Por Lucas Berlanza, publicado no Instituto Liberal
O fanatismo que caracteriza, posta de lado uma ala civilizada da social democracia, as lides esquerdistas e coletivistas praticamente inviabiliza o diálogo e a discussão sadia. Enaltecendo qualquer citação do adversário que possa ser distorcida e comprometer o seu pensamento perante a opinião pública e o politicamente correto, os adeptos desse sectarismo político beligerante não se incomodam de dizer as maiores asneiras e brutalidades para ver imposto o seu paradigma.
As reações à aceitação do pedido de impeachment por parte de Eduardo Cunha, colocando em risco o governo petista de Dilma Rousseff, são claro exemplo disso. No seio da esquerda mais caricata, por exemplo, o escritor e jornalista Fernando Morais, conhecido por suas apologias ao PT e aos vermelhos tupiniquins, publicou em seu perfil nas redes sociais que é “pacifista, como se sabe, mas depois das notícias deste fim de tarde (2 de dezembro), fico pensando: aí aparece um galego barbudo, fuzila toda essa corja e é chamado de ditador”.
Que tocante, não? Quanto amor à democracia, à liberdade de expressão e à divergência! Melhor seria se todos esses malditos reacionários desaparecessem da face da Terra – e quem o fizesse, quem os despachasse “´para o Cramunhão”, não deveria ser chamado de ditador, e sim de “companheiro”! Fosse um Olavo de Carvalho, fosse um Paulo Figueiredo Filho, um Trump ou um Bolsonaro e a imprensa cooptada estaria promovendo um escarcéu!
Tivemos também a nossa velha conhecida Jandira Feghali, do maoísta PCdoB, proclamando que “se eles acham que vai ser fácil derrubar a democracia, é porque não conhecem de fato a bancada comunista”. Não nos causa espécie tanto a megalomania de Feghali, considerando-se a quase insignificância da bancada de seu partido, quanto sua afirmação de que os comunistas são os grandes protetores da “democracia representativa burguesa”. Ora, os tempos realmente mudaram, não é mesmo? Fora isso, a lista ficaria cheia se incluíssemos os hipócritas do PSOL, que defendem o mandato de Dilma com ardor e nervosismo histérico, ao mesmo tempo em que se dizem “oposição”.
No entanto, não escrevo para destacar essas aberrações que extravasam seu ridículo a olhos vistos. Existe, a meu ver, um problema ainda maior; esse problema decorre da pulverização e da adaptação, por sua elasticidade, do discurso de esquerda adequado às ondas pós-modernas e à dinâmica de penetração cultural gramsciana. Existe, hoje, um grande contingente de grupos que, se às vezes se assumem como esquerdistas – o que muitas vezes sequer acontece -, preferem manter uma imagem de imparcialidade e superioridade em relação às diversas correntes e figuras em disputa no debate público. Como disse o amigo Flavio Gordon, tradutor e escritor da Record, são os famosos “não sou petista, mas…”, aquele pessoal que afirma com orgulho impávido que não se mistura com essas discussões rasteiras e mundanas de esquerda x direita, petistas x antipetistas, liberais x socialistas, Marvel x DC, Fluminense x Flamengo, biscoito x bolacha. Não, eles na verdade estão acima do bem e do mal! São “cheirosinhos”, bonitinhos, pacatos e elevados o suficiente para não se envolver nessas disputas fratricidas dignas de animais selvagens, e emitem posicionamentos isentos e sensatos sobre qualquer questão. Nós, a “direita hidrófoba” – nos dizeres de Miriam Leitão -, tanto quanto ou muito mais que a extrema esquerda – da qual, coincidência ou não, a “esquerda cheirosa” quase nunca fala -, somos seres vis, reduzidos e movidos por paixões baixas, enquanto suas figuras sacrossantas pairam iluminadas sobre a humanidade, alheias a qualquer influência específica e livres de rótulos e definições de princípios.
A Rede, a legenda fundada por Marina Silva, é representante nítida disso no cenário político-partidário; embora se esteja demonstrando um restolho do petismo, a Rede assumiu para si uma imagem progressista blasé, com ares de ecologia e “modernidade verde”. Na prática, mesmo se apresentando como oposição, insistem em rechaçar o impeachment de Dilma. Contra toda a fundamentação de Janaína Paschoal, Hélio Bicudo e Miguel Reale Jr., insistem em sustentar que não há fundamentação técnica. Assim também uma série de posicionamentos individuais foram emitidos, nos últimos dias, por esses súbitos especialistas em Direito que condenaram o golpismo da oposição e da “direita de 64” – sempre ela, a resposta insofismável para tudo, embora não haja nem sombra de sua existência real. “Não sou petista, mas Dilma não pode ser derrubada porque não há base para esse pedido. Precisamos defender o Estado democrático de Direito.” Bingo, queridos! Na verdade, o petrolão e o mensalão, a compra despudorada de votos, o assalto às estatais, a farra populista com o dinheiro dos pagadores de impostos, nada disso atenta contra o Estado de Direito! Mover um processo ancorado na Constituição Federal, isto sim, é golpismo! Isto sim incomoda a essas divindades “limpinhas” e sublimes! Deveríamos beijar-lhes os pés por tamanha sabedoria.
É curioso que essas entidades “sem partido e sem ideologia”, detentoras da virtude e da temperança, sempre estão de acordo com a agenda que interessa, quer ao governo, quer ao PSOL. Essas entidades superiores estão sempre contra o impeachment do “governo popular” do PT, que, se não é o ideal, é “melhor” que o resto – quanta cegueira! Em nome de um imaginário ao qual o partido se filiou um dia, vale a pena cegar-se para a avacalhação perpetrada por ele em treze anos de desmoralização do país. Mas “não, não somos petistas! Estamos acima disso! ” Esses seres superiores estão sempre aceitando algumas ou todas das bandeiras típicas “daquele lado de lá da briga animalesca”, seja o aborto, o financiamento público de campanhas, a não-redução da maioridade penal, a continuidade dos exorbitantes gastos públicos “para fins sociais”, a continuidade das ineficazes políticas de desarmamento, a proteção quase incondicional aos assassinos mais sórdidos…
Claro está, portanto, que o perfume da “esquerda cheirosinha” já está vencido. Ela está longe de pairar sobre os reles mortais como pensa. É, em realidade, peça do apodrecimento do sistema, que se esforça tanto por negar – peça útil de uma engrenagem de idiotização nacional, muito maior e muito mais poderosa do que ela própria. É preciso desnudar sua arrogância injustificável, posto que não se sabe quantos desastres mais poderão vir e seria possível evitar se a sua inércia conivente não fosse tão forte e marcasse tão amplamente a opinião pública. Não é tempo para sumidades e seres mágicos da floresta; é tempo para aqueles que arregaçarão as mangas e lutarão pelo seu país e pela sua civilização.