Os economistas sérios são unânimes: o modelo de estímulo ao consumo por meio de crédito se esgotou. Os economistas do governo, a começar pela própria presidente Dilma, parecem discordar. Querem produzir ainda mais estímulos para puxar a atividade, hoje em queda. Não aprenderam nada.
Abaixo, uma pequena aula bem mastigada, para que até os economistas da Unicamp possam compreender. Notem que ataco o keynesianismo em geral, mas a situação é ainda pior no Brasil, onde campeia um “keynesianismo de quermesse”, como diz Alexandre Schwartsman. É realmente triste. Espero que o texto possa ajudar.
A demanda agregada
“As estatísticas são como o biquíni: o que revelam é interessante, mas o que ocultam é essencial.” (Roberto Campos)
Não sei quanto ao leitor, mas eu demandaria um iate, um helicóptero e um jatinho se tivesse bilhões de dólares sobrando. Minha demanda tende ao infinito. Se não desfruto de tais bens materiais, isso se deve à falta de recursos, não de demanda. Esta conclusão pode parecer extremamente óbvia, e deveria. Infelizmente, a obviedade é algo em escassez quando se trata da economia keynesiana.
O foco obsessivo dos keynesianos em dados agregados acabou deturpando sua visão de mundo. Em vez de compreenderem que tais agregados servem, no máximo, como modelos simplificadores imperfeitos, esses economistas acabaram aceitando que a abstração era real, gerando muita confusão teórica. O exemplo mais claro desta inversão é o tratamento dado ao PIB (Produto Interno Bruto). A fórmula conhecida, Y = C + I + G + (X – M), produziu na cabeça dos mais desatentos uma crença absurda, qual seja, a de que o aumento dos gastos públicos é algo positivo para o crescimento econômico.
Como o governo não pode dar nada sem tirar do setor privado, pois suas fontes de recursos são os impostos, a inflação (que não passa de um imposto disfarçado) e o endividamento (que terá que ser pago eventualmente), claro que o aumento dos gastos públicos terá como contrapartida, inevitavelmente, a redução ou dos investimentos privados ou do consumo privado. Mas o foco demasiado no curto prazo, fruto de uma visão míope, faz com que os keynesianos negligenciem esses impactos negativos ao longo do tempo. Se o governo quer estimular o crescimento econômico e, portanto, a criação de empregos, basta ele expandir seus gastos.
Keynes argumentava que em períodos de insuficiente demanda agregada, caberia ao governo compensar esta queda com o aumento dos gastos. É a famosa política anticíclica. Foi a justificativa teórica perfeita para políticos ansiosos para torrar o dinheiro da “viúva” e conquistar votos pelas vias populistas. Claro que na época da bonança e do forte crescimento econômico, o termo “anticíclico” era ignorado. A política acabava unidirecional, como se feita por economistas manetas. Mas o próprio conceito de demanda agregada insuficiente é falacioso. Parece que o rabo é que balança o cachorro, e não o contrário.
A lógica, de forma simplificada, funciona assim: a crise econômica ocorre como reação a uma queda da demanda agregada, sabe-se lá por qual motivo. Os empreendedores perderam seu “espírito animal” de repente. E cabe ao governo estimular a economia com aumento de gastos. Isso fará a demanda agregada subir, empregos serão criados e o consumo poderá retomar sua trajetória. Com mais consumo, as empresas produzem mais, empregando mais gente. Os salários podem aumentar, gerando um ciclo virtuoso. Parece tão simples que toda a miséria do mundo fica parecendo apenas resultado da falta de “vontade política”.
Claro que isso tudo não passa de uma grande falácia econômica. Os keynesianos trocam a ordem dos fatores, alterando o produto final. Basta pensar em Robinson Crusoé e Sexta-Feira numa ilha. Seria absurdo supor que é a demanda de algum deles que produz o crescimento econômico. Robinson Crusoé pode demandar uma enorme casa, mas esta só será produzida se houver recursos disponíveis. E estes dependem da poupança e da produtividade. Logo, é a poupança efetiva que permite o investimento produtivo, que por sua vez possibilita mais consumo depois. É preciso fazer o bolo para depois comê-lo. Keynesianos pensam que podem ter e comer o bolo ao mesmo tempo.
