Ainda durante a campanha, em julho do ano passado, escrevi um texto alertando que Bolsonaro provavelmente iria decepcionar seus seguidores mais fanáticos, aqueles que confundem governo com rede social e querem “mitar” o tempo todo. A decisão do PSL de apoiar Rodrigo Maia para presidir a Câmara comprova isso: alguns desses “minions” esboçam uma revolta de quem queria limpar toda a velha política da noite para o dia. Mas é uma decisão acertada do novo governo, se quer aprovar as reformas mais relevantes. É fundamental saber “fazer política”, o que significa escolher prioridades e separar as batalhas que podem ser vencidas daquelas que não podem.
Mas se na articulação com o Congresso o novo governo dá sinais de maturidade e pragmatismo, o que é tido como “traição” pelos jacobinos puristas, na área externa ainda há um fator ideológico muito forte, tanto na escolha do nome de Ernesto Araújo como na retórica adotada. Não vou negar: gosto de muito daquilo que Araújo tem dito, aplaudo de pé a tardia aproximação ao governo americano, uma vez que o Brasil só se manteve afastado dos Estados Unidos por puro ranço antiamericano patológico, e vibro com a clareza moral de defender a América e Israel nessa “guerra cultural” em jogo. A civilização ocidental merece ser resgatada.
Dito isso, é preciso cautela aqui. Se a política não é para amadores, a geopolítica menos ainda! Não há espaço para sonhadores românticos nessa arena. O chanceler escolhido pode ter as ideias certas – e acho que tem – mas parece um tanto inexperiente e também atrapalhado. Notícias de demissões sumárias geraram mal-estar no Itamaraty, e isso não é bom. Limpar a casa de Rio Branco dos “barbudinhos” é uma nobre missão, sem dúvida, mas é preciso fazer isso com calma e cuidado. E no trato com outras nações é necessário redobrar o cuidado.
Desconvidar Maduro e o representante da ditadura cubana tudo bem, tem um elevado valor simbólico e um baixo risco comercial. Mas o ministro terá de controlar o desejo de “mitar” a cada fala ou medida, caso contrário o Brasil sairá perdendo. Liderar nossa política externa não é pregar para convertidos nas redes sociais. Os aplausos dos direitistas mais ideológicos não compensam eventuais perdas comerciais. Enfrentar a China, por exemplo, é uma tarefa bastante complicada já para um Trump, imagina para o Brasil! Kissinger sabia de algumas coisas sobre o assunto, e daí o seu realpolitik. Mas isso é visto como coisa de canalha e covarde pelos jacobinos de direita, que declaram guerra santa e novas cruzadas por detrás do computador, às vezes na casa do papai.
Diplomacia é um jogo muito difícil, mais até do que lidar com o Congresso nacional. Para o Brasil se enrolar e queimar o filme com um chanceler muito afobado não custa. Nesse caso, nos transformaríamos em pária mundial. Elogios pelo Twitter do presidente americano e declarações de amor do primeiro-ministro israelense são música para meus ouvidos, e chego a me emocionar com as mudanças. Mas no final do dia o setor agropecuário precisa continuar vendendo para o mundo todo, caso contrário nossa balança comercial despenca e a locomotiva do crescimento descarrilha. Diplomacia pragmática não é discussão ideológica.
Há sinais de que essa invasão ideológica pode ser contida. O general Heleno, segundo notícia, estaria tentando impedir escalada do secretário de relações internacionais do PSL, o jovem Filipe G. Martins, aluno de Olavo de Carvalho. Ele diz que Martins é muito inexperiente. Ninguém nega a sua inteligência, mas liderar as conversas internacionais em nome do Brasil inteiro não é o mesmo que fazer uma aula online do filósofo de Virgínia ou escrever um textão de Facebook achando que humilhou o adversário com retórica e dialética. O buraco é bem mais embaixo lá fora!
Espero que a tentação de “mitar” seja superada pelo foco nos reais interesses nacionais. Estes demandam maior pragmatismo, engolir certos sapos vermelhos, tolerar alguns regimes nefastos. Sei como isso tudo soa asqueroso para os jacobinos de direita. Mas não se esqueçam: até o Trump, do jeito que é, comandando a nação mais poderosa do planeta, precisa falar manso com certos parceiros, e mesmo quando ocorreu um assassinato cruel, digno de filme do 007, de um jornalista com visto de permanência americano numa embaixada saudita na Turquia, tudo que Trump fez foi engrossar o tom de voz, e vida que segue. A diplomacia, definitivamente, não é atividade para jovens românticos…
Rodrigo Constantino
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