A aprovação do projeto de lei (PLN4) que garantiu ao governo federal um crédito extra de R$ 248,9 bilhões para o pagamento de benefícios sociais e o Plano Safra sugere que a gestão de Jair Bolsonaro (PSL) pode estar aprendendo a superar um de seus maiores desafios: a articulação com o Congresso Nacional.
Da semana passada até a atual, o governo evoluiu de uma briga dentro de sua base até a aprovação unânime de um projeto importantíssimo. Na última quarta-feira (5), a líder do governo no Congresso, deputada federal Joice Hasselmann (PSL-SP), e o líder do PSL no Senado, Major Olímpio (SP), discutiram em público e o bate-boca levou à interrupção de uma sessão do Legislativo. Já nesta terça-feira (11) o clima da sessão foi de discursos respeitosos e de trocas de elogios entre os parlamentares, que tiveram Joice como uma das principais beneficiárias.
“Nós estávamos há algum tempo tentando construir uma base. Mas com articulação, muito diálogo e maturidade política mostramos que é possível”, disse Joice. A líder do governo acredita que a votação desta terça pode representar uma “nova era” no diálogo entre o Congresso e o Executivo. “Pelo tamanho da votação de hoje não dá para se falar que foi apenas uma vitória pontual. Houve elogios de todos os lados, até mesmo de partidos da oposição”, afirmou. Joice disse esperar que o “clima positivo” se repita quando o Congresso for avaliar a reforma da Previdência.
Tomara que Joice esteja certa, pois a necessidade da aprovação de uma reforma previdenciária sem muita desidratação se mostra ainda mais urgente. Afinal, como lembrou o MBL, a meta de Paulo Guedes é economizar um trilhão ao longo de uma década com a reforma, enquanto o PNL4 autorizou o governo a meter a mão num crédito extra de quase R$ 250 bilhões, ou seja, UM QUARTO desse total de economia prevista!
“Pra ver o tamanho da treta: o PLN4 autoriza o governo a emitir R$ 250 bi em dívida. Isso é 1/4 do SONHO de 1 tri em 10 anos na reforma da previdência. O Brasil está em ruínas. Se não aprovar a reforma da previdência, o país acaba”, publicou o MBL. Não é alarmismo; é realidade.
Dinheiro não tem carimbo, ou não deveria ter. É possível, em tese, cortar de outros lugares para manter pagamentos mais urgentes. Foi o ponto levantado por Helio Beltrão: “O governo diz que suspenderá benefícios a idosos e deficientes se Congresso não aprovar $250bi de cheque especial para fugir da Regra de Ouro. Isto é uma inverdade ou verdade parcial. Dinheiro não tem cor. Pode-se cortar MUITA coisa menos útil. Isto é chantagem política”.
Infelizmente, sabemos que não é exatamente assim na prática, já que apenas cinco contas são responsáveis por cerca de 75% do orçamento federal. Ou seja, os recursos públicos têm carimbo, e por isso o governo teria de interromper pagamentos como o BPC sem a aprovação do PNL4. A alternativa seria apelar para as “pedaladas fiscais”, e sabemos onde isso levou no caso de Dilma.
Bolsonaro não tinha alternativa concreta, portanto, e os deputados não queriam assumir o fardo de serem responsáveis pela interrupção de pagamentos sociais importantes. Ainda assim, houve articulação, contemporização, o governo aceitou ceder em pontos demandados, e houve acordo. Uma vitória política importante, como reconheceu o deputado Kim Kataguiri: “Articulação. Diálogo. Assim se faz a boa política. Parabéns aos líderes do governo Bolsonaro pela votação unânime. É assim que se constrói”. O deputado Paulo Eduardo Martins foi na mesma linha:
PLN 4 aprovado por 450 votos favoráveis e nenhum voto contrário. O Congresso agiu com a responsabilidade que o Brasil espera dele. Parabenizo a todos que trabalharam por essa construção. Em tempo, o sucesso na aprovação do PLN 4 se deve a um competente trabalho de articulação do governo. Articular significa organizar, unificar, convencer, conciliar e honrar. Nada além disso.
Exato. Não há razão para demonizar a articulação política, que virou sinônimo em certos círculos bolsonaristas de corrupção. O presidente Jair Bolsonaro também usou as redes sociais para elogiar o trabalho do Congresso: “Por 450 x 0 votos na Câmara e 61 x 0 no Senado, O PLN 4 ESTÁ APROVADO! Com isso, poderemos garantir o pagamento de benefícios aos mais necessitados, como idosos com deficiência, BPC e Bolsa Família. Parabenizo o Congresso pela consciência e responsabilidade nesta aprovação!”
Espera-se que esse mesmo empenho seja colocado na articulação para a reforma previdenciária. Como eu disse, a notícia da aprovação unânime do PNL4 é boa do ponto de vista político, mas reforça a necessidade de reformas estruturais para conter a sangria fiscal. Do ponto de vista econômico, é lamentável o governo precisar de crédito de um quarto de trilhão para bancar custeio da máquina e transferências sociais. Expõe a dimensão da falência do nosso estado, que já arrecada quase 40% do PIB. Só há uma solução definitiva: reduzir drasticamente os gastos públicos!
Podemos, enfim, festejar o sucesso da articulação política, que significou liberar verbas, mas não sem esquecer de que em Brasília é sempre mais fácil aprovar aumento de gasto ou crédito público do que a sua redução. Aprovar mais crédito estatal é uma coisa; aprovar corte de privilégios do próprio setor público é outra, bem diferente.
Rodrigo Constantino