Se alguém questiona quais fatores permitem o aumento da “renda nacional”, a resposta deverá ser: a melhoria dos equipamentos, das ferramentas e máquinas empregadas na produção, por um lado, e o avanço na utilização dos equipamentos disponíveis para a melhor satisfação possível das demandas individuais, por outro lado. O primeiro caso depende da poupança e da acumulação de capital, o segundo das habilidades tecnológicas e das atividades empresariais. Se o aumento da renda nacional em termos reais é chamado de progresso, devemos aceitar que este é fruto das conquistas dos poupadores, investidores e empreendedores.
Os gastos do governo costumam desviar recursos destes fins mais produtivos. Keynes chegou ao ponto absurdo de defender que seria justificável o governo, durante uma crise, contratar gente para cavar buracos e mais gente para tampá-los. Evidentemente que o fantástico desta proposta não passou despercebida na época. Questionado sobre o efeito de tais medidas no longo prazo, Keynes cunhou sua famosa frase: “No longo prazo estaremos todos mortos”. O longo prazo, porém, inexoravelmente chega, por razões lógicas. Hoje nada mais é do que o longo prazo de algum tempo atrás. E, para aqueles vivos, o custo desta mentalidade keynesiana costuma ser bastante elevado.
Com esta ferramenta equivocada, os keynesianos conseguiram até mesmo creditar guerras pela recuperação econômica. Paul Krugman, o Prémio Nobel de economia e um dos maiores ícones do keynesianismo moderno, repete o tempo todo que foi a Segunda Guerra Mundial que salvou os Estados Unidos da Grande Depressão. Mais recentemente, ele chegou a defender que gastos públicos para criar um mecanismo de defesa contra a hipotética invasão alienígena seria uma medida sensata para conter a crise. Eis o grau de absurdo que chega a lógica keynesiana. Qualquer reflexão mais atenta mostraria que jamais pode ser favorável para a economia desviar recursos escassos para fins inúteis. Qual o ganho social em utilizar aço e trabalho escassos para produzir navios que serão afundados na guerra? Como dizia Mises, a prosperidade que a guerra traz para a economia é a mesma dos furacões e terremotos.
Na verdade, esta falácia é bem antiga, e já tinha sido refutada por Bastiat em seu exemplo da janela quebrada. Algum vândalo joga um pedra que estilhaça a janela de uma loja. Em seguida, algumas pessoas tentam consolar o dono da loja alegando que ao menos ele estará gerando emprego ao consertar a janela. Afinal, se janelas nunca fossem quebradas, de que iriam viver os reparadores de janelas? Esta linha de raciocínio cai justamente na falácia acima citada, pois ignora aquilo que não se vê de imediato. Sim, o conserto da janela iria propiciar um ganho para o vidraceiro. Mas o que seria feito desse dinheiro gasto caso a janela não tivesse sido quebrada? Eis a pergunta que nem todos fazem, porém crucial para o entendimento da economia.
Existem várias alternativas de uso que o dono da loja poderia dar ao dinheiro. Ele poderia investi-lo para aumentar a produção, poderia poupá-lo ou poderia gastar com qualquer outra coisa. Supondo que ele gastasse a mesma quantia na compra de um terno, o alfaiate teria sido beneficiado, mas agora que o dinheiro foi usado para consertar a janela, esse terno deixou de ser vendido. Isso é aquilo que não se vê, ao menos de imediato. O alfaiate do exemplo é ignorado, é o homem esquecido na análise superficial da coisa. Parece ridículo de tão óbvio este caso, mas o leitor mais leigo ficaria chocado em como os demais casos são apenas variações dessa mesma falácia.
Como espero ter deixado claro, as recessões econômicas não são resultado de ausência de demanda agregada, pois esta nada mais é do que o somatório da demanda de todos os agentes econômicos, que tende ao infinito. O buraco é bem mais embaixo. E quando o governo tenta estimular a economia gastando mais, endividando-se e contratando trabalhadores para tarefas improdutivas, isso apenas agrava o problema estrutural. Os consumidores e empresários sabem que terão de pagar a conta mais cedo ou mais tarde, e isso afeta suas decisões. Consumo estimulado artificialmente produz apenas inflação, se financiado pela emissão de moeda sem lastro. E o tiro keynesiano sai pela culatra, pois os investidores ficam receosos com o futuro aumento de impostos necessário para honrar os gastos mais elevados do governo.
A hiperatividade do governo durante as crises costuma afetar negativamente a economia, ao contrário do que pensam os keynesianos. Manipular a “demanda agregada” jamais foi ou será uma política sensata de crescimento econômico sustentável. Os keynesianos são como alquimistas modernos, que acreditam poder transformar chumbo em ouro por meio da magia.
Rodrigo Constantino