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Os Intocáveis: STF parte para o ataque como instrumento de defesa (de si próprio)

O Brasil não é para amadores. Montesquieu não saberia bem o que fazer para preservar a divisão de poderes em nosso país. O tema merece cautelosa reflexão, porque – e isso é delicado até de dizer – alguns pontos abordados por ministros do Supremo Tribunal fazem sentido. O problema é que há evidentes sinais de abusos, e o pior: sabemos quem são esses ministros e por quem foram indicados.

Esta quinta foi um dia de agito no STF. Mônica Bergamo, uma espécie de assessora de imprensa do PT, celebrou: “Bolsonaro e Moro/Lava Jato seguem sofrendo DERROTAS EM SÉRIE no STF, que: 1) impediu transferência da Funai para min da Agricultura; 2)interpelou Bolsonaro para dar explicações sobre pai de pr da OAB; 3) pediu arquivo de hackers e 4) suspendeu investigações suspeitas da Receita”.

O embate entre os poderes e entre órgãos de estado continua. É preciso evitar a tentação de tomar um partido cegamente e ignorar o que está em jogo. Do lado petista sabemos: tomam sempre o lado da impunidade. Mas do lado “bolsonarista”, ou “lavajatista”, ou apenas “patriótico”, há espaço para divergências legítimas.

A imensa maioria quer avançar no combate à impunidade. Mas há divergências de como fazer isso, ou seja, até onde procuradores e juízes devem ir. Separei algumas falas dos ministros do STF sobre esses casos mencionados acima, para que possamos avaliar o conteúdo sem muita paixão:

Gilmar Mendes: “Isso virou um jogo de conversa de botequim, quando o procurador diz assim: ‘Eu tenho uma amiga na Receita que me passa informações’. Coloquem-se cada um de vocês nessa situação. Que segurança o cidadão tem? Quando isso se faz com o presidente do STF, o que não serão capazes de fazer com o cidadão comum?”

Marco Aurélio Mello: “Isso é incrível, porque atua no STF o procurador-geral da República. É inconcebível que um procurador da República de primeira instância busque investigar atividades desenvolvidas por ministro do Supremo”, afirmou Marco Aurélio. Segundo o magistrado, “o problema do Brasil é que não se observa a lei”.

Alexandre de Moraes: “São claros os indícios de desvio de finalidade na apuração da Receita Federal, que, sem critérios objetivos de seleção, pretendeu, de forma oblíqua e ilegal investigar diversos agentes públicos”

Celso de Mello: “O comportamento do atual presidente da República, revelado na reedição de medida provisória, clara e expressamente rejeitada pelo Congresso Nacional no curso da mesma sessão legislativa, traduz iniludivelmente uma clara, inaceitável transgressão à autoridade suprema da Constituição e representa uma inadmissível e perigosa transgressão ao princípio fundamental da separação de poderes. O regime de governo e as liberdades da sociedade civil muitas vezes expõem-se a um processo de quase imperceptível erosão, destruindo-se lenta e progressivamente pela ação ousada e atrevida, quando não usurpadora, dos poderes estatais, impulsionados muitas vezes pela busca autoritária de maior domínio e controle hegemônico sobre o aparelho de Estado e sobre os direitos e garantias básicos do cidadão.”

Todos têm um ponto. A proteção do indivíduo, cercado de garantias constitucionais para evitar o abuso do estado, pode ficar ameaçada se permitirmos que procuradores e funcionários da Receita decidam quem investigar sem o devido critério. O Poder Executivo também não pode fazer o que bem entender por meio de decreto, e por conta disso o Congresso e o STF reagem.

O problema é que as leis e as instituições atuais protegem demais o andar de cima. A Lava Jato chegou a políticos poderosos, prendeu um ex-presidente, empreiteiros entre os homens mais ricos do país, mas parece incapaz de subir um andar extra e chegar à elite do Judiciário. Quase ninguém confia nesses ministros, “os intocáveis”, e por isso aplaudem investigações. Mas eles estão encastelados, blindados, protegidos pelas leis, e daí surge o dilema: como combater a impunidade dos mais poderosos se eles parecem inimputáveis pelo sistema?

Felipe Moura Brasil, da Jovem Pan, perguntou: “Após censura à Crusoé, inquérito aberto por Toffoli, sem objeto específico, para punir quem incomodar ministros do STF, serve agora para suspender apuração da Receita, em outra decisão do ‘delegado’ Moraes. Vão mandar fechar o TCU por mostrar farra das passagens de seus cônjuges?”

Já Modesto Carvalhosa sugeriu o impeachment dos ministros como único caminho: “STF: ‘Suspeição imediata de todos os procedimentos investigatórios instaurados pela Receita Federal ou em outros órgãos, em relação a 133 contribuintes’: Ligados a movimentações financeiras relacionadas a Gilmar Mendes e Toffoli e familiares. Pedido de impeachment em 3… 2…”

Quem vigia o vigia? A pergunta que o poeta romano Juvenal fez séculos atrás continua muito atual, e sem fácil resposta. “A pior ditadura é a ditadura do Poder Judiciário. Contra ela, não há a quem recorrer”, alertou Rui Barbosa. O STF está em guerra contra a Lava Jato, com ministros atuando nos bastidores para afastar Deltan Dallagnol.

A Lava Jato pode ter cometido alguns abusos, mas a população brasileira não vai aceitar calada um ato desses, pois confia na Força Tarefa e passou a sonhar com a igualdade de todos perante as leis. Depurar eventuais excessos de procuradores não é o mesmo que delegar poder absoluto aos ministros do STF, que não gozam de aprovação popular.

Ontem a hashtag #STFVergonhaNacional atingiu o topo no Twitter. É verdade que esse não é um critério bom para as decisões do Supremo, cuja missão é preservar a Constituição, não praticar o “direito achado nas ruas”. O problema é quando o próprio Supremo é o primeiro a rasgar a Carta Magna…

Percebe-se como é complicada a situação. Cada vez mais gente quer fechar o STF, atentar contra a instituição, o que é um pensamento revolucionário perigoso. Talvez a única saída seja pressão para que tenham algum receio de abusar demais da conta, e também pedidos de impeachment, como o que a deputada Janaina Paschoal entrou. E, com o tempo, ir substituindo os atuais ministros por gente melhor, mais comprometida com a ética e a Constituição. Resta saber se o país aguenta até lá…

Rodrigo Constantino

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