Por Ricardo Bordin, publicado pelo Instituto Liberal
Carl Menger, em sua obra pioneira de 1871, Grundsätze der Volkswirtschaftslehre (Princípios de Economia Política), explicou o sistema de preços no livre mercado como sendo “o resultado de interações voluntárias e propositais entre compradores e vendedores, cada qual guiado por suas próprias e subjetivas avaliações sobre a capacidade de vários bens e serviços em satisfazer seus objetivos” – o que viria a ser denominado como utilidade marginal, termo posteriormente cunhado por Friedrich Von Wieser. Mas é claro que a OAB está pouco se lixando para isso tudo, e impõe aos profissionais que vivem sob seu jugo a execrável tabela de honorários advocatícios.
Se o leitor achava que tabelar preços (desencadeando grande desordem na economia) era coisa de Sarney e Maduro, qual nada: tal expediente é utilizado de forma contumaz por essa entidade qualificada pelo Supremo como “única”, “especial”, “sui generis” – adjetivos que dificilmente lhe seriam outorgados por aqueles que sofrem as consequências de suas peculiares prerrogativas.
Já está em vigor o novo Código de Ética da Ordem dos Advogados do Brasil, publicado em 04/11/2015, o qual reafirma a costumeira obrigatoriedade de os advogados cobrarem um preço mínimo por seus serviços, e, além disso, respeitarem um teto máximo de cobrança. As consequências de descumprir tal prescrição? Vejamos o que reza o § 6º do artigo 48 do referido diploma legal:
“Deverá o advogado observar o valor mínimo da Tabela de Honorários instituída pelo respectivo Conselho Seccional onde for realizado o serviço, inclusive aquele referente às diligências, sob pena de caracterizar-se aviltamento de honorários.”
Ou seja, o profissional que descumprir a tabela de honorários da OAB pode vir a sofrer processo disciplinar e ter seu registro cassado, sendo, doravante, impedido de trabalhar. Portanto, para não cair em desgraça financeira, o advogado que labora no estado de São Paulo e que for, por exemplo, ajuizar uma ação de natureza previdenciária, deve taxar seus clientes entre vinte e trinta por cento sobre o valor econômico da questão, mas não menos do que R$ 3.991,07. Vejamos, então, as implicações dessa ingerência indevida deste conselho profissional que mais parece uma corte arbitral – ou arbitrária.
Sabemos a consequência mais nefasta da política de salário mínimo (incluindo-se aí os pisos remuneratórios definidos em legislações estaduais, em convenções coletivas e por entidades e classe – como o CREA, por exemplo): especialmente aqueles trabalhadores mais jovens, ainda em início de carreira, recém egressos no mercado de trabalho e sem experiência prática, não conseguem produzir o suficiente para justificarem sua contratação, e passam a compor a massa de desempregados – e de beneficiários dos programas assistencialistas – do país. Muitos empregados, diante de tais circunstâncias, irão submeter-se a trabalhar sem o registro em carteira, uma vez que consideram ser mais vantajoso não ser agraciado com direitos trabalhistas previstos em lei a permanecerem inativos.
A natureza sempre encontra, pois, um meio subsistir, e no país do “jeitinho” tal característica, claro, acentua-se. Esta espécie de “mercado negro de trabalho” vira alternativa a sofrer privações básicas. Adotando tal procedimento, tanto empregador quanto empregado expõem-se a riscos perante a administração pública: o primeiro pode ser autuado por descumprimento da legislação celetista, e o segundo pode ser demitido – supondo-se que a empresa não tem capacidade de manter o vínculo de emprego atendendo a todas as obrigações impostas pelo Estado.
Não há porque imaginar que, no caso dos advogados, o cenário seria diferente: se o preço cobrado pelo serviço não puder refletir as valorações do comprador, a transação, invariavelmente, não será efetuada. Em decorrência, tanto cliente quando advogado restam prejudicados nesta conjuntura, pois aquele não terá condições de arcar com os custos de ser representado por este profissional, e esse ficará de bolso vazio. Assim, se o preço mínimo de determinada postulação for 3X, mas três potenciais clientes de um advogado hipotético só podem pagar X, este profissional não poderá submeter-se a prestar este serviço pelo preço acordado e receber, no final das contas, os mesmos 3X pela representação do trio. Tal operação comercial precisará ocorrer “na surdina”, por meio da emissão de notas de prestação de serviços frias, para não desagradar a OAB e seus burocratas tão preocupados com seus “contribuintes” involuntários. Ou não ocorrer.
