Por João Luiz Mauad, publicado no Instituto Liberal
“O amor à pátria é uma coisa esplêndida. Mas por que devemos parar o amor na fronteira?” Pablo Casals
Entrei na padaria e pedi ao balconista um pão francês. O atendente, em tom raivoso, respondeu: “uma pão de Mariana nem pensar, não é?” Trata-se de uma piada, claro, mas resume bem o ambiente que tomou conta das redes sociais durante o último fim-de-semana, quando assistimos a mais uma onda avassaladora daquele nacionalismo boboca que, de tempos em tempos, costuma inflamar as pessoas em Pindorama.
Revoltados com uma suposta supervalorização dos atentados de Paris pela mídia, muitos brasileiros, principalmente através das redes sociais, passaram a atacar não só os órgãos de imprensa, mas todos aqueles que ousaram se indignar e/ou estampar as cores da bandeira francesa em suas páginas e perfis.
O pano de fundo das diatribes foram absurdas e extemporâneas comparações entre as tragédias de Paris e Mariana, que, segundo eles, não mereceu o mesmo destaque da mídia, embora tivesse sido tão ou mais grave. Cheguei a ver postagens inventando que o número de mortes em Mariana havia sido de 400 pessoas. Vi gente questionando até mesmo o fato de o episódio mineiro ter sido realmente um acidente – ainda que ninguém tenha conseguido demonstrar uma única pessoa ou empresa que tivesse lucrado, ou sequer se beneficiado, daquela tragédia.
Nada contra a indignação das pessoas, nem tampouco que se cotizem para ajudar as vítimas ou cobrar punições aos eventuais responsáveis pela tragédia de Minas. Estes terão sempre o meu apoio e o meu aplauso. Mas está claro que muitas dessas pessoas não compreenderam o real significado do que ocorreu em Paris, onde, independentemente do número de vítimas, estávamos diante de um atentado contra os valores da civilização ocidental, ou melhor, um atentado contra os valores mais caros à própria civilização humana.
Ademais, embora trágico do ponto de vista das vidas perdidas e do dano ambiental causado, o episódio de Mariana foi um acidente, assim como foram o de Teresópolis, o de Angra dos Reis e tantos outros. Por mais que possamos procurar eventuais culpados por negligência ou imprudência, é impossível apontar qualquer tipo de dolo por trás do rompimento daquela represa.
Mais: ainda que o acidente de Mariana vitimasse um número semelhante ou mesmo maior de pessoas que os atentados de Paris, estamos diante de fatos completamente diferentes, cuja dimensão não deve ser medida apenas pelo número de mortos ou feridos, mas sim pelo que representa em termos de valores, não só para os franceses, mas para toda a humanidade.
Em 1950, depois que o Brasil perdeu para o Uruguai a final da copa do mundo, no Maracanã, Nelson Rodrigues cunhou a expressão “complexo de vira-lata”, numa alusão à baixa auto-estima do brasileiro, que, segundo ele, seria uma das razões daquela triste derrota. Não sei se o grande cronista tinha ou não razão na sua análise. Embora não tenha assistido ao fatídico jogo, pelas histórias que ouvi é provável que o time brasileiro tenha perdido mais por excesso de confiança (sapato alto?) do que pela sua falta, afinal, naquela época, a vitória da seleção era dada como certa por 9 de cada 10 brasileiros.
Não importa. Malgrado possa não se aplicar ao futebol, esporte em que o Brasil sempre se houve muito bem, é certo que, culturalmente, o brasileiro é refém de um complexo de inferioridade meio atávico, pelo menos em relação aos países do chamado primeiro mundo. E, por paradoxal que possa parecer, uma das conseqüências desse complexo é uma reação exacerbada em sentido contrário, que faz com que muita gente por aqui supervalorize tudo que é nacional e rejeite o que vem de fora. Sentimos isso claramente quando vemos, por exemplo, críticas sem sentido às “comemorações” do halloween, ao uso de expressões estrangeiras ou aos fãs de esportes ditos “americanos”, entre outras.
Eu falei acima em complexo de vira-lata, mas talvez a melhor definição para essa síndrome seja uma mistura de “provincianismo” e “bairrismo”, caracterizada pelo estado de espírito de quem sistematicamente se concentra em pequenos detalhes de uma questão, não levando em conta o seu contexto mais amplo, e, ao mesmo tempo, devota afeição exagerada às coisas de seu ambiente próximo, enquanto demonstra hostilidade ou menosprezo em relação aos mais distantes.
Então, vamos combinar? Por favor, parem de patrulhar as escolhas e as indignações alheias. Quer protestar contra a tragédia de Mariana ou organizar ajuda humanitária às suas vítimas? Você tem meu aplauso e minha solidariedade. Mas dê o mesmo direito aos demais para escolherem as suas próprias causas, aqui ou alhures.
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