reconstrução de toda a via, uma nova via, desta vez nivelada, com material de qualidade, feita por quem tem mais senso de dever do que de “direitos”, por quem rejeita a malandragem como estilo de vida, por quem abomina o jeitinho. Sairemos do buraco? Só Deus sabe. Mas trabalharemos incansavelmente por isso.
Rodrigo Constantino
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