O momento é delicado. O governo federal está falido, assim como vários estados, e o rombo é uma bola de neve crescente, que vai virar uma avalanche gigantesca em breve. O principal dreno é a Previdência. Economistas sérios entendem isso e vêm alertando para o perigo. A equipe de Paulo Guedes preparou uma reforma decente, que contém a sangria.
Mas um alienígena que chegasse ao Brasil hoje poderia jurar que está em outro país, talvez na Austrália, quiçá na Suíça. Debate-se nas redes sociais baboseiras, pautas secundárias, para dizer o mínimo. Vemos lacradas e mitadas por todo canto, mas poucos debatendo seriamente sobre a prioridade número um. Perde-se tempo e energia demais com barulho.
Claro que a culpa não é apenas de Bolsonaro. Venho criticando muito a postura do presidente, em especial por dar trela demais aos seus filhos e seu guru, adotando discurso tribal, hostil, que alimenta a militância virtual, mas em nada ajuda na necessária articulação com o Congresso e persuasão da sociedade.
Mas óbvio que o próprio Congresso não ajuda, com o “centrão” fisiológico sentindo cheiro de fraqueza e cobrando mais caro pelo apoio. A imprensa tampouco contribui, com sua torcida contra o governo, deixando a ideologia falar mais alto do que a análise muitas vezes.
O problema é que a postura da mídia e do Congresso já era esperada. Afinal, quem achou que o Brasil seria a Nova Zelândia num piscar de olhos? O Congresso também foi eleito, da mesma forma que o presidente, e as mudanças dependem do Legislativo, não podem ser feitas por decreto do Executivo. Logo, é óbvio que será preciso contemporizar, ceder, atrair base maior, abandonar algumas pautas secundárias para conseguir aprovar as principais. É parte do jogo democrático!
E a falta de compreensão de parte do bolsonarismo sobre essa questão é desesperadora. Querem “pressão popular”, como se o presidente pudesse governar driblando o Congresso, só com o “povo”. O guru Olavo de Carvalho já fala em plebiscitos, uma “democracia direta” que faria Chávez aplaudir do túmulo. Não é a solução. Devemos colocar pressão nos congressistas sim, mas o governo também terá que jogar com as cartas da mesa, sem utopia, sem autoritarismo, e sem corrupção.
As minhas críticas têm se concentrado mais no governo, portanto, porque é ele que pode mudar sua postura para agregar, unir, e aprovar as reformas. Infelizmente, a ala olavista tem falado mais alto, com efeitos terríveis. O editorial do Estadão de hoje comenta sobre essa hostilidade como método, o que é contraproducente para o país:
Jair Bolsonaro tem agido cada vez mais como líder de facção, e não como presidente da República. Invocando sempre a necessidade de satisfazer seus eleitores, malgrado o fato de que foi eleito para governar para todos, Bolsonaro tem contribuído para transformar debates importantes em briga de rua. É a reedição do ominoso “nós” contra “eles” que tanto mal fez ao País durante os desastrosos anos do lulopetismo.
Nesse ambiente crispado, temas cruciais para o futuro, como a reforma da Previdência, ou mesmo questões mais imediatas, como a necessidade de contingenciamento orçamentário, são desvirtuados pelo alarido dos radicais, o que nada tem a ver com um saudável debate democrático. E o presidente, que deveria, pelo cargo que ocupa, ser o condutor político desse debate, parece mais empenhado em hostilizar todos os que não lhe prestam obsequiosa vassalagem – e isso inclui não apenas seus adversários naturais, mas também, por absurdo, aqueles que desejam colaborar com o governo.
Com isso, Bolsonaro isola-se, num momento em que o País precisa de liderança e inteligência política para construir as soluções para a gravíssima crise ora em curso. São cada vez mais preocupantes os sinais de que o presidente não tem os votos necessários para aprovar no Congresso nem mesmo projetos de lei banais. As derrotas na Câmara se sucedem em quantidade inusitada para um presidente que teve 57,8 milhões de votos, elegeu-se como a grande estrela de uma formidável onda de renovação da política e deveria estar gozando a tradicional lua de mel com o Congresso e com os eleitores, reservada a todo governante em início de mandato.
[…]
É nesse clima de antagonismo que o governo pretende encaminhar a reforma da Previdência e outras mudanças importantes para o País – e a desculpa bolsonarista para um eventual fracasso em qualquer dessas etapas cairá na conta daquilo que o presidente e seus seguidores chamam de “velha política”.
