Por Rafael Valladão, publicado pelo Instituto Liberal
Todo mundo sabe que os serviços oferecidos pelo Estado não são gratuitos, mas sim financiados com o dinheiro suado do contribuinte. Como bem lembrou Margaret Tatcher, “o socialismo só dura enquanto dura o dinheiro dos outros”, o que significa que a gratuidade integral de serviços públicos, como o ensino superior, é falsa e só serve de mote populista. Embora os estudantes das faculdades públicas não paguem diretamente do próprio bolso por seus estudos, isso não significa que o serviço seja “gratuito”. O que acontece é o seguinte: as instituições públicas de ensino superior são custeadas pelos repasses do governo, que, por sua vez, financia o ensino destinado a “todos” com o dinheiro dos impostos pagos por todos nós. Essa aparente obviedade é esquecida no debate público sobre a manutenção ou não da gratuidade irrestrita das faculdades públicas.
Nesse contexto, “educação pública, gratuita e de qualidade” é um mantra repetido à exaustão por representantes de um estatismo irresponsável fiscal e socialmente. Pregam aos quatro ventos que o ensino superior deve ser público – porque o governo deve investir em setores estratégicos da educação; que deve ser gratuito – porque todo aluno matriculado nas faculdades públicas não deve ser cobrado além de seus próprios impostos que já financiam o ensino; e que, por fim, deve ser de qualidade – porque todo brasileiro tem direito à educação que o habilite ao exercício da cidadania. Esse mantra é idealmente inspirador, mas dificilmente pode se converter em políticas públicas sustentáveis. É admirável, mas impraticável.
A dificuldade em realizar efetivamente esse projeto reside em que os meios de financiamento público do ensino superior, nos moldes em que desejam os estatistas de plantão, oneram todos os pagadores de impostos, mas reservam o acesso às faculdades públicas para as classes médias e mais abastadas. O que significa que o ensino “público, gratuito e de qualidade”, representado por universidades de excelência como a USP ou a UFRJ, só é usufruído pelas classes médias e não pelas classes populares, embora essa última seja a mais onerada por impostos pessimamente organizados e que depauperam o trabalhador já sem grandes rendimentos. Como foi mostrado em estudo realizado pelo Instituto Mercado Popular, as universidades públicas perpetuam as desigualdades sociais, porque oneram mais pesadamente os mais pobre para dar diploma aos mais ricos.
Podemos verificar facilmente por que os cursos universitários mais concorridos são mais facilmente preenchidos por estudantes das classes-médias. O acesso às universidades federais é condicionado pelo desempenho individual do estudante no ENEM. O exame é concorrido e seu conteúdo dificilmente é efetivamente estudado nas escolas públicas de ensino médio. Ao contrário delas, os colégios particulares oferecem cursinhos preparatórios para o ENEM que auxiliam decisivamente os estudantes na corrida por vagas nas instituições públicas. A discrepância entre a qualidade do ensino público e a do ensino privado é verificada no perfil social da maioria dos estudantes de ensino superior hoje: oriundo das classes médias cuja família pagou por um bom ensino médio e por cursos pré-vestibular.
Os alunos mais pobres são forçados a permanecer nas escolas públicas, que não são, digamos, famosas pela excelência do ensino. Quando chegam ao ENEM, os estudantes provenientes das classes médias têm mais chances de passar no vestibular. O quadro do ensino médio público é deplorável, como sabe qualquer pessoa com um mínimo de contato com a realidade social do povo brasileiro. No entanto, o governo federal ainda investe pouco no ensino básico e privilegia o ensino superior em seus repasses.
Com as faculdades pagas por todos e desfrutadas por poucos, o que temos? O resultado empiricamente verificável dessa combinação nefasta entre o arranjo tributário e o esquema de financiamento do ensino público é a elitização do ensino superior. Não por acaso, as principais faculdades públicas de Engenharia, Medicina ou Direito, por exemplo, têm turmas majoritariamente compostas por alunos oriundos das classes-médias ou mesmo dos mais ricos. O ensino superior público continua elitizado e marcado pelas desigualdades socioeconômicas que o Brasil ostenta desde tempos imemoriais.
