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Por Estêvão Arrais, publicado pelo Instituto Liberal

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O Ceará é um desses casos na história onde a República é algo ainda a ser descoberta na prática. Por mais de 30 anos um único grupo comanda o governo e, consequentemente, direciona e dirige os 184 municípios circunscritos. Para além disso, um fenômeno bizarro ocorre no Ceará: mais de 70% dos municípios ou fazem parte da coligação ou são integrantes do governo atual. Ou seja, inexiste um grupo de oposição no governo (sendo apenas uma mera troca de cadeiras) e os municípios são facilmente cooptados para onde o poder (e repasses) flui.

Mas por que isso ocorre? Inicialmente, o conceito de elites políticas se relaciona ao conjunto de indivíduos, grupos ou partidos que possuem uma imensa capacidade de cooptar e manter dependentes uma considerável parcela da população.  E aí surge a seguinte questão: qual a maior organização que pode gerar essa dependência em massa? E a resposta é – o Estado. Tanto no governo estadual, mais principalmente os municípios, são grandes centros de cabides de emprego, alocando várias pessoas para funções que muitas vezes sequer há uma demanda de fato. Esses empregos são frutos das trocas de votos e, portanto, a concretização da dependência de uma parcela considerável da população por um grupo político.

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E aqui faço uma observação: a primeira é que toda elite política é também uma elite econômica, mas o inverso não é correto, pois nem todo empresário, por mais rico que seja, consegue manter tantas pessoas dependentes como faria a elite política que se utiliza do próprio maquinário estatal. Ou seja, enquanto um grande empresário ou industrial manteria um quadro de 100 a 200 empregos, uma prefeitura de pequeno porte, por exemplo, mantém praticamente metade da população (quando não mais da metade).

O ponto é que o Estado do Ceará se torna uma experiência ‘semifeudal’, onde os prefeitos (‘senhores feudais’) mantêm a relação de suseranos e vassalos para com o governo do estado; e este, em forma de retribuição, garante a manutenção dos recursos e, dessa forma, retroalimenta toda a atual estrutura. Logo, inexiste oposição nos municípios e no governo do estado – a República é praticamente um mito existente em livros e debatida romanticamente nos espaços universitários.

Distinto do que a corrente tradicional propaga, o Ceará não precisa de menos, e sim de MAIS capitalismo: mais concorrência, mais empresas e mais possibilidades de empreender. E aqui faço minha segunda observação: todo liberal é um empresário, mas nem todo empresário é um liberal. Os grandes empresários e industriais que o Ceará possui, não por acaso, são também políticos. Ou seja, é um sistema que retroalimenta privilégios de uma pequena elite e que se posiciona contra o sistema de livre mercado e concorrência, protegendo-se com mais intervenção, regulação e burocracia.

Assim sendo, essa elite política produz um sistema paracapitalista e anticapitalista, contrastando em teoria e prática com o sistema de competição de mercado, sendo este encontrado apenas nos centros comerciais das cidades de pequeno e médio porte- da mercearia do seu Zé até o supermercado do seu João.

Para romper com esse ciclo e descentralizar o poder das elites políticas não é necessário reinventar a roda, mais sim possibilitar boas práticas, como reduzir e simplificar processos burocráticos e tributários. Com a instalação de mais empreendimentos, a geração de emprego e renda pode acabar se deslocando para os setores do mercado, aumentando a autonomia dos indivíduos, não estando esses mais dependentes de políticos ou partidos.

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Ademais, outras elites políticas se formam no âmbito da industrial e do comércio, podendo inclusive uma maior diversidade de ideias na esfera política. E aqui, faço minha última ressalva: para que o processo republicano ocorra de forma mais estável, faz-se necessário a existência de mais elites descentralizadas em vários setores ao invés de várias elites em um único setor – no primeiro caso, o poder fica fracionado; no segundo, temos um conjunto oligárquico de empresários que mandam e desmandam nos processos políticos, vide as empreiteiras e construtoras, como a Odebrecht, OAS ou grandes empresas como a JBS.

O objetivo é claro: ou damos autonomia para que novos empreendedores surjam e dinamizem a economia (especialmente a municipal), e com isso rompam com o entendimento de “prefeituras como centros geradores de empregos”; ou saibamos por onde andam os “amigos do rei” para que seja mantido a manutenção de privilégios – gastos públicos em esferas privadas. Afinal de contas, “ aos amigos, tudo, aos inimigos, a lei! ”. A decisão, em vista disso, é antes de tudo ética.

Apenas superando essa primeira fase poderemos iniciar de fato o debate sobre a Gestão Pública: uma gestão para a cidade e para a população, ao invés de uma gestão focada em microgrupos ‘político-empresariais’ que almejam manter seus privilégios ad aeternum. Por enquanto, sugiro que não subestimem os estudos sobre patrimonialismo brasileiro, relações de pessoalidade e até mesmo ‘suserania & vassalagem’: são temas tão antiquados quanto contemporâneos no Brasil… ou sempre foram indissociáveis.

Sobre o autor: Estêvão Arrais é Mestrando em Avaliação de Políticas Públicas pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Graduado em Administração Pública pela Universidade Federal do Cariri (UFCA).