Por Lucas Berlanza, publicado pelo Instituto Liberal
Entre os dias 8 e 14 de outubro, Jair Bolsonaro, provável candidato à Presidência da República, esteve em viagem nos Estados Unidos, divulgando suas ideias. A intenção anunciada era desfazer qualquer imagem preconcebida de que ele seria um defensor de ideias desenvolvimentistas e estatizantes, à moda de muitos dos governos do regime militar. Ainda no dia 10, suas declarações a investidores, empresários e mesmo grupos de brasileiros naquele país repercutiram no Brasil entre influenciadores e movimentos de teor liberal e conservador – inclusive o Movimento Brasil Livre, um dos protagonistas das manifestações contra Dilma Rousseff.
A repercussão foi, de longe e merecidamente, muito favorável. Muitos que se habituaram a tecer maior volume de críticas a Bolsonaro, dentro das lides liberais e conservadoras, se puseram a aplaudir suas declarações. Como poderia ser diferente? Afinal, Bolsonaro defendeu a obsolescência dos entraves da CLT, a redução dos impostos, uma menor burocracia, uma solução para as polêmicas sobre terras indígenas que não prejudique o agronegócio como uma das principais reservas de sucesso do Brasil na economia, a ampliação de parcerias público-privadas e privatizações, uma maior abertura de investimentos para os Estados Unidos – bem como um realinhamento diplomático do país a favor das nações mais afeitas ao capitalismo e à democracia sólida, uma lei antiterrorismo que abarque e criminalize as atividades do MST, armamento de mais qualidade para as polícias e o fim da Lei Rouanet.
Muito que bem. Bolsonaro concedeu esta semana uma entrevista ao jornalista Cláudio Dantas do site O Antagonista. Desta vez, suas declarações não foram tão animadoras – nada animadoras. Para começar, Bolsonaro disse, motivando manchetes em letras garrafais, que “tem que pensar 200 vezes antes de privatizar a Petrobras”. É irrelevante a complementação sobre o seu receio em privatizar especificamente para estatais chinesas, para efeito do que a mensagem comunica, por mais que bradem o contrário seguidores mais cegos e intransigentes do parlamentar.
Em um momento em que o anseio das pessoas conscientes é expurgar esses autênticos antros de facilitação às negociatas espúrias que são as nossas empresas estatais e desonerar o Estado, livrando a nação de mais prejuízos, Bolsonaro sinaliza com uma sentença forte evocando uma hesitação profunda em dar o passo decisivo, como se tal passo representasse terrível perigo. Porque, é claro, ele complementa, temos empresas estatais atuantes em “setores estratégicos” – será que já não ouvimos isso antes?
Sem uma delimitação precisa do que seja esse conceito de “estratégico”, ele pode significar qualquer coisa e, consequentemente, incitar a não privatizar coisa alguma. Bolsonaro disse ainda que seus modelos e referências são o presidente Médici – que, segundo ele, “governou com liberdade”, muito embora saibamos que tenha, incontestavelmente, governado sob a vigência do Ato Institucional Número 5, reconhecido pelos próprios que o chancelaram, como o ministro Hélio Beltrão, como um ato autoritário, o que é um fato objetivo – e o antigo parlamentar e presidenciável Enéas Carneiro. Sobre as ideias deste último, Bolsonaro se limita a dizer que ele segue sendo um grande modelo pessoal, mas entende que algumas de suas ideias precisam ser compreendidas dentro de sua época e modificações e adaptações precisam ser feitas para os dias de hoje.
Francamente, é um comentário demasiadamente generoso para com Enéas Carneiro. A postura histriônica do falecido deputado, por melhores que fossem suas intenções, enaltecendo Getúlio Vargas, bradando contra o liberalismo – quer dizer, o “neoliberalismo”, pois era assim que Enéas falava -, contra o mero questionamento do monopólio estatal do petróleo e das telecomunicações – “estratégicas” para ele, naturalmente -, e sua retórica contra as “multinacionais”, num macaqueio do que, embora com vernáculo comparativamente limitado, as esquerdas tupiniquins já têm há muito o costume de grasnar, é uma postura que já não era nada “atual” quando ele a sustentava.
