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Por Dom Lourenço de Almeida Prado *

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A palavra que o mais velho deve ao moço, será que ele, hoje, sabe dizê-la de modo a ser ouvido com simpatia e, além disso, entendido? Acredito que sim. E direi mais, embora a afirmação surpreenda: para que o mais velho seja entendido pelo mais moço, a primeira condição é que tenha a coragem de usar, sem disfarce, a linguagem do mais velho, sem se dar ao ridículo de imitar a maneira de falar do jovem. Não é o truque que torna o nosso falar comunicativo, mas, ao contrário, o vigor interno de sua lealdade.

O jovem, ainda que nem sempre o confesse, confia no mais velho e deseja ouvi-lo. Ao mesmo tempo, porém, não é sem certo medo que ele se aproxima para o encontro. Receia que a palavra apoiada na experiência, que a mensagem daquele que já viu, possa privá-lo do encanto de descobrir com os próprios olhos o que é bom e o que é mau. O conselho do mais velho, mesmo quando bem-fundado (ou sobretudo quando bem-fundado), pode acarretar para o jovem um sabor de desencanto e frustração.

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Esse tipo de conselho, com apoio na experiência, pode ser, sem dúvida, de grande ajuda: evita desperdício de tempo, de oportunidade e de dinheiro, com uma tentativa inútil, abreviando, assim, a busca de um outro caminho que poderá ser mais frutuoso. Contudo, as ilusões juvenis não constituem apenas uma espécie de mentira vital cujo único valor estaria em protelar a decepção do encontro com a realidade. Elas têm uma contribuição positiva na formação da personalidade. Ajudam a apurar a sensibilidade, a criar um olhar mais lúcido para discernir a escolher, e a formar, assim, a têmpera da personalidade madura.

É caindo que a criança aprende a andar.

Nem todas as aventuras ou buscas devem ser cortadas: o jovem deve aprender a sua própria custa, experimentando.

Essa dificuldade no diálogo não é peculiar aos nossos dias. Sempre a força do velho foi a experiência e a do jovem, a atração meio imprudente para conferir tudo. Nem mesmo é de hoje um zelo apegado do mais velho pela ordem, pelas normas e pelos costumes, em desencontro com a aversão do mais moço por tudo que pareça introduzir limites nos seus anseios de liberdade.

O mundo moderno é um mundo antiintelectualista, é um mundo relativista. É um mundo que não crê na verdade. Daí uma certa confusão para o jovem, que pergunta e não recebe resposta convicta. O antiintelectualismo contemporâneo desampara o jovem na sua natural imaturidade.

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Talvez venha daí a crise (se existe realmente uma crise) do jovem de hoje: ele é um ser sufocado pela informação, um ser com indigestão de conhecimentos, sem vagar para a reflexão. O rádio, a televisão colocam o mundo, mais que o mundo, o universo, dentro de casa e não deixam tempo para refletir. Não estará aí a raiz do tédio que atormenta certos arraiais da juventude, que tem tudo – um mundo de ciência e técnica – e não tem nada – porque não há disponibilidade para dedicar-se à vida do espírito?

Diremos, pois: conflito, não; complementaridade, sim. Essa a grande realidade: confunde-se complementaridade com conflito. E a confusão é meio desastrosa, pois a ideia de conflito implica a de separação, enquanto que a complementaridade contribui para a união.

Se tenho algo que o outro não tem, tenho algo a dar a esse outro; se, por outro lado, tenho uma carência de alguma coisa que no outro é superabundante, tenho como acolher o seu transbordamento.

Ai da sociedade onde todos fossem jovens ou todos fossem velhos. Seria uma sociedade manca e disforme. A sociedade precisa do moço e precisa do velho. Precisa que o moço seja moço e o velho seja velho. Se um deles falha à sua tarefa, por simples omissão ou por ceder à tentação ciumenta de representar o papel do outro, surge um vazio irreparável.

Que é que se quer do jovem? O élan para a frente, a audácia, a pressa meio aventureira, uma certa irreflexão e quase imprudência, o movimento mais livre de quem não se comprometeu com o passado, nem está vinculado ao presente, a atração para o novo e pelo inaudito.

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Ai da criatura que não tem infância. Ai da sociedade que não é movida e animada pelo ardor juvenil em busca de novos mundos.

Por outro lado, pobre da sociedade em que o velho se expõe ao ridículo de querer ser “para frente”, que é ter vergonha de ser velho. Porque o velho tem também uma função insubstituível. Do velho se espera a reflexão e a medida, o discernimento mais perfeito entre o certo e o errado, a calma madura na ponderação da coisa a fazer, a sabedoria obtida na sucessão das surpresas e percalços de uma caminhada que já vai longe.

* Trechos de um capítulo do livro Educação para a Democracia.