Diante disso, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, disse ontem que o Congresso vai “fazer a reforma da Previdência, com o governo ajudando ou atrapalhando”. Seria melhor se, pelo menos, não atrapalhasse.
Os bolsonaristas acreditam na guerra constante, nas batalhas permanentes, nesse clima tribal de nós contra eles, os puristas, os verdadeiros “conservadores”, contra tudo e todos, uma cambada de defensor de bandido, de tucano, de socialista. Essa mentalidade, alimentada por Olavo e os filhos do presidente, joga lenha na fogueira, polariza mais o país, produz curtidas nas redes sociais, mas em nada ajuda no avanço das reformas.
Luiz Felipe D’Ávila, no mesmo Estadão, publica um texto importante hoje, com três perguntas para a Nação. É um chamado ao bom senso, à razão, antes que seja tarde demais:
É possível recolocar o País no caminho do crescimento econômico com um presidente da República que tem uma vocação insuperável para criar problemas para si e para seu governo? Sim, é possível. A retomada do crescimento, da renda e do emprego depende da aprovação das reformas previdenciária, tributária e política. Se estivermos realmente dispostos a abrir mão das benesses do Estado patrimonialista, o Congresso Nacional vai aprovar as reformas. A classe política não é suicida. Quando o clamor das ruas é uníssono, ela se alinha ao desejo dos cidadãos. Mas neste momento ainda não temos votos suficientes para aprovar a reforma da Previdência no Congresso.
As resistências no Parlamento refletem a divisão no seio da sociedade. Existem os defensores da agenda reformista, os opositores e o “Centrão” – o bloco poderoso que defende as reformas em público, mas luta nos bastidores para manter privilégios e benesses de segmentos específicos.
A vitória das reformas depende fundamentalmente de nós, brasileiros, respondermos a três questões cruciais.
2) Você está disposto a abrir mão de certas crenças tribais para aprovarmos as reformas?
3) Você está disposto a arregaçar as mangas e lutar pelas reformas?
As reformas políticas tornam-se viáveis quando temos coragem de discutir o problema sem minimizar os desafios das mudanças. Elas se transformam em votos quando temos consciência dos valores que precisamos preservar e das crenças e atitudes que temos de mudar para progredir e nos adaptarmos a uma nova realidade. O Brasil só vai enfrentar os seus reais problemas políticos, econômicos e sociais se formos capazes de dar uma resposta afirmativa e inequívoca a essas três perguntas. Chegou a hora de traduzir belas palavras em atos concretos que demandarão escolhas duras, decisões difíceis e medidas impopulares. Esse é o preço da transição do País que somos para o Brasil que queremos deixar para os nossos filhos.
D’Ávila aprofunda cada uma das perguntas colocadas, e tem um bom ponto: cada um terá de aceitar uma cota de sacrifício em prol do país, do nosso futuro, dos nossos filhos e netos, e os funcionários públicos terão de aceitar um corte maior, pois gozam de mais privilégios; o tribalismo deverá ser abandonado em prol da união, mesmo com quem discorda de nós em vários aspectos, pois com essa mentalidade de nós “puristas” contra eles “corruptos”, não vamos longe; e todos terão que fazer sua parte na mobilização, participando, explicando, divulgando, convencendo, atraindo mais gente para a defesa das reformas.
Não há alternativa. Os deputados precisam compreender a dimensão do desafio, e muitos parecem já seguir nesse caminho. A imprensa tem má vontade com Bolsonaro, mas justiça seja feita, tem alertado para a necessidade urgente das reformas. E os bolsonaristas precisam relaxar um pouco, entender que a “revolução” não será feita da noite para o dia, que as mudanças precisam vir gradualmente e de dentro do sistema, não contra ele em clima de guerra.
Essa missão de unir a maioria em torno de um projeto comum deveria caber ao presidente eleito com quase 58 milhões de votos. Por isso as críticas maiores a ele. Do Rodrigo Maia ninguém esperava nada muito diferente. Da imprensa, idem. Mas Bolsonaro tem a oportunidade de se mostrar um verdadeiro estadista. Mas para isso terá de abandonar o desejo de jogar para sua plateia, de mitar nas redes sociais, de alimentar a militância virtual raivosa. Não poderá liderar uma facção agressiva se quiser ser o líder da Nação!
Rodrigo Constantino
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