O ideal do ponto de vista de todo liberal e conservador é que o governo fosse apagado, que a eleição para presidente fosse um evento quase irrelevante, que os cidadãos pudessem tocar suas vidas sem se importar tanto com a política. Nesse mundo ideal, o estado e a burocracia cuidariam do básico, e jamais seriam vistos como super-heróis. Um presidente como Coolidge, que quase nenhum historiador (a maioria de esquerda) sequer considera relevante, seria um ícone dessa postura: discreto, mas atuando para reduzir o escopo do estado.
Esse ideal, porém, parece muito distante da realidade. Cada vez mais. Vivemos na época do culto à presidência, com mais e mais expectativas delegadas aos líderes políticos. O povo acha que o presidente vai resolver desde o problema da pobreza e das desigualdades até a ameaça climática, passando por todo o restante. Não se vota mais num administrador competente, mas numa espécie de messias salvador.
Somado a isso, temos a era das redes sociais, que ajudou a transformar a política num grande espetáculo, num show de puro entretenimento. É nesse sentido que um Trump da vida se destaca tanto. Quem viu seu comício recente em Michigan, após uma semana de boas notícias para o presidente, viu um showman em seu auge, fazendo piadas, detratando adversários, extraindo uivos e gargalhadas do público presente. Um comediante, enfim.
No “Sunday Especial” dessa semana, Ben Shapiro entrevistou seu colega e funcionário Matt Walsh, e um dos temas abordados foi justamente o que uma figura como Trump significa para o movimento conservador americano. Ambos temem que, a longo prazo, seja algo negativo, e o principal argumento é exatamente esse: os republicanos passaram a idolatrar uma pessoa, em vez de focar nos princípios da causa. Alguns precisam defender Trump sempre, não importa o que faça.
João Luiz Mauad publicou um artigo sobre a importância da crítica na política, enquanto muitos parecem preferir a postura de tiete. “A grande vaia é mil vezes mais forte, mais poderosa, mais nobre do que a grande apoteose”, disse Nelson Rodrigues. E concluiu: “Os admiradores corrompem”. Mas na política atual, a mentalidade de torcida de futebol predomina, e cada time precisa ter seu capitão para enaltecer, idolatrar.
Se o “lado de cá” não o fizer, o “lado de lá” fará, e provavelmente vencerá as eleições. É um argumento poderoso, pragmático, parcialmente verdadeiro. Um nome mais sério, porém apagado, não teria chances contra a máquina democrata. Ted Cruz ou Mitt Romney que o digam. Coolidge hoje simplesmente não seria eleito. E é preciso jogar com as cartas da mesa, não? Adaptar-se.
O problema persiste, contudo: a tendência aponta para algo ruim do ponto de vista liberal e conservador. Políticos gozam cada vez mais de seguidores fanáticos, o que vai de encontro aos valores básicos do conservadorismo, entre eles o saudável ceticismo para com qualquer político.
Não sei se ainda é possível reverter o quadro. Normalmente não dá para colocar o gênio de volta na garrafa, uma vez aberta. Talvez o destino da democracia seja um concurso de comediantes carismáticos, vai saber. Talvez a resposta a Trump seja Oprah Winfrey ou algo semelhante. E depois, os republicanos podem se convencer de que Trump não foi o suficiente, e que precisam de alguém ainda mais fanfarrão, “politicamente incorreto”, irreverente, engraçado. E onde isso vai parar?
Posso entender a lógica argumentativa de quem, de forma prática, reconhece o problema, mas não enxerga solução razoável. No mundo de hoje, precisamos de Trump ou Bolsonaro para enfrentar a esquerda. Pode ser. Mas mesmo quem admite essa escolha pragmática deve concordar que o rumo não é alvissareiro, e que liberais clássicos e conservadores de boa estirpe jamais deveriam festejar essa tendência. Bajular políticos nunca será uma prática condizente com o liberalismo e o conservadorismo!
Rodrigo Constantino