Acontece que a composição socioeconômica das faculdades públicas não é um problema em si. Diferentemente do que pensam os esquerdistas, não há nenhum malefício intrínseco em haver mais alunos ricos que pobres nas universidades. O problema real não é propriamente a elitização do ensino, mas sim a sua forma de financiamento que depende integralmente dos repasses do governo (logo, dos impostos), do que a elitização é um dos efeitos socialmente verificados. Ou seja, a educação superior pode permanecer pública, mas não pode permanecer integralmente financiada pelos impostos, a menos que se deseje prolongar as desigualdades socioeconômicas.
Nessa discussão, uma medida simples salta aos olhos: manter a gratuidade para estudantes mais pobres e cobrar mensalidades ou anuidades de estudantes mais ricos. As próprias instituições (ou o governo federal) poderiam calcular preços médios para a cobrança tendo em vista os custos do próprio curso, sendo mais caros os que exijam mais material especializado, como laboratórios, por exemplo. O passo seguinte seria estabelecer um nível médio de renda a partir do qual a cobrança seria efetuada, deixando livres do pagamento os alunos cuja renda fosse inferior à média. Com esse novo esquema de financiamento, as instituições públicas de ensino continuam a atender alunos ricos e pobres, sem distinção de classe para a admissão, mas obtêm recursos financeiros para custear seus serviços e pesquisas a partir da cobrança de quem pode pagar do próprio bolso pelo privilégio de estudar nas melhores faculdades do país.
Essa medida é interessante porque não desconsidera a indiscutível desigualdade social do Brasil, onde as massas dependem do governo para ter acesso a serviços básicos, enquanto as classes médias dispõem de serviços privados altamente qualificados. Sem prejuízo das classes médias, é necessária repensar as instituições públicas de ensino e seu financiamento. Uma forma de tornar a cobrança sustentável seria ajustar o preço a partir de índices referenciais do custo anual de vida. O certo é que o financiamento integral do ensino superior a partir dos impostos recolhidos pelo governo se tornou contraproducente. Como revelam reportagens do G1, os cortes no orçamento do MEC atingiram 90% das universidades federais só em 2018, na contramão da política irresponsável dos governos petistas de criação de novas instituições e de expansão dos campi. O populismo lulopetista prometeu colocar todo mundo na universidade, mas não pensou em como manter a universidade em pleno funcionamento. No afã de colocar o pobre na universidade, o lulopetismo só conseguiu empobrecer as universidades.
O Brasil tem quase 70 universidades federais, entre instituições reconhecidas por sua qualidade acadêmica (como a UFMG, a UFRJ ou a UFRGS) e outras mais apagadas. Além de onerar demasiadamente o pagador de impostos, o financiamento integral pelo governo tem outro defeito: a teia burocrática envolvida no uso do dinheiro. Qualquer estudante de federal sabe que mesmo pequenos reparos técnicos ou obras de alguma magnitude dependem largamente de repasses do MEC ou de emendas parlamentares. Acontece que os primeiros são terrivelmente demorados ou recusados pelo ministério; os segundos são instrumentos úteis de propaganda política.
Na minha UFF, por exemplo, houve obras para tornar um dos campi acessível a cadeirantes e a cegos. Ninguém vai discordar da necessidade de tornar um campus público o mais acessível possível para todos, sobretudo considerando que há alunos com necessidades especiais de locomoção. Acontece que essas obras foram obtidas por aprovação de emenda parlamentar pedida pelo psolista Jean Wyllys, deputado eleito majoritariamente por universitários de esquerda. O psolista, é claro, alardeou a execução das obras em suas redes sociais, chamando para si todo o mérito. Fica claro que as instituições públicas de ensino superior necessitam de meios alternativos de financiamento para custear suas próprias obras, sem ter de enfrentar os entraves burocráticos do governo ou servir de palanque para políticos.
