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A Política Econômica do Regime Militar: 1964 – 1974
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Por Lucas Cabral Zanoni, para o Instituto Liberal

A popular narrativa sobre o regime militar retrata a política econômica do período como um conjunto de medidas pertencentes ao espectro político da direita. Devido às características anticomunistas do movimento civil-militar de 1964 e à reaproximação do Brasil com os Estados Unidos após o período da “política externa independente”, convencionou-se na opinião popular em aproximar o militarismo nacional ao liberalismo. Uma análise mais atenta para as medidas econômicas do governo, no entanto, indica um intenso intervencionismo estatal e a continuidade das políticas desenvolvimentistas tradicionais na história brasileira. O texto a seguir apresenta algumas nuances do cenário político na década de 1964 a 1974, com um enfoque na atuação do Estado na economia nacional.

O Cenário Geral

Em 1964, o Brasil passava por uma estagnação econômica, apresentando um crescimento de apenas 0,6% do PIB, muito abaixo da média histórica do período do pós-guerra até o início dos anos 1960, que fora da ordem de 7% ao ano. A partir de 1951, o Brasil contava com sucessivos déficits na conta corrente e, desde 1949, as contas públicas fechavam no negativo, sendo financiadas com emissão monetária, gerando uma inflação que alcançou a casa dos 100% ao ano no primeiro trimestre de 1964. O cenário de caos econômico, somado à instabilidade política que se arrastava por anos, é tradicionalmente apontado como uma das principais causas que levariam os militares a assumirem o poder naquele ano.

Eleito Presidente da República pelo Congresso Nacional em 11 de abril de 1964, o general Humberto Castelo Branco, representante da ala moderada do exército conhecida como “grupo Sorbonne”, estabeleceria uma equipe econômica com características liberais, comandada por Otávio Gouveia de Bulhões no Ministério da Fazenda e por Roberto Campos no Ministério do Planejamento. A pauta da dupla era estabilização e reforma: o Programa de Ação Econômica do Governo (PAEG) visava controlar a inflação e corrigir os déficits em conta corrente e das contas públicas, enquanto mudanças importantíssimas para a modernização da economia brasileira eram realizadas, tais como a racionalização do sistema tributário nacional, inovações no sistema da dívida pública e a criação do Sistema Financeiro Nacional.

Apesar de ter possibilitado a expansão da carga tributária nos anos seguintes, como será destacado adiante, as políticas fiscal e monetária seguiram o receituário ortodoxo, com perfil restritivo marcado pelo enxugamento do excesso de moeda e pela redução das despesas do governo, além de buscar estimular a poupança e melhorar a orientação dos investimentos privados. No front externo, a política do PAEG também opta pelo liberalismo, opondo-se ao protecionismo tarifário e ao intervencionismo cambial. A despeito do reajuste macroeconômico, com a contenção do processo inflacionário e dos déficits públicos e da conta corrente, mantem-se a continuidade da estagnação econômica com baixo nível de emprego e o salário mínimo real sofre uma queda significativa, como geralmente ocorre nos períodos de “arrocho”, gerando insatisfação popular nos mais diversos setores.

No dia 15 de março de 1967, o Congresso Nacional referenda a indicação à presidência do marechal Artur da Costa e Silva pelas Forças Armadas, apresentando uma mudança expressiva no jogo do poder. Representante da chamada “linha-dura” que se opunha ao grupo da Escola Superior de Guerra encabeçado por Castelo Branco, Costa e Silva estabelece uma equipe desenvolvimentista, com Antônio Delfim Netto à frente da Fazenda e Hélio Beltrão, depois sucedido por João Paulo Reis Veloso, à frente do Planejamento. O grupo, que comandaria a política econômica do governo até o final do mandato de Médici em 1974, seria responsável pelo chamado “milagre econômico”.

Com o endurecimento do regime e a necessidade de sustentá-lo, instituiu-se uma perspectiva populista em que se defendia a retomada do crescimento sob a tutela do Estado.

É a partir deste momento que, do ponto de vista econômico, o Regime Militar passa a representar mais uma continuidade do que uma ruptura do modelo de desenvolvimento brasileiro, com medidas que, guardadas as devidas proporções, se assemelham a outros períodos de nossa história, como o do nacional-desenvolvimentismo de Vargas, de Juscelino Kubistchek e do governo petista. Políticas heterodoxas e um alto grau de intervencionismo estatal são aplicados em grande escala, contribuindo para a formação atual da economia do Brasil. A seguir, são apresentados alguns dados referentes ao Milagre Brasileiro e um esboço de suas consequências para o país.

As Diretrizes Econômicas

As principais diretrizes da política econômica do governo federal podem ser encontradas no Programa Estratégico de Desenvolvimento (PED), de 1967; nas Metas e Bases para a Ação do Governo, de 1970; e no I Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), de 1972. Em linhas gerais, os três documentos apresentam como objetivos a aceleração do crescimento econômico; o aumento do nível de emprego; o aumento da taxa de investimento no país; o desenvolvimento econômico e social, sobretudo através da industrialização e do investimento na área de infraestrutura; e o aumento das exportações e da capacidade de importação. Dentre os principais instrumentos utilizados, destacam-se as políticas de expansionismo fiscal e monetário, intervencionismo no setor financeiro e um aumento substantivo no número de empresas estatais.

