Por Rafael Valladão, publicado pelo Instituto Liberal
O que o socialismo pequeno-burguês do PSOL e o liberalismo econômico do NOVO podem ter em comum? Do ponto de vista programático os dois partidos não se comparam, porque pertencem a polos opostos do espectro ideológico: um advoga a supressão do indivíduo pelo Estado e outro defende as liberdades econômicas como garantia do desenvolvimento social. Do ponto de vista pragmático da organização partidária, porém, uma comparação entre as legendas é útil para elucidar as diferenças entre a política de adultos e a política de adolescentes. A política de adultos conduz efetivamente à conquista do poder, enquanto a política de adolescentes se distrai com brincadeiras como as pautas identitárias, em vez de disputar seriamente o poder. Ou seja, podemos entender os determinantes políticos que diferenciam pragmaticamente os dois partidos e entender como NOVO e PSOL se saíram nas eleições que disputaram.
Essa diferença é perceptível pela análise das formas como os partidos administram e exploram seus recursos político-eleitorais, bem como se movimentam no sentido de garanti-los. Entende-se que uma administração eficiente desses recursos deve levar membros do partido às posições de poder almejadas. Parte desses recursos se refere aos mecanismos de financiamento e utilização do dinheiro disponível para a realização dos expedientes partidários, como a campanha eleitoral – isto é, o capital financeiro. Outra parte relevante se refere ao capital de representação dos partidos, isto é, quanto suas pautas e projetos representam os interesses dominantes do eleitorado e em que medida os eleitores correspondem às expectativas dos partidos. Dado que o objetivo primário da disputa partidária é a conquista de postos de poder, entende-se que o partido terá realizado tão mais satisfatoriamente sua política quanto maior for seu sucesso eleitoral. Esse sucesso pode ser medido relativamente à utilização dos recursos político-eleitorais disponíveis, e, logicamente, será maior quando mais acirrada for a disputa. As eleições majoritárias são, de maneira geral, mais concorridas, e terão nossa atenção.
Se é possível aferir os níveis de sucesso eleitoral dos partidos políticos a partir da utilização mais ou menos estratégica de seus recursos político-eleitorais, então quanto maior for o capital financeiro e de representação do partido, maior será sua chance de eleger seus candidatos. Mas é claro que há partidos que se abstêm de disputar determinados pleitos em função de acordos e negociações com outras legendas. Foi assim que, por exemplo, nas eleições gerais de 2018 o PT apoiou candidatos do PSB a alguns governos estaduais, em troca da neutralidade dos socialistas no pleito presidencial. Logo, para analisar como os partidos se saem nas disputas por poder é necessário de antemão descartar em quais disputas eles entraram pra valer. No caso do NOVO e do PSOL, ambos já disputaram pleitos executivos e legislativos em nível nacional e estadual. São partidos que costumam optar por lançar candidatos próprios às disputas eleitorais, embora sinalizem apoio aos partidos maiores que dominaram o Brasil nos últimos 20 anos.
Fundado há 14 anos, o PSOL exibe histórico medíocre nas eleições majoritárias. Os socialistas jamais elegeram um governador e seus candidatos à presidência da República, lançados seguidamente de 2006 a 2018 jamais obtiveram números significativos de votos. Sustentado eleitoralmente no ativismo identitário, no corporativismo sindicalista e na juventude universitária, o PSOL serviu quase sempre como linha-auxiliar do PT – ao contrário do que respondeu Luciana Genro a Aécio Neves. Todos sabem que o eleitorado segmentado do PSOL não é suficiente para conquistar o Poder Executivo em nível estadual e tampouco federal. Fica claro que o baixo capital de representação do partido é um dos fatores da fraqueza eleitoral dos psolistas, afinal, as populações universitárias e/ou sindicalizadas são minoritárias considerando todo o eleitorado em nível estadual ou nacional. São muitos os exemplos do isolamento do partido em relação à realidade social da maioria dos brasileiros, mas deles um salta aos olhos. Um dos motes do partido reclama “nem um direito a menos” e se dirige a funcionários públicos sindicalizados, mas acontece que a maior parte dos brasileiros trabalha na informalidade, sem cobertura jurídica de nenhuma natureza, e portanto, sem direitos. Em vez de voltar seus esforços à diminuição do desemprego, o partido preferiu isolar-se no estamento burocrático e fiar-se na proteção de seus privilégios. Deve-se perguntar: para quem o PSOL governaria? O eleitor sabe disso. Além do tribalismo identitário, o PSOL se afasta do eleitor comum na medida em que prioriza a proteção de “direitos garantidos” no momento em que a massa dos brasileiros não goza de direito algum.
Quanto ao capital financeiro próprio, o PSOL não poderia reclamar. Nossos burocratas são generosos na distribuição de regalias e privilégios à classe política, da qual os psolistas fazem parte. Segundo dados divulgados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o PSOL teve acesso a R$21.430.444,90 do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, ou seja, a dinheiro do pagador de impostos desviado para financiar as campanhas de todos os partidos com assentos no Congresso Nacional. Além disso, o partido recebeu também mais R$10.912.937,13 do Fundo Partidário, quantia destinada à manutenção da legenda. O PSOL iniciou 2018, portanto, com mais de R$30.000.000,00 à disposição para realizar todos os trabalhos necessários à divulgação de seus candidatos. Com tanto dinheiro na conta, era esperado que o partido impulsionasse a campanha do invasor Guilherme Boulos ao Palácio do Planalto. Se é verdade que ninguém esperava a vitória do psolista, num pleito concorrido por Bolsonaro e outros políticos graúdos, ao menos era esperado um número razoável de votos. Mas Boulos obteve míseros 617. 122 votos, ou 0,58% dos votos válidos. Entre outros, o invasor perdeu para Cabo Daciolo e João Amoêdo.
