Dando continuidade às homenagens pelo aniversário de Ayn Rand, que nasceu em 2 de fevereiro de 1905, segue mais um texto do meu livro Egoísmo Racional: O Individualismo de Ayn Rand.
O culto da mediocridade
“Você tem a liberdade de ser você mesmo, você de verdade, aqui e agora, e nada pode impedir o seu caminho.” (Richard Bach, em Jonathan Livingston Seagull)
Em 1970, Richard Bach lançou um pequeno livro que tornou-se um grande best-seller. Trata-se de Jonathan Livingston Seagull, ou Fernão Capelo Gaivota, que conta a história de uma gaivota que não se contenta com viver apenas para comer e sobreviver, como as demais. Ela quer aprender com perfeição a voar, rompendo as barreiras impostas pelo senso comum e os supostos limites da sua própria natureza.
Sonhar enquanto é possível, e trabalhar duro para tornar esse sonho realidade, não importa o que os outros pensem de você, eis a mensagem. Um foco total no individualismo, na busca dos interesses individuais, contra um coletivismo que serve para tolher este impulso. O livro, que depois virou um filme com uma bela fotografia, chegando a ser indicado ao Oscar, vai na mesma linha das idéias de Ayn Rand, que defende o heróico nos homens, incitando-os a viver de acordo com o mais elevado padrão que forem capazes.
A gaivota está cansada do dia a dia de seu bando, limitado à busca de alimentos e sem maiores desafios. Ela quer mais. Ela quer voar como nenhuma outra ousou voar, atingir a perfeição através da prática incessante. Os obstáculos são muitos, e ela quase morre tentando desafiar seus próprios limites. Mas nada irá impedi-la de tentar, de aprender, de buscar aquilo que dá sentido à sua existência. Nem mesmo a pressão do seu bando, que chega a expulsá-la por romper com as antigas tradições e colocar os próprios interesses acima do “bem coletivo”. Ela vira então um outcast, uma renegada que parte para uma vida isolada, distante do próprio bando.
A superioridade que ela atinge após árduo esforço próprio é vista como uma agressão ao bando. Como ela ousou tentar se erguer acima dos demais? Seus próprios pais tentam dissuadi-la da busca dos seus sonhos, tentando convencê-la de que o melhor é aceitar sem questionamentos os padrões impostos pelo bando. Trata-se de um culto à mediocridade, fruto de um invejoso coletivismo, onde se superar e superar o restante do bando em algo é o maior pecado de todos. Os sonhos de Jonathan batem de frente com o socialismo do bando, e entre um e o outro, ele fica com o primeiro. Mesmo que para tanto tenha que abandonar os próprios pais e viver no exílio imposto pelo seu bando.
Durante esse período de exílio, ele encontra outras gaivotas como ele, que vivem num plano mais elevado, em uma sociedade mais avançada. Nela, todos gostam de voar e o respeito mútuo emerge como contraste à força coercitiva que mantinha o antigo bando unido. O processo de aprendizado continua, e uma gaivota ainda mais capaz que Jonathan, uma espécie de deus, ensina várias lições novas para ele. A idéia de uma capacidade praticamente ilimitada, da conquista de si próprio, é passada para Jonathan, que nutre profunda admiração pela gaivota mais capaz, contrastando com a nítida inveja que seu bando sentia por ele próprio.
O sucesso, ali, é admirável, não condenável pela inveja. Esta parte do livro assemelha-se ao momento em que os heróis de Atlas Shrugged criam seu universo paralelo, uma cidade acima da inveja dos medíocres, inatingível pelos que querem destruir o sucesso alheio. Nessa cidade, todos são livres para buscar os próprios sonhos, e a capacidade superior de alguém em algo é vista com admiração e respeito.
Na parte final do livro de Bach, Jonathan aprende a perdoar seu bando e retornar para ensinar aquilo que aprendeu, ainda que poucos estejam realmente dispostos a escutar. Achar outros similares, ainda que uma única gaivota, e passar os ensinamentos adiante, eis o passo que resta para Jonathan. Há um toque de Cristianismo aqui, não presente na obra de Ayn Rand. Ainda assim, o livro deixa claro que não é para amar o ódio alheio, apenas buscar o que cada um tem de melhor a oferecer, e estimular que outros dêem continuidade ao eterno aprendizado. Jonathan acha outra gaivota como ele no bando, que irá assumir o papel de líder natural, e dar seguimento ao processo de aprendizado que ele mesmo enfrentou. E assim, tudo aquilo que foi aprendido não irá se perder para sempre.
O livro é uma homenagem a todos que rompem com o marasmo da mediocridade, desafiando todos os obstáculos existentes na busca dos próprios sonhos. Viver de acordo com o melhor que for capaz, buscando sempre a perfeição, mesmo que para tanto seja preciso enfrentar o próprio bando, as amarras coletivistas e a força da inveja alheia, é a mensagem que une a obra de Bach e de Rand. Todos aqueles que repudiam o culto da mediocridade, entendendo que o indivíduo tem direito de buscar sempre seu melhor, mesmo que isso o faça muito melhor que a média, irão encontrar muito valor nas novelas de Ayn Rand e no maravilhoso filme Jonathan Livingston Seagull. Devemos sonhar enquanto for possível. E devemos lutar para transformar nossos sonhos em realidade.
Rodrigo Constantino