O artista é aquele que tenta transcender seu tempo, falar de coisas atemporais, focando no estilo, contando uma boa história. Claro, isso não o impede de utilizar como pano de fundo o contexto histórico, a conjuntura de seu tempo. Mas sem dúvida Shakespeare não é um clássico há tantos séculos por fazer proselitismo político, e sim por tocar fundo nas emoções humanas. As mesmas que valiam em 1600 e valem ainda hoje.
Quando o artista deixa sua arte de lado para focar, acima de tudo, em sua mensagem política, então é a arte que sai perdendo. “Mas você não admira Ayn Rand e tem até um livro sobre ela?”, poderia perguntar um leitor atento. Sim, é verdade. Gosto muito da filósofa russa, li todos os seus livros, e considero seus romances imperdíveis. Mas não como literatura, e sim como ótimo entretenimento e forma de transmitir sua filosofia.
Ou seja, Ayn Rand não estaria jamais no panteão dos grandes escritores, não poderia ser colocada ao lado de Dostoiévski, de Kafka, Camus etc. O proselitismo costuma estragar a obra de arte. Basta pensar no infindável discurso de John Galt em A revolta de Atlas. Aquilo é simplesmente terrível do ponto de vista artístico. Ayn Rand queria saber da mensagem política ali, não do estilo e da arte.
Quando pensamos nisso – e uso um caso de uma libertária para deixar claro que não importa qual ideologia está substituindo a arte – fica mais fácil entender a decadência de nossa literatura. Com raras e honrosas exceções, o que vemos é um bando de militantes ideológicos usando a arte para transmitir sua ideologia, normalmente com uma retórica simplista e pobre. Ora, se é justamente a complexidade das personagens, com seus dilemas internos, o que costuma enriquecer uma boa obra literária, como apreciar narrativas tão infantis, maniqueístas, eivadas de preconceito ideológico e tão desligadas da realidade?
Vejam no que se transformou a FLIP, por exemplo. Num antro de esquerdistas usando o espaço para campanha partidária, e da pior espécie: recheada apenas com slogans idiotas, palavras de ordem vazias, gritos típicos de um grêmio estudantil. Esses são nossos grandes artistas, supostamente! Há de tudo lá, menos literatura. Um comício do PCdoB ou uma convenção do PSOL seriam indistinguíveis da FLIP de hoje. E Flavio Mortenstern matou a pau com um artigo excelente sobre essa decadência toda, que já abre assim:
A última mesa da FLIP, a Feira Literária de Paraty, terminou com gritos de “Fora Temer”. A notícia pode ser encontrada reverberada rapidamente no Google em jornais de esquerda como El País, Folha,Brasil 247, Fórum e Agência Petroleira de Notícias (sic).
Em se tratando de notas sobre literatura, é necessário pedir escusas pela obviedade literária que vai acima. Falando de escritores (ou da classe artística, letrada ou intelectual brasileira, é redudante, tautológico e pleonásmico afirmar que mais de um deles freqüentou o mesmo ambiente e começou a gritar babuinamente: “Fora Temer! Fora Temer!”
Qualquer um no país hoje sabe que se dois jornalistas forem ao banheiro juntos, em 2 minutos estarão gritando: “Fora Temer!”. Se mais de dois músicos se juntarem para fazer uma jam, depois do segundo acorde já virá um “Fora Temer”. Se um painel com dois escritores para comentar a conjuntura política nacional for feito no Rio Grande do Sul ou no Acre, o resultado será pouco mais do que berros histéricos de “Fora Temer!”. Se for na FLIP, que deveria reunir os maiores escritores do mundo, o resultado só será diferente por toda a rouanetosfera esperar Karl Ove Knausgård terminar sua apresentação para iniciar o “Fora Temer! Fora Temer! Fora Temer! Fora Temer! Fora Temer! Fora Temer! Fora Temer!”
A maldição de nossa época é a própria crença de que nossa época é algo a ser louvado por si, uma época das épocas, a super-época – finalmente estaríamos “na nossa época”, como se fosse melhor do que todas as outras épocas. É o credo chamado modernismo, ideologia que chama tudo o que não seja ela própria de ideologia. A superioridade da moda sobre a tradição, a glorificação do que está vivo como elevado a tudo aquilo que mereceu luto por ter morrido.
De fato, alguém que quer entender melhor a decadência de nosso tempo tem obrigação de buscar nos clássicos alguma inspiração e informação. Afinal, um clássico não é clássico à toa, e os tempos moderninhos fazem de tudo para detonar o próprio conceito de clássico. Claro, tudo que é atual precisa ser melhor, o que é um disparate. E eis que ficamos quase órfãos de bons escritores, pois a maioria insiste em apenas fazer política, em vez de fazer literatura.
Como a patota é organizada, o sujeito precisa saber dançar conforme a música para ter destaque no meio. Vou dar um exemplo que nem é ligado à literatura propriamente dita. Escrevi uma coluna quinzenal no GLOBO por 6 anos, era sem dúvida uma das mais lidas, e nesse período lancei alguns livros de não-ficção. Jamais tive uma resenha ou menção no Segundo Caderno do jornal, nem mesmo quando o livro lançado foi uma coletânea dos artigos publicados no jornal.
Ontem, porém, o comunista Frei Betto, camarada do ditador assassino Fidel Castro, teve enorme destaque para o lançamento de uma nova edição de seu livro sobre o tirano de Cuba e a religião, sendo que todos sabem que uma coisa é incompatível com a outra, que o comunismo precisa detonar o cristianismo para substitui-lo, e que sempre perseguiu a Igreja Católica. Frei Betto, portanto, mente descaradamente ao tentar pintar o ditador assassino como alguém tolerante com o cristianismo, que ele finge representar.
Menciono esse caso apenas para deixar claro o viés esquerdista que domina as redações de “cultura” dos principais jornais. Só dá comuna! E pobre do escritor que precisa de algum espaço, de destaque na imprensa: ou ele faz como a maioria, usando sua “arte” para fazer apenas política com viés de esquerda, ou ele estará perdido. Se quiser ser convidado para a FLIP, então, é bom que publique alguma foto no seu Instagram com uma camisa escrita “Fora, Temer!”. No processo, eis o resultado: “Fora, Arte!”
Rodrigo Constantino