É interessante notar que Boulos, embora não fosse um candidato popular, tinha dinheiro em caixa e pessoal organizado para realizar uma campanha mediana. Sua campanha poderia criar meios alternativos de divulgação pelas redes sociais, dado que o candidato contava com pouco tempo de inserção nos veículos de comunicação tradicionais. Mas o invasor do PSOL conseguiu perder para Cabo Daciolo, uma personalidade histriônica que passou a maior parte da campanha isolado num monte em conexão direta com Deus. Daciolo obteve 1.348.323, apesar de seu partido contar com menos da metade do Fundo Partidário de que dispôs o PSOL. Acontece que o cabo representou os anseios e os interesses de parte considerável do eleitorado, isto é, o desejo de moralização da República e de priorização da segurança pública. Embora Daciolo seja o figurão esquisito e burlesco que nós conhecemos, ele obteve um milhão de votos que Boulos, Henrique Meirelles, Marina Silva e Álvaro Dias não obtiveram. Isso significa que o eleitorado está mais próximo de Daciolo que de figuras conhecidas e experientes do sistema político, com mais capital financeiro, mas não com tanto capital de representação. Daciolo encontrou asilo eleitoral na população evangélica que cresce exponencialmente em todo o Brasil, ao passo em que Boulos e o PSOL repudiam abertamente o evangelicalismo. E o que dizer de João Amoêdo?
Quando comparamos o NOVO ao PSOL, e o desempenho eleitoral de Guilherme Boulos e João Amoêdo, notamos as diferenças marcantes entre a política real, voltada à vocalização das ideias e dos interesses dominantes no eleitorado, e a política masturbatória do PSOL e congêneres, voltada à afirmação egocêntrica de identidades minoritárias. Declaradamente liberal, o partido NOVO não utilizou um único centavo do Fundo Especial de Campanha ou do Fundo Partidário. Disposto a financiar suas campanhas com dinheiro de filiados e doações voluntárias, o partido, fundado em 2011 e em atividade desde 2015, elegeu Romeu Zema governador de Minas Gerais e levou o presidenciável João Amoêdo ao quinto lugar na corrida pelo Planalto, com mais de 2 milhões e meio de votos. Em sua segunda eleição, o NOVO elegeu o governador do segundo maior colégio eleitoral do país e cravou um candidato à presidência com quantidade expressiva de votos. E chegou a esses resultados financiando as próprias candidaturas, sem ter de recorrer ao gordo capital financeiro dos fundos públicos, investindo no discurso liberal pé-no-chão.
Romeu Zema é um caso exemplar. O governador eleito de Minas Gerais disputou o pleito com nomes experientes do sistema político: o tucano Antonio Anastasia e o petista, candidato à reeleição, Fernando Pimentel. Zema focou sua campanha na crítica certeira aos velhos políticos de sempre e na necessidade de inovações na economia e na política. Não teve à sua disposição os mesmos recursos financeiros de que dispôs todo o establishment: sem tempo de inserção na televisão, sem milhões de dinheiro público, sem histórico de eleições anteriores. Ao contrário do PSOL, porém, que disputou eleições majoritárias desde 2006, não elegendo governador em nenhum estado, o NOVO elegeu Zema num verdadeiro desafio eleitoral. Além de ser o segundo maior colégio eleitoral do país, e portanto mais concorrido, Minas Gerais passa por uma grave crise econômica que exige respostas imediatas e concretas, sem demagogias de nenhuma natureza. Zema afirmou que a máquina estadual precisaria de reparos técnicos e financeiros, sem espaço para torrar dinheiro do contribuinte com privilégios ou políticas populistas. Nós sabemos que a austeridade fiscal e o enxugamento do Estado são medidas impopulares, mas necessárias; Zema, apesar disso, conquistou o eleitor mineiro. E o PSOL? Em Minas Gerais, a candidata psolista ao governo, Dirlene Marques, obteve pouco mais de 130 mil votos.
Como explicar que o partido NOVO, com apenas três anos de atividade eleitoral, tenha elegido o governador de Minas Gerais e levado seu candidato à presidência ao quinto lugar na disputa mais fragmentada desde 1989, sem utilizar um único centavo de dinheiro público? E por que o PSOL, fundado há quatorze anos e mamando nas tetas do Estado para pagar seus trabalhos de campanha, não elegeu um único governador em quatro eleições majoritárias consecutivas?
A resposta está na ponta da língua: nas eleições majoritárias, o capital de representação se tornou superior ao capital financeiro. Nenhum partido político pode almejar conquistar o poder sem aproximar-se efetivamente do eleitor, ouvir suas demandas e comprometer-se na realização de seus interesses. Isso ficou mais fácil com a emergência das redes sociais como ferramenta de campanha, que esvaziou consideravelmente o poder das emissoras de rádio e televisão e tornou a eleição menos verticalizada, aproximando os candidatos dos eleitores, tornando o trabalho de campanha menos burocrático e mais assertivo. Entretanto, o capital financeiro constitui ainda um recurso político-eleitoral necessário, pois as redes sociais não podem repercutir um candidato que não se lance à campanha nas ruas e fora da tela do smartphone. Por essa razão, o fracasso eleitoral do PSOL, em relação ao sucesso do NOVO, se explica pelo baixo capital de representação dos psolistas. E o alto capital de representação do NOVO explica por que um partido chegou tão longe em tão pouco sem utilizar o capital financeiro disponível nos fundos públicos. Voluntariado e pé-no-chão.
Nesses tempos de inflexão na nossa democracia, podemos dizer que dinheiro compra quase tudo, menos representação de verdade.
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