Seguramente, muitas reformas privatizantes que tiveram importância para o país, inclusive o Plano Real, não se teriam efetivado, se dependêssemos das pregações de Enéas. De maneira que, se Bolsonaro quer sinalizar positivamente aos anseios de um público liberal, precisa, com todo o respeito à sensibilidade patriótica do falecido parlamentar, ser mais enfático em deixar claro que a maior parte do seu programa não deve ser seguida, nem hoje, nem em tempo algum.
Bolsonaro continuou a dizer que não entende de Economia e que por isso quer se cercar de pessoas especializadas. Surgiu logo em seguida, inclusive, uma notícia alvissareira: a presença do notável Adolfo Sachsida em sua equipe de conselheiros, na intenção de formalizar um projeto para o país. Isso é ótimo; porém, Bolsonaro não pode continuar insistindo nessa retórica do desconhecimento. Nos debates eleitorais, será necessário demonstrar algum entendimento do que está acontecendo com o país. Quando temas econômicos mais aprofundados surgirem, que dirá ele? Que tem que “pensar 200 vezes antes de privatizar a Petrobras”?
O saldo da entrevista, como veem, em nossa opinião, foi bem negativo. A ideia era que este artigo fosse um “puxão de orelha”, uma crítica ao candidato, apontando, de peito aberto, o que pessoalmente julgamos equivocado em suas declarações. Forçamo-nos, entretanto, a ir algo além, ao perceber alguns comentários nas redes sociais acusando certos colunistas liberais do pecado da “indecisão”, dado que ora elogiam Doria e criticam Bolsonaro, ora criticam Doria e elogiam Bolsonaro. Parece imperativo propor uma reflexão um tanto óbvia, mas que não deve estar tão clara para certas cabeças sequestradas por um espírito de militância imbecilizada.
Será que pararam para pensar que a mesma pessoa pode, vejam só, que incrível, cometer erros e acertos? Que a função de um colunista, que escreve defendendo determinadas ideias, é estar sempre confrontando, à revelia de qual seja a conclusão, essas ideias com o que propõem os agentes públicos? É absolutamente normal que um escritor ou articulista critique e elogie a mesma pessoa em momentos diferentes. Onde o absurdo nisso? Só haveria se houvesse algum tipo de obrigação de nossa parte de agir como cabos eleitorais e puxa-sacos oficiais, o que seria profundamente empobrecedor e estúpido.
Não precisamos decidir, nem hoje, nem amanhã, que candidato apoiaremos para as eleições presidenciais de 2018. Precisamos decidir, para ontem, é se nós temos foco em ideias que consideramos importantes para o país ou se nossa prioridade é manter certas pessoas incólumes e imunes aos questionamentos necessários. Criticar um candidato, sob o ponto de vista da sua fidelidade ou não a ideias e princípios que consideramos os mais oportunos ao Brasil, não implica pretender destruir suas candidaturas; pode ser, muito ao contrário, um esforço para qualificá-las.
Por favor, seja você eleitor do Bolsonaro, do PSL/LIVRES, do NOVO, do PSC, do PATRIOTAS, do seja-lá-quem, critique seu candidato! Não o trate como a personificação do bem, do amor e da justiça sobre a Terra. Pressione-o, mobilize-se para priorizar o que realmente importa: a pauta! O que queremos é que as nossas pautas prevaleçam; quem fará com que prevaleçam no Planalto é uma outra questão – assim como deve sê-lo quem o fará no Congresso, nas academias, na vida cultural… Se entendermos isso, poderemos nos respeitar e construir efetivamente algo de sólido. Do contrário, viveremos nos engalfinhando infantilmente, e será consequentemente infantil a nossa atuação na sociedade.