Por Percival Puggina
Sei que essa é a resposta premiada do fim de ano e não tenho a pretensão de arrematar o troféu. Tratarei apenas de demonstrar que as razões enunciadas pelo ministro em suas alegações para decidir fazem parte do conjunto das respostas erradas.
No texto da espantosa decisão ele afirma:
“Tempos estranhos os vivenciados nesta sofrida República! Que cada qual faça a sua parte, com desassombro, com pureza d’alma, segundo ciência e consciência possuídas, presente a busca da segurança jurídica. Esta pressupõe a supremacia não de maioria eventual – conforme a composição do tribunal –, mas da Constituição Federal, que a todos, indistintamente, submete, inclusive o Supremo, seu guarda maior”.
E, mais adiante:
“Em época de crise, impõe-se observar princípios, impõe-se a resistência democrática, a resistência republicana. Fixadas tais balizas, tem-se a necessidade de nova análise do tema em processo objetivo, com efeitos vinculantes e eficácia geral, preenchendo o vazio jurisdicional produzido pela demora em levar-se a julgamento definitivo as ações declaratórias de constitucionalidade, há muito devidamente aparelhadas e liberadas para inclusão na pauta dirigida do Pleno”.
Os tempos estranhos a que se refere Marco Aurélio Mello são produto da impunidade, do compadrio, da corrupção, da bandidolatria e do democídio, do soberano e lucrativo crime organizado, do livre agir de bandidos cujos processos habilitam-se ao Alzheimer dos idosos, ou seja, à anistia da prescrição. O ministro fala que “cada qual faça a sua parte”, como se não integrasse um colegiado. Exige segurança jurídica para, num suposto ato de vontade pessoal, contanto que ausentes algumas características em cada condenado, soltar até 166 mil bandidos cumprindo pena nos presídios brasileiros e na carceragem da Polícia Federal de Curitiba. Desqualifica, por ser eventual (como se houvesse maioria permanente nas sociedades livres), a decisão colegiada que manteve a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância. Assume-se, contra toda divergência, como leitor, intérprete e aplicador perfeito da Constituição. Afirma que em épocas de crise impõe-se a resistência democrática, a resistência republicana, aparentemente esquecido de que em qualquer colegiado, 6 x 5 define resultado democrático e republicano, e que, se ouvidos, se consultados, se cheirados, 99 em cada 100 democratas desta república anseiam pela manutenção do entendimento definido pelo STF. Com sua calamitosa decisão, viveram, todos, momentos de pavor que os manterão alertas até o dia 10 de abril, quando na agenda de Toffoli, o tema retornará ao plenário da Corte. Não é apenas ao ministro e sua toga que alcança o direito de resistência republicana, mormente quando a realidade é expulsa do recinto e a sensibilidade não encontra lugar nos poderes de Estado.
Aliás. suponhamos que na assentada do dia 10 de abril, o colegiado delibere, por maioria de 6×5, pelo fim da possibilidade de prisão após condenação em segunda instância. No dia seguinte, já em 11 de abril, se tivessem serventia os tais princípios e critérios de Marco Aurélio Mello, qualquer dos cinco colegas vencidos na votação poderia repetir seu ato tresloucado e manter presos todos os criminosos, para serviço do tão desconsiderado bem comum.
O ministro Marco Aurélio Mello é uma pessoa inteligente. Não foi pelos motivos dados que ele fez o que fez, como fez, em hora canônica, à véspera do recesso. Seu discurso não fica em pé. As frases que redigiu falam contra seu próprio ato. Então, certamente, suas razões foram outras. A patrociná-las, fossem quais tenham sido, a conhecida vaidade do ministro, uma espécie de mãe coruja de si mesmo.
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