Planos de saúde estão obrigados a reembolsar o Sistema Único de Saúde (SUS) todas as vezes que seus usuários forem atendidos na rede pública. O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta quarta-feira, 7, por unanimidade que a regra, prevista na lei que regulamenta a saúde suplementar, é constitucional, colocando fim a um impasse que já durava quase 20 anos. Segundo o Ministério da Saúde, os valores questionados na Justiça chegam a R$ 5,6 bilhões.
A decisão traz impacto não apenas para os cofres do Sistema Único de Saúde, mas também para aqueles que contratam os planos, na esperança de ter um atendimento que escolheram. “Ao declarar constitucional a cobrança, o STF inibe uma prática muito comum de planos de saúde que é empurrar seus clientes para o atendimento no SUS”, avalia o professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (Fmusp), Mário Scheffer.
A professora da Universidade Federal do Rio (UFRJ), Lígia Bahia, tem avaliação semelhante. “Deixa de ser vantajosa a recusa de atendimento porque mais cedo ou mais tarde o plano terá de arcar com os custos.”
Confesso ao leitor que quando Lígia Bahia defende algo em saúde, minha tendência automática é defender o oposto. Acompanho suas colunas em jornais e ela é uma ardente defensora do modelo socialista no setor, que não funciona nem mesmo no Reino Unido.
Sei que há muita revolta com os planos de saúde, e por isso as pessoas podem aplaudir a decisão sem pensar direito. Mas é importante refletir um pouco mais sobre o caso, ao menos para quem deseja buscar a justiça e a eficiência.
Se o setor não é dos mais eficientes, isso não parece ter ligação direta com alguma maldade específica dos empresários, muito menos com o mercado. Trata-se, afinal, de um dos setores mais regulados e controlados, em que o governo impõe uma série de restrições ao funcionamento da lei da oferta e da demanda. Por isso, inclusive, os planos individuais estão desaparecendo no país.
Sei que tem muita fraude, muito oportunismo, corrupção. Sei que hospitais particulares superfaturam produtos e serviços, o que aumenta o custo dos planos. Não é por acaso que os gigantes passaram a investir na verticalização, comprando hospitais para reduzir a roubalheira e os esquemas. Mesmo aqui nos Estados Unidos é um setor complicado, pois com saúde não se brinca, e há muita fraude.
Dito isso, quem me acompanha sabe que sou cético quanto à “solução” do intervencionismo estatal. Normalmente a emenda sai pior do que o soneto. Se há malandros na iniciativa privada, há malandros na política, que não é feita por santos ou alienígenas. Com o agravante de que o mecanismo de incentivos é muito pior nela.
Portanto, não há solução simples, e se o SUS não funciona direito, não basta avançar sobre o caixa das empresas privadas. Mas meu ponto principal sequer é sobre eficiência, e sim sobre justiça. O SUS é um conceito coletivista, igualitário, socialista, que cobra de todos por meio de impostos e promete cuidar de todos da mesma forma. Utópico, irreal, ineficiente, mas eis a ideia por trás do troço.
Logo, todo cidadão “contribuinte”, todo pagador de impostos já pagou pelo SUS, e não deveria ser forçado a pagar novamente, o que se configuraria dupla taxação. Ora, empresas são instrumentos apenas, e por trás delas temos sempre indivíduos: sócios, trabalhadores, clientes. Se o governo obriga o plano de saúde a pagar pelo uso no SUS, está impondo esse custo a algum desses grupos, ou a todos. Os sócios terão menos lucro, os trabalhadores salários menores, e os clientes preços maiores. Mas todos eles já pagaram pelo SUS. É justo cobrar novamente?
Podemos pensar numa analogia: todos nós pagamos por segurança, para manter a polícia. O estado cobra caro e entrega um péssimo serviço, como de praxe. Por isso, somos muitas vezes levados a pagar dobrado para obter o serviço na iniciativa privada. Contratamos seguranças para o condomínio, por exemplo. Mas isso quer dizer que ficamos impedidos de usar a polícia?
Se houver uma tentativa de assalto no seu condomínio e a polícia impedi-la, prendendo os marginais, a empresa que fornece segurança deveria pagar extra para o estado, para bancar a polícia? Não temos direito ao uso da polícia, algo já garantido?
O mesmo raciocínio pode ser usado para ensino. As escolas públicas são terríveis, antros de doutrinação. Muitos que podem retiram seus filhos desse inferno comunista e pagam escolas particulares, um pouco melhores. Isso quer dizer que estão impedidas de usar as escolas públicas? Mas elas não são um direito universal de todos os brasileiros?
Há claramente uma discriminação em curso. Se o cidadão tivesse direito a um abatimento em seus impostos por pagar escola particular, segurança privada e plano de saúde, tudo bem, até faria sentido cobrar das empresas ou dos indivíduos quando o serviço público fosse utilizado. Mas não acontece isso. Pagamos ao estado a fundo perdido, e depois ainda temos que pagar novamente? Isso é justiça? O ponto de vista das empresas merece ser levado em consideração:
A Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge) criticou a decisão, em nota, por entender “que todos os cidadãos brasileiros que tenham planos de saúde mantêm o direito de utilizar o sistema público de saúde, sem quaisquer ônus”. Disse ainda que o eventual ressarcimento ao SUS tem reflexo no cálculo da mensalidade.
“O fato de uma pessoa ou empresa decidir contratar um plano de saúde não as exime do pagamento dos seus impostos e contribuições sociais. O entendimento do STF acaba por penalizar justamente esta parcela da população, a partir do momento em que o eventual ressarcimento ao SUS passa a compor o custo atuarial da mensalidade do plano de saúde.”
Eu acho que o modelo do SUS é ineficiente e injusto, utópico e socialista. Não funciona. Transferir para terceiros a fatura daquilo que consumimos costuma gerar um mecanismo terrível de incentivos. Não é aumentando a intervenção estatal e avançando sobre o caixa das empresas que vamos resolver os problemas. Ao contrário: poderemos até mesmo agrava-los!
O melhor caminho, tanto do ponto de vista da eficiência como da justiça, parece-me ser a aposta em mais mercado, mais concorrência livre. Cada um compra o plano que quiser, e para isso os planos precisam ter o direito de discriminar, de oferecer coberturas distintas, de ter produtos básicos etc.
E se o cliente estiver insatisfeito, se ele achar que está sendo enganado, que está caindo na rede pública o tempo todo e que, para isso, não precisaria de um plano, então ele pode mudar de ofertante, o que é sempre mais fácil quando há mais concorrência, livre de barreiras à entrada. Mais mercado e menos estado: funciona aqui também!
PS: Se os planos tivessem que ressarcir o cliente em vez de o estado, até poderia fazer algum sentido, mas ainda assim era melhor deixar o mercado cuidar disso, e cada um resolver o que consta ou não nas cláusulas do contrato.
Rodrigo Constantino
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