A cobrança pelo ingresso nas faculdades públicas deve ser priorizada no debate sobre educação em nível nacional. Nossas instituições de ensino superior são economicamente elitizadas e podem tirar proveito da composição socioeconômica dos cursos para custear seus próprios meios de manutenção e de expansão. Não há necessidade de se reduzir o investimento federal no ensino superior, posto que as quantias já investidas são insuficientes para tornar o ensino qualificado e especializar as pesquisas científicas. O que salta aos olhos como necessidade fiscal e social é criar meios complementares de financiamento das instituições públicas, garantindo sua autonomia financeira e alguma margem de independência orçamentária em relação ao governo. Isso não significa a privatização das nossas faculdades, como entende o estatismo patológico da esquerda. Ao contrário, essas medidas são potencialmente úteis na ampliação do acesso dos mais pobres ao ensino superior público. Devemos lembrar que os mais pobres se matriculam majoritariamente em universidades privadas que oferecem condições razoáveis de pagamento para os alunos que, não por coincidência, provavelmente não foram aprovados no ENEM.
Não é possível haver educação “pública, gratuita e de qualidade” enquanto o ensino superior for financiado por todos os brasileiros para o usufruto de minorias abastadas. É necessário que os meios de financiamento das instituições públicas sejam considerados sem delírios ideológicos e sem paixões políticas. Afinal, tudo o que nós conseguimos até agora com essa educação “pública, gratuita e de qualidade” foi produzir um ensino elitizado, caro e cuja qualidade poderia ser potencializada se houvesse mais dinheiro à disposição das próprias instituições. Devemos lembrar que em vários países civilizados, como o Japão ou Portugal, o ensino superior é pago parcialmente do próprio bolso do aluno. Não por acaso, esses mesmos países superam o Brasil em termos acadêmicos. Por que será? Seguramente, uma resposta está em como se financia o ensino gerido pelo Estado.
Referências
- Gratuito ou pago? Veja quem paga a conta do ensino superior público em EUA, França e mais 17 países. G1. Disponível em https://g1.globo.com/educacao/noticia/gratuito-ou-pago-veja-quem-paga-a-conta-do-ensino-superior-publico-nos-eua-reino-unido-franca-e-mais-17-paises.ghtml
- 90% das universidades federais tiveram perda real no orçamento em cinco anos; verba nacional encolheu 20%. G1. Disponível em https://g1.globo.com/educacao/noticia/90-das-universidades-federais-tiveram-perda-real-no-orcamento-em-cinco-anos-verba-nacional-encolheu-28.ghtml
- OCDE: Brasil está entre os que menos gastam com ensino primário, mas tem investimento europeu em ensino superior. BBC Brasil. Disponível em https://g1.globo.com/educacao/noticia/90-das-universidades-federais-tiveram-perda-real-no-orcamento-em-cinco-anos-verba-nacional-encolheu-28.ghtml
- Número de alunos pobres em faculdades privadas cresce 20%. Exame. Disponível em https://exame.abril.com.br/brasil/numero-de-alunos-pobres-em-faculdades-privadas-cresce-20/
- Chance de um aluno mais pobre entrar numa universidade pública é de apenas 2%. Quadro não é muito diferente nas particulares. O Globo. Blog do Antonio Gois. Disponível em https://blogs.oglobo.globo.com/antonio-gois/post/chance-de-um-aluno-mais-pobre-entrar-numa-universidade-publica-e-de-apenas-2-quadro-nao-e-muito-diferente-nas-particulares.html
- Relatório: universidades públicas ampliam desigualdade. Instituto Mercado Popular. Disponível em http://mercadopopular.org/como-as-universidades-publicas-no-brasil-perpetuam-a-desigualdade-de-renda-fatos-dados-e-soluções/
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