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Por que a Justiça teve paciência demais com Lula

Por Ricardo Bordin, publicado pelo Instituto Liberal

1 ) Todo e qualquer tratamento diferenciado conferido pelo Estado a um cidadão deve estar previsto em lei, de forma que o humor do agente público não afete (positiva ou negativamente) a vida do indivíduo.

Não é diferente com políticos que já tenham ocupado o posto de Presidente da República. Agraciar Lula com um prazo de 24 horas para que ele se entregasse às autoridades a fim de iniciar o cumprimento de sua pena, em vez de tocar sua campanha às seis da matina (como ocorreu com todos os demais condenados da Lava Jato), já foi um privilégio concedido sem amparo no ordenamento jurídico. Permitir que ele fizesse discursos em rede nacional, almoçasse com os amigos e zombasse dos brasileiros por mais 26 horas foi muito além do tolerável.

Cabe indagar: todos aqueles que já foram chefes do Executivo devem usufruir de tal regalia? Se sim, inúmeros deles tiveram esse direito furtado ao longo do tempo. Se não, por que só Luiz Inácio teve essa mamata? É nesse tipo de contradição que caímos quando um órgão estatal não trata a todos como iguais — para o bem ou para o mal.

2 ) Muitos estavam receosos com a possibilidade de que São Bernardo do Campo virasse uma praça de guerra caso as forças de segurança resolvessem cumprir o mandado de prisão conforme a praxe — aliás, convém ressaltar: dirigir-se à sede do sindicato dos metalúrgicos do ABC e prender o meliante em questão era um típico ato administrativo vinculado, ou seja, uma ordem que deveria ser executada exatamente como determinou quem a expediu, sem margem para desvios esses ou aqueles.

Pior: temia-se que o PT, ao adotar a tática terrorista de usar pessoas — idiotas úteis — como escudo humano, poderia acabar provocando a ira da população contra os policiais, caso fossem produzidas cenas de violência, o que prejudicaria as investigações no longo prazo pela eventual perda de apoio popular. Além disso, tal cenário beneficiaria a extrema-esquerda, mestre na arte de amealhar capital político por meio da vitimização.

A preocupação era, portanto, compreensível, mas sem fundamento algum na realidade: uma única bomba de efeito moral faria aquela meia dúzia de revolucionários Toddynho saírem em disparada — como sucedeu-se em frente à Superintendência da PF em Curitiba logo após o pouso do “amigo” da Odebrecht.

Ademais, Lula desistiu da brincadeira exatamente quando recebeu um ultimato de meia hora. Ou seja, restou claro que ele e seus advogados estavam só aguardando alguém falar sério com eles, e que só abusaram da situação porque sentiram que podiam. Se continuassem os delegados “negociando” amigavelmente, talvez o condenado por corrupção estivesse lá até agora jogando truco com os comparsas.

3 ) Há aqueles que alegam que a Justiça fez bem em dar corda para Lula enforcar-se, pois sua atitude desobediente o prejudicaria daqui por diante toda vez que pleiteasse a liberdade — por ocasião de pedidos de progressão de regime ou cárcere domiciliar, por exemplo.

Pouco provável. Primeiramente, Lula não foi dado como foragido, visto que todos sabiam onde ele estava o tempo todo. Ele tampouco resistiu à prisão, já que ninguém tentou sequer entrar no prédio para prendê-lo. Também vai ser complicado alegar que Lula insuflaria seus paus mandados em sua defesa caso necessário fosse, pois todos nós conhecemos seu caráter falho, mas provar em juízo que ele faria algo que nem precisou fazer é tarefa árdua.

Em suma: Lula ficou um dia inteiro solto depois de decretada sua prisão porque foi autorizado a assim proceder. Não vejo como isso vai complicar sua situação perante o Judiciário no futuro. Até mesmo Maluf teve a dignidade que faltou ao encantador de burros, mas nem por isso pode-se asseverar que não valeu a pena desafiar as instituições do Brasil.

Outrossim, analisar se seria bom ou ruim para a carreira política de Lula conduzir a operação desta ou daquela maneira não é trabalho da polícia. Especialistas no ramo ou mesmo palpiteiros como nós podemos fazer conjecturas do gênero e torcer por este ou aquele desfecho, mas o Estado precisa ater-se a sua missão de encarcerar o criminoso assim que ordenado e ponto final, sob o risco de as predileções políticas dos funcionários públicos envolvidos direcionarem suas ações — algo totalmente temerário.

4 ) Foi comentário generalizado: o espetáculo dantesco promovido pelo PT e suas linhas auxiliares (entre eles sacerdotes e pastores que celebraram um culto ecumênico de fazer Lúcifer ficar com inveja) teria ajudado a queimar o filme de Lula perante os espectadores, sendo um tiro no próprio pé. Ele teria adotado um tom muito belicoso no palanque, lançado mão da velha tática do “nós X eles”, incentivado invasão de propriedade privada, ameaçado censurar a imprensa, mentido e soltado bravatas diversas, tudo regado à muita cachaça e música brega.

E aí eu pergunto: qual a novidade? Por mais difícil que seja de acreditar, é exatamente esse Luiz Inácio que ainda recebe mais de 20% das intenções de voto na atualidade — o que pode ser canalizado para outro candidato que compartilhe da mesma ideologia até a eleição presidencial (Joaquim Barbosa, por exemplo).

Permitir a realização daquele evento e oferecer uma audiência como há muito eles não logravam atingir não foi prejudicial aos neocomunistas de forma alguma. Se porventura eles tão somente “pregaram para convertidos”, tanto pior: devem ter firmado a convicção de um eleitorado que poderia vir a mudar de opinião até outubro.

Para refletir: vocês perceberam que os marqueteiros do PT estão assistindo The Walking Dead? No seriado, o antagonista Negan, poderoso líder de um dos grupos sobreviventes do apocalipse zumbi, prega que todos os seus comandados “são Negan”. Eles repetem bovinamente “I AM NEGAN”.

Pois foi exatamente aos gritos da platéia de “EU SOU LULA” que ele saiu do palanque, simbolizando que suas ideias continuariam livres apesar de sua detenção. Certamente esta estratégia de marketing atingiu o inconsciente de muitos desavisados, especialmente dos mais jovens, exatamente como Antonio Gramsci ensinou a fazer.

Até o estilo de Martin Luther King (“…eu tive um sonho…”) Lula emulou entre os impropérios que saiam-lhe da boca !

Vocês pensam que este pessoal dorme no ponto? Cochilou, o cachimbo cai. Dar espaço gratuito para eles na mídia não foi inteligente sob ponto de vista algum. O Lulapajaula foi um show de horrores para quem é vacinado contra o populismo rasteiro, mas pode ter provocado alguma simpatia nos mais desatentos, sim.

5) A pior consequência não intencional da prisão em câmera lenta de Lula, sem dúvida, foram os precedentes criados a partir dela.

Será que todo transgressor da lei condenado também poderá solicitar mais prazo para se apresentar na delegacia? Ou o requisito é cercar-se de militantes antes de protocolar a requisição, para então ser tratado como se tivesse reféns sob custódia? Quem decide se os “termos da rendição” são razoáveis ou não?

Conclusão: às vezes o “feijão com arroz” é a coisa mais eficaz a ser feita — e, nesse caso, consistia em tratar Lula como um bandido comum, e não como um barril de nitroglicerina que mal podia ser tocado. Este indevido e demasiado respeito somado com tamanha leniência pode acabar cobrando um preço amargo ali na frente…

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