Por Thiago Kistenmacher, publicado pelo Instituto Liberal
Sei que o tema é polêmico, mas é necessário discuti-lo. Há poucos dias me deparei com uma postagem – de um amigo, inclusive – que defendia a criminalização do funk. Trata-se da sugestão nº 17/2017 que angariou pouco mais de vinte mil assinaturas e foi encaminhada para a relatoria do senador Cidinho Campos (PR). A proposta foi redigida pelo empresário paulista Marcelo Alonso. Segundo o autor, em entrevista concedida ao portal UOL, ele incentiva a criminalização porque o funk é “um recrutamento organizado nas redes sociais por e para atender criminosos, estupradores e pedófilos a prática de crime contra a criança e o adolescente, venda e consumo de álcool e drogas, agenciamento, orgia, exploração sexual, estupro e sexo grupal.” Compreendo a aflição do empresário, todavia, penso que a proibição não seja o caminho mais seguro a seguir.
Claro que pouco mais vinte mil assinaturas é uma cifra irrisória face aos duzentos milhões de brasileiros. Entretanto, acredito que tal objeto nos serve à reflexão para pensar a velha disputa entre liberdade individual e intervenção estatal.
Antes, porém, vale realçar um ponto que julgo fundamental: uma coisa é o “pancadão” sendo realizado nas ruas e perturbando o sossego alheio, outra é um baile funk promovido em ambientes privados. Por isso fica a indagação: vamos supor que o funk eventualmente venha a ser criminalizado; o que muda? Nada, ou quase nada, pois as festas continuariam sendo realizadas em sítios, residências, clubes etc. Portanto a prática do sexo prematuro e do uso de drogas continuaria de qualquer forma. Diante disso, qual a alternativa? Solicitar operações policiais mesmo em propriedades particulares? Certamente não! Em função disso, não é porque penso que devamos ser contra a criminalização do funk que devemos ser a favor dos chamados “pancadões” de rua. Estes, por perturbarem os outros, é que precisam ser criminalizados, não a música em si, mesmo porque isso nunca funcionaria. Não vamos misturar as coisas.
Não estou afirmando que os bailes funk não sejam ambientes nos quais existam o consumo de drogas, o sexo prematuro etc. Isto é uma obviedade. No entanto, antes de pensar o funk como uma coisa que exista por si só, é importante lembrar que qualquer movimento é composto por indivíduos que fazem escolhas. Além do que, hoje em dia o funk tem tocado tanto em festas de comunidades pobres quanto em casamentos chiques. O liberalismo não está edificado sobre um vácuo moral, por isso não sai em defesa da libertinagem. Mas não é por não favorecê-la que ele deva intrometer-se na libertinagem alheia. Este é um dos fatores pelos quais acredito que devamos ser contrários à proibição do funk.
O autor da ideia também assinala que, além do funk,“O axé e o forró também estão indo nesse ritmo. A cultura paulista sempre foi do rock e do hip hop. O paulista não tem esse apelo musical do funk. A música eleva seu estado de espírito e o funk te irrita e provoca”. Talvez devamos pensar numa proposta para tentar criminalizar o axé e o forró também? E como assim “O paulista não tem esse apelo musical do funk”? É claro que não podemos colocar Bach e MC Bin Laden no mesmo barco, ou melhor, no mesmo palco. Isto posto, surge mais uma questão: e o que fazer com aqueles que não querem elevar “seu estado de espírito”? Obrigá-los a isso? Claro que não.
Por outro lado, se discordo do autor da ideia, também não estou de acordo com o jornalista Renato Ribeiro, diretor do documentário O Fluxo (2014), quando ele diz que “os principais bandidos do Brasil nunca frequentaram um baile funk. Basta ver as delações premiadas”. Este é apenas um argumento retórico, pois um fato não anula o outro, e negar a existência de criminosos em meio aos bailes funk é um embuste. É notório que vários bandidos também cantam funk ou, se não cantam, praticam crimes tendo o funk como trilha sonora, orgulhando-se dos seus atos. Os crimes, porém, eram cometidos por jovens antes do funk e continuarão sendo cometidos depois dele.
Na mesma entrevista citada acima, o autor da ideia de lei diz que está tentando “salvar a juventude”. Ademais, acrescentou que “O funk faz apologia ao crime, fala em matar a polícia. Sou pai de família e se eu não me preocupar com o futuro, amanhã só teremos marginais”. Concordo em partes, salvo a inclinação para “salvar a juventude”, pois temo aqueles que se propõem a “salvar” isto ou “restaurar” aquilo, como a controversa questão da “alta cultura”. É evidente que uma música que faz apologia ao crime pode ser nociva aos jovens, contudo, se você não aprecia o funk, suas músicas e bailes, eduque seus filhos ao seu modo para tentar – mas só tentar, porque os filhos não são robôs programáveis – fazer com que eles não visitem ambientes nos quais as adolescentes rebolam para deleitar os marmanjos. Digo isso porque uma coisa é a relação entre você e seus filhos, bem outra é a relação de você com os filhos dos outros.
De mais a mais, o funk alimenta um mercado milionário que veio para ficar, ao menos por um bom tempo. O sexo e a música sempre foram ricos, e os dois juntos, milionários. Aqui talvez possamos fazer um trocadilho com Mises e dizer que não é porque existe o funk que as pessoas frequentam os bailes, é porque as pessoas frequentam os bailes que existe o funk. Concordo com a tese de que a sociedade de mercado possa, em alguma medida, idiotizar-nos. Mas fazer o quê? Optar por uma saída interventora chefiada por moralistas que se crêem puritanos definitivamente não é a melhor opção. Mesmo porque se o funk degrada a juventude, os concubinos do Estado degradam a liberdade.
Essas são algumas das razões pelas quais acredito que devamos ser contrários à criminalização do funk. Se quisermos mudanças, é mais eficaz que elas venham de baixo para cima, não o contrário. As censuras sempre tiveram vidas curtas, conturbadas e foram invariavelmente derrotadas.
Fica a interrogação: o que fazer? Um bom começo talvez seja tomar conta do nosso “pequeno pelotão”, como dizia Edmund Burke.
Por fim, o senador Cidinho Campos (PR) rejeitou a relatoria da proposta alegando que existem outros debates “prioritários para o país como as reformas trabalhistas e da previdência”. Estou de acordo. Aliás, uma das coisas mais urgentes desse país é animar o ritmo liberal para fazer a mentalidade intervencionista descer até o chão.
A festa da direita brasileira com a vitória de Trump: o que esperar a partir do resultado nos EUA
Trump volta à Casa Branca
Com Musk na “eficiência governamental”: os nomes que devem compor o novo secretariado de Trump
“Media Matters”: a última tentativa de censura contra conservadores antes da vitória de Trump
Inteligência americana pode ter colaborado com governo brasileiro em casos de censura no Brasil
Lula encontra brecha na catástrofe gaúcha e mira nas eleições de 2026
Barroso adota “política do pensamento” e reclama de liberdade de expressão na internet
Paulo Pimenta: O Salvador Apolítico das Enchentes no RS
Deixe sua opinião