Entre 1964 e 1974 a carga tributária do Brasil passou de 17% para 26% do PIB, num dos maiores saltos já realizados na participação do Estado na economia brasileira. Conforme já mencionado em artigo anterior publicado pelo Instituto Liberal, uma extensa linha de créditos subsidiados é estabelecida, gerando distorções econômicas no mercado e respondendo por uma parcela significativa dos gastos públicos. Os projetos “faraônicos” realizados pelo Estado, até hoje sob suspeita de corrupção e favorecimento de determinados grupos políticos, são iniciados neste período, embora ganhassem mais força após o Primeiro Choque do Petróleo em 1973, quando, numa tentativa desesperada, o governo tentaria enfrentar de maneira malsucedida a nova realidade internacional.

Carga tributária global do governo (% do PIB) .

IBGE. Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, Estatísticas do Século XX. Econômicas. Contas Nacionais. Setor Público. Disponível em: https://seculoxx.ibge.gov.br/.

Do ponto de vista da moeda, o período do Milagre foi marcado por dois picos de expansão da base monetária em 1968 e em 1973, da ordem de 45,7% e 47%, respectivamente, ambos sendo consideradas medidas de “populismo monetário”, tendo em vista que na primeira buscava-se a sustentação do regime e na segunda “entregar” o país com altas taxas de crescimento ao grupo mais ortodoxo de Mário Henrique Simonsen. A inflação que seria resultante de tais medidas foi mantida artificialmente baixa, através do congelamento de preços realizado pela Comissão Interministerial de Preços (CIP), voltando-se a um ciclo de pressão após 1974.

A política econômica dos militares foi recordista na história brasileira em se tratando da criação de empresas estatais, com a abertura de 231 companhias desse tipo entre 1968 e 1974, processo marcado pela instituição de monopólios nos mais diversos setores, especialmente no elétrico e no de telecomunicações, além da diversificação em novas áreas das empresas públicas já estabelecidas, como a Petrobras e a Companhia Vale do Rio Doce. Um outro setor que foi particularmente alvo do intervencionismo econômico foi o financeiro, em que houve um apoio explícito à concentração bancária e à diminuição da competitividade, através do estabelecimento de uma série de barreiras de entrada no mercado e do tabelamento (para baixo) dos juros, resultando numa diminuição significativa no número de bancos comerciais no país, de 262 em 1967 para 114 em 1973.

Número de empresas estatais criadas por ano de fundação.

MUSACCHIO, Aldo; LAZZARINI, Sergio G. State-Owned Enterprises in Brazil: History and Lessons. Paris: OECD Workshop on State-Owned Enterprises in the Development Process, 2014. p. 11 Disponível em: https://www.oecd.org/daf/ca/Workshop_SOEsDevelopmentProcess_Brazil.pdf.

Um balanço realista

Ao final do Milagre Econômico, o Brasil apresentava uma taxa média de crescimento econômico acima de 10%, uma crescente participação do setor industrial na economia, um aumento substancial na taxa de investimentos e uma melhoria, do ponto de vista material, na qualidade de vida (em termos absolutos). Os custos econômicos, no entanto, foram dos mais diversos.

No curto e médio prazo, a irresponsabilidade das políticas econômicas trouxe a volta do pesadelo inflacionário e da estagnação econômica, além da explosão do endividamento externo, responsável por uma das maiores crises da história brasileira. Com o Primeiro Choque do Petróleo em 1973, são realizadas algumas ações em direção à austeridade e a um reajuste econômico pelo novo ministro da Fazenda Mário Henrique Simonsen, porém a linha heterodoxa volta a ganhar espaço, sobretudo pelos entraves e pela pressão exercida por grupos dependentes do Estado. Ao final de 1974, é aprovado o II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND), com projetos de investimento estatais vultuosos, e a inflação anual então dispara dos 14% em 1973 para 33% no ano seguinte.

Delfim Netto assume o Planejamento em 1979 e Simonsen deixa a Fazenda. Há uma ultima tentativa de política anticíclica com nova expansão monetária, acompanhada do Segundo Choque do Petróleo e pela elevação vertiginosa do custo do endividamento externo. Desde 1974, o Brasil vinha perdendo a capacidade do seu financiamento, apresentando sucessivos déficits em conta corrente devido ao peso do petróleo na balança comercial e à crescente elevação dos juros, cenário aprofundado em 79. A inflação anual tem mais um salto (de 40% em 1978 para 67% em 1979 e 85% em 1980), a economia entra em recessão (com um decréscimo de -4,3% no PIB em 1981) e o endividamento externo sai da casa dos 25% do PIB em 1979 para representar quase metade do produto interno bruto em 1984, na chamada “década perdida”.

É no longo prazo, no entanto, que o Milagre Econômico vai deixar suas principais marcas. Além do período ser marcado por uma concentração de renda ímpar na história do Brasil (o Coeficiente GINI passa dos 0,50 em 1960 para 0,62 em 1977), as características antiliberais do sistema econômico brasileiro são acentuadas: o Estado aumenta consideravelmente o seu papel na sociedade, seja através da elevação da carga tributária de caráter extremamente regressivo, que jamais retornaria aos níveis anteriores a 1964, seja através do intervencionismo monopolístico ou regulatório, fortalecendo as barreiras de entrada e minando a competitividade nos mais diversos setores do mercado brasileiro.

Endividamento Externo em Relação ao PIB.

Dados Estatísticos:

IBGE. Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, Estatísticas do Século XX. https://seculoxx.ibge.gov.br/.

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Sobre o autor: Lucas Cabral Zanoni é graduando em História pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP).

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