O ótimo é inimigo do bom. Política é a arte do possível. Fazer concessões é parte necessária de qualquer negociação. Todos esses bordões são conhecidos e verdadeiros. Ninguém, à exceção dos utópicos, esperava uma agenda radical de reformas estruturais de um governo interino. Mas também devemos tomar cuidado para não colocar a meta baixa demais. Afinal, o país quebrou com o PT e precisa de mudanças radicais, sob o risco de ver mais uma década totalmente perdida.
Penso, claro, nos recuos do governo com os estados. O presidente fica irritado com o uso do termo, segundo relata Ilimar Franco: “Nada irrita tanto o presidente interino, Michel Temer, como quando usam o verbo ‘recuar’ ao qualificar seu governo. Ontem, desabafou com ministros a propósito do projeto da renegociação da dívida dos estados. Para o Planalto, as mudanças no texto do governo devem ser vistas com naturalidade. E repete: onde há Congresso e democracia, é preciso negociar”.
Sem dúvida. Mas também não podemos ceder tantos os anéis para preservar os dedos, pois poderemos acabar sem anel algum. O ministro Henrique Meirelles tentou suavizar a questão, fazer do limão uma limonada, pensando nas pequenas conquistas em vez de olhar a coisa como grande derrota:
Horas depois de a Câmara dos Deputados derrubar uma das contrapartidas colocadas pelo governo no projeto de renegociação das dívidas de estados com a União — a proibição de que governadores concedessem reajustes a servidores por um prazo de dois anos —, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, divulgou uma nota comemorando a aprovação do texto-base na casa. Sem fazer qualquer referência direta à derrota sofrida pela equipe econômica, a nota diz apenas que a aprovação foi “o primeiro passo concreto do ajuste estrutural das despesas públicas brasileiras em décadas”.
Na segunda-feira, depois de uma longa reunião no Palácio do Planalto, Meirelles concedeu uma entrevista coletiva na qual disse que a renegociação das dívidas estaduais traria duas contrapartidas importantes: a fixação de um teto para os gastos e a proibição de reajustes por 24 meses. Segundo o ministro, segurar aumentos de despesas com servidores seria uma contrapartida auxiliar para viabilizar o cumprimento do teto, pelo qual as despesas de um ano só podem ser corrigidas pela inflação do ano anterior.
No entanto, na Câmara, o forte lobby do funcionalismo acabou ameaçando a aprovação da projeto de repactuação das dívidas, considerada mais uma prova de fogo para o governo do presidente interino Michel Temer. Com isso, o relator do texto na Câmara, deputado Esperidião Amin (PP-SC), retirou a contrapartida da proposta. Para isso, ele teve o sinal verde do Palácio do Planalto, que temia uma derrota na votação. Ainda é preciso votar destaques do projeto, o que deve ocorrer ainda hoje, para que o texto siga para o Senado.
A realidade é dura mesmo. Os estados estão quebrados e, ao contrário do governo federal, não podem imprimir dinheiro ou criar novos impostos da mesma forma. Nosso pacto federativo é terrível também, concentrando poder e recursos demais na esfera federal (cerca de 70% da arrecadação total). Mas em vez de enfrentar os problemas com coragem, a solução parece ser sempre meia-boca, paliativa. E cai invariavelmente no colo dos “contribuintes”.
Acredito que Temer e sua equipe querem fazer o que é certo. Não duvido da habilidade política do presidente interino. Mas temo que o “possível” na nossa política seja sempre muito pouco. Claro, aprovar alguma reforma e limitar um pouco os gastos públicos sempre poderá ser visto como um avanço, já bem melhor do que na era lulopetista, em que só andávamos para trás. Mas dada a situação periclitante de nossas finanças públicas, não dá para se contentar com pouco.
A conta não fecha. O estado ficou inchado demais para o país. Os servidores públicos contam com muitos privilégios, enquanto temos mais de 10 milhões de desempregados. Há inúmeros cargos e estruturais estaduais e municipais que sequer deveriam existir. Os gastos públicos aumentam sistematicamente mais do que a inflação. Ou revertemos esse quadro, ou vamos apenas empurrar os problemas para depois, impondo medidas mais drásticas à frente.
Sim, política é a arte do possível. Mas economia é a ciência do real e a matemática é exata. Se os políticos ignorarem a aritmética, a bomba vai explodir. De nada adiantará chorar depois, alegando que não era possível ter feito mais…
Rodrigo Constantino
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