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Por que o neonacionalismo protecionista de Trump representa um retrocesso à liberalização comercial?
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Por Tiago Barreira, publicado pelo Instituto Liberal

Na última quinta-feira, o presidente americano Donald Trump anunciou a imposição de tarifas  de 25% para o aço e 10% para o alumínio importado pelo país, além da criação de novas tarifas à entrada de automóveis. As medidas ocasionaram imediata repercussão internacional e apreensão no mercado financeiro. Em reação ao neoprotecionismo de Trump, a União Europeia ameaçou retaliar com a imposição de tarifas a empresas americanas, tais como Harley Davidson e Levi`s.

As decisões extremas e intransigentes de Trump buscam agradar a base trabalhadora das regiões industriais do Norte e Meio-Oeste que o elegeu, afeita à ideologia neonacionalista e populista da Alt Right. O protecionismo da Alt Right, em ascensão dentro Partido Republicano, constitui também uma mudança brusca do ideário livre cambista do conservadorismo americano até então por ele defendido.

O livre comércio era uma bandeira abraçada enfaticamente pela direita republicana até recentemente, como podemos ver no seguinte vídeo. No vídeo, Reagan em 1979, um ano antes de de assumir a presidência, apresenta as vantagens da integração econômica entre países vizinhos. Reagan, muito influenciado pelas ideias em voga do economista Milton Friedman, via o livre comércio como uma importante ferramenta para a promoção do pleno uso dos ativos econômicos de países. Este pleno uso de ativos resultaria no barateamento dos custos de produção, progresso econômico e maior nível de prosperidade, progresso e qualidade de vida de seus membros.

Deste modo, Reagan esboçaria os planos e propostas para uma área de livre comércio para a América do Norte, ou aquilo que seria posteriormente  denominado NAFTA. A proposta de uma área de livre comércio ganharia impulso em seu governo, ao longo dos anos 80. O NAFTA seria inicialmente estabelecido como um tratado de comércio EUA-Canadá, em 1988, ao qual o México ganharia adesão posteriormente, em 1994.

O processo de liberalização comercial teria continuidade durante os governos Bush pai e filho. Este último, em especial, implementou tratados bilaterais e áreas de livre comércio com inúmeros países. Um deles, a Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), com planos para entrar em vigor em 2005, não avançou por resistências de Lula, Hugo Chávez e pela esquerda latino-americana, então no auge do poder. E não podemos esquecer que, em 2008, o republicano McCain era o candidato do livre comércio, tendo defendido a redução de subsídios e realizado acenos à cana de açúcar brasileira [1].

Os democratas, embora de forma menos enfática, ainda deram continuidade ao processo de liberalização comercial iniciado nos anos 80 por Reagan. Clinton foi um grande promotor de acordos comerciais. O governo Obama expandiria o escopo de tratados internacionais, ao aderir a Parceria Trans-Pacífico (TPP). Acordo este que Trump repeliria durante sua primeira semana de governo.

Assim, a ascensão do neonacionalismo protecionista da Alt Right representa um retrocesso à tendência de liberalização comercial observada nos EUA nas últimas décadas. O que se espera agora é vermos a deflagração de uma guerra comercial sem precedentes,  o que resultará em um mundo mais fechado economicamente, mais pobre e mais desconfiado. O comércio internacional perderá força, não somente em termos de volume transacionado, mas em termos de legitimidade moral.

Aqueles que até então eram o bastião apologético da economia livre e aberta, construído ao longo de sucessivos governos republicanos e democratas, agora condenam e hostilizam os argumentos que mais defenderam. Aquilo que antes era vendido e propagandeado como ouro agora se encontra reduzido a pó.

Pior para as nações industrializadas em desenvolvimento, entre os quais o Brasil. Usiminas, CSN e Gerdau sentiram os efeitos da medida com depreciação do valor de mercado ao longo da semana.

Pior para os consumidores pobres, que terão seus produtos encarecidos com a alta dos custos dos insumos industriais. Alta esta que será sentida de forma indiscriminada, e disseminada por todos os setores econômicos e em todos os países. Vivemos, ao contrário do período anterior aos anos 80, em uma era de economia global de cadeias de produção fortemente integradas.

Ganham os países protecionistas e a política econômica heterodoxa, que ganham mais um aliado moral e uma oportunidade de maior isolamento e intervenção. Se os EUA defendem a indústria nacional, por que eu também não faço?

Ganha a esquerda latino-americana, que finalmente encontrou o espantalho imperialista sádico predileto para se vitimizar. Em particular, o candidato à presidência do México Manuel López Obrador, o país que Trump não cansa de bater como uma piñata [2].  No Brasil, o candidato aliado do capital estatal chinês, Ciro Gomes, que já declarou em um fórum de debates com o economista Tom Palmer que o protecionismo econômico é uma questão de “identidade cultural” [3].

Os liberais se encontram diante de um momento desafiador para a defesa da liberdade no Ocidente, esta espremida entre o intervencionismo progressista das burocracias globais e o intervencionismo nacionalista dos populismos locais. Resta aos economistas a tarefa árdua de ensinar novamente as vantagens do livre comércio. Retornemos à estaca zero, em 1776, nos tempos em que Adam Smith, Burke e os Founding Fathers americanos combatiam os privilégios do mercantilismo e protecionismo britânico.

[1] https://oglobo.globo.com/economia/mccain-promete-eliminar-tarifa-para-etanol-brasileiro-3824853

[2]  https://www.istoedinheiro.com.br/o-mexico-na-contramao-do-mundo/

[3] https://www.youtube.com/watch?v=1mmt5vADoJs

Sobre o autor:  Tiago Barreira é graduado em Economia pela Fundação Getúlio Vargas do Rio (FGV-RJ) e pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da FGV (IBRE/FGV). Escreve regularmente em blogs sobre temas como economia, instituições políticas e história das ideias. É autor do blog Conservador Austríaco.

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