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Petrobras: ataque especulativo?

As ações da Petrobras caíram 10% ontem, no primeiro dia de mercado após o anúncio de aumento tímido e abaixo do esperado no preço do combustível. Alguns leitores chegaram a defender o governo, alegando que a “função social” de uma estatal é servir a fins políticos mesmo, e não gerar retorno aos “especuladores” ou “agiotas” do mercado financeiro. Gente do próprio governo falou em “ataque especulativo”.

Infelizmente, ainda persiste no Brasil essa mentalidade contrária ao mercado financeiro, especialmente quando as ações estão em queda (na alta o ódio desaparece e a bolsa passa a ser sinônimo do sucesso do país e do governo). Há muita ignorância acerca das funções dos mercados e dos especuladores. A fim de combater esse desconhecimento, segue um artigo meu sobre o tema:

A função dos especuladores

“Sem especulação não pode haver nenhuma atividade econômica alcançando além do presente imediato.” (Ludwig von Mises)

Poucas são as profissões tão repudiadas pelo senso comum como a do especulador. No entanto, o principal motivo para esse preconceito reside na falta de conhecimento acerca das funções que a especulação exerce no mercado.

Em primeiro lugar, podemos considerar os arbitradores de preços em termos geográficos, ou seja, aqueles indivíduos que buscam o lucro através de oportunidades que surgem pelo fato de o preço de um determinado produto estar elevado em um lugar e baixo em outro. Havendo livre mercado, essa diferença tende a desaparecer, restando somente o custo de transporte como diferencial de preços.

A mesma tendência de equalização se aplica no caso de preços no tempo. Eis onde surge o importante papel dos especuladores. A relação entre o preço presente e o preço futuro de uma commodity é que eles tendem a diferir não mais do que os custos de estocagem somados a uma taxa de lucro do capital que deve ser investido nessa estocagem.

Os especuladores tentam antecipar os movimentos que vão ocorrer nos mercados. Agindo dessa forma, eles acabam diluindo as oscilações abruptas no tempo. A atividade dos especuladores serve, então, para transferir oferta de um período no qual ela é menos urgente, como indicado pelos preços menores, para um período no qual ela é mais necessária, como indicado pelos preços maiores.

Como exemplo, pode-se pensar no petróleo. Antecipando algum tipo de escassez futura, pelo motivo que for, os especuladores irão comprar petróleo no presente e estocá-lo. Isso irá forçar seu preço para cima no momento atual, incentivando uma menor demanda. Em compensação, esse petróleo estocado terá que ser consumido algum dia, e nesse momento os preços serão pressionados para baixo, estimulando a demanda.

É importante lembrar que toda empresa que decide sobre estoque de produção está especulando também, pelo mesmo princípio que o especulador. Consumidores que adiam ou antecipam as compras estão especulando também.

Mas pelo fato de a especulação transmitir os preços maiores esperados no futuro para o presente, ela é denunciada como a causa desses maiores preços. Aqueles que assim o fazem estão ignorando que os estoques acumulados no presente, como resultado da especulação, terão de ser usados algum dia, e nesse momento irão necessariamente agir de forma a reduzir os preços.

Quando o preço do barril disparou para US$ 150, todos culpavam os especuladores, mas quando ele despencou para US$ 50, ninguém se lembrou dos especuladores como responsáveis pela queda. Além disso, se os especuladores errarem em suas estimativas, eles mesmos pagam o preço, pois compraram o produto e investiram em sua estocagem a preços maiores, sendo que deverão vender a preços mais baixos, arcando com o prejuízo. Se, por outro lado, acertaram na previsão, apenas anteciparam uma mudança na relação entre a oferta e a demanda, suavizando seu impacto nos preços no tempo.

É verdade que, em alguns casos, a própria expectativa dos especuladores pode afetar o futuro, como numa profecia auto-realizável. É o que George Soros chamou de “reflexividade” dos mercados. Mas os pilares de uma economia precisam ser de areia para que os especuladores possam mudar tanto assim os fundamentos. Era o caso da Inglaterra, quando o próprio Soros ganhou bilhões especulando contra sua moeda, artificialmente manipulada pelo governo.

Foi também o caso da crise asiática, novamente vítima de erros dos próprios governos locais. Costuma ser mais comum os especuladores apenas anteciparem os fatos, tentando trabalhar em cima dos fundamentos em si. São esses que realmente importam. Em uma economia livre e saudável, a especulação só tem a agregar, por meio dessa arbitragem de preços. Negar isso é o mesmo que dizer que remédios testados não são desejáveis, pois em alguns casos podem acarretar em piora do doente, que já estava mesmo com um pé na cova.

Em resumo, essa é a mais importante função dos especuladores: a arbitragem de preços tanto geograficamente como no tempo, garantindo maior liquidez para os mercados, o que leva à sua maior eficiência. Aqueles que culpam os especuladores por uma mudança nos preços presentes estão ignorando um princípio básico de economia. Estão confundindo correlação com causalidade. Estão, em suma, condenando um termômetro por mostrar a febre do doente.

No caso das ações de empresas em bolsa, os especuladores e investidores em geral trabalham com as expectativas do fluxo de caixa. O valor presente de um ativo é seu fluxo de caixa futuro trazido ao valor de hoje por uma taxa de desconto. Não importa o “sunk cost”, ou seja, o valor histórico dos ativos comprados ou dos investimentos feitos. O importante é quanto será gerado de caixa daqui para frente.

Quando as ações da Petrobras despencam 10% em um só dia, portanto, isso quer dizer que aqueles investidores e especuladores, agindo livremente no mercado, acreditam que o valor justo da empresa caiu 10% por conta das mudanças nas expectativas de ajustes de preços daqui por diante. É uma perda bastante real no valor da empresa.

Basta lembrar que o preço de suas ações é o melhor indicador para seu valor, e não o contábil ou histórico. Se a Petrobras for levantar mais recursos no mercado, será com base nesse preço que ela terá de fazê-lo. Os petistas podem disfarçar o quanto for, culpar os astros, os “agiotas”, os “especuladores”, mas o fato não muda: em um único dia, por causa de uma decisão estapafúrdia, a Petrobras viu evaporar de seu valor de mercado mais de R$ 20 bilhões!

Isso é mais do que o governo arrecadou no leilão do poço de Libra, com tanto alarde e comemoração. Ali, naquele leilão tão celebrado, o valor arrecadado foi totalmente especulativo também. Mas não vimos os mesmos petistas criticarem a especulação naquela ocasião…

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