Também é comum o entendimento de que determinados honorários seriam “extorsivos”, por estarem acima do estabelecido pela OAB. Ainda que tenham sido livremente acordadas entre as partes, certas cobranças podem ser consideradas abusivas e virarem objeto de processo instaurados pelo Ministério Público, podendo redundar até mesmo em reclusão do “usurário”.
Advogado e cliente, frustrados por este tabelamento à la Plano Cruzado, frequentemente, acabam indo cada qual para seu lado: o bacharel em Direito, de canudo em mãos e impossibilitado ou desmotivado por trabalhar (tal qual aqueles que não logram serem aprovados no exame da Ordem, outra excrescência nacional), vai abarrotar as salas de aula de cursos preparatórios para concursos públicos da área jurídica, ocasionando o descaminho de bons profissionais da iniciativa privada para o setor não produtivo da sociedade – e enchendo os cofres dos proprietários destes estabelecimentos de ensino.
Aliás, este é justamente um dos motivos pelos quais o trabalho do advogado, em geral, costuma ser subvalorizado pelos consumidores: há uma enorme gama de cargos públicos para os graduados na área; assim, faculdades de Direito são inauguradas em profusão, visando este nicho de estudantes; as curvas de oferta e demanda por serviços advocatícios acabam por se encontrar, destarte, em um ponto baixo do gráfico; mas a tabela de honorários, aparentemente, é cega para este aspecto microeconômico – tal qual a Justiça o é perante as partes do processo (aham).
Já o cidadão que não conseguiu contratar o advogado, a seu turno, irá compor, junto a outros desalentados, uma demanda por este serviço, o qual (não podia ser diferente em terra Brasilis) será provido pelo Estado, por meio da advocacia pública. Ou seja, mais custos para o pagador de impostos (mesmo aquele que jamais irá precisar acionar o Judiciário) arcar – e poderia ser ainda pior, não fosse Temer ter decidido, recentemente, vetar integralmente reajuste de 67% para os defensores públicos federais.
A conjunção desses fatores todos gera um ambiente esquizofrênico na sociedade: o advogado só pode trabalhar se for aprovado no exame da Ordem, pagar religiosamente sua mensalidade e seguir à risca os valores da tabela de honorários; o cliente menos abastado, sem condições de remunerar o profissional com valores proibitivos, (e sendo obrigado a nomear um representante, haja vista que, na maioria dos casos, não se conhece de petição subscrita por pessoa que não detém a condição de advogado), vai precisar de um advogado público, o que contribui para inchar o Estado; aqueles advogados que ficarem sem esses clientes vão almejar que o Estado cresça, pois isso facilitaria seu ingresso em carreiras jurídicas como Procuradoria e Magistratura, livrando-os de permanecer entre a cruz e a espada – ou seja, entre a formação de preços em livre concorrência e a OAB. Isso tudo contribui para mais recursos deixarem de circular entre os agentes privados e passarem a compor orçamentos públicos, reduzindo a capacidade de geração de empregos e de pagamento de salários no país.
Pois saibam que conheço uma menina que, recém-graduada no Direito, usou recursos que havia economizado (eis aí a importância da poupança) para abrir um escritório junto com um colega, e atendeu, nos primeiros meses, de graça. Sim, sem cobrar nada, para que seu trabalho fosse visto pela clientela e a propaganda boca-a-boca pudesse fazer seu papel – tal qual, por exemplo, uma concorrente do Uber chegou a oferecer corridas de graça para atrair fregueses. A estratégia funcionou perfeitamente, e hoje ela presta serviço a diversas empresas grandes da cidade. Mas ela teve sorte de ninguém denunciá-la por “captação indevida de clientes”, o que poderia lhe custar pesadas sanções disciplinares.
Sim, pois é: a OAB considera que o oferecimento de serviços jurídicos gratuitos ou cobrança de honorários abaixo da tabela configuram infração a seu código de ética. Essa “concorrência desleal” é comparada pela Ordem ao dumping, ou seja, uma ação ou expediente de pôr à venda produtos a um preço inferior ao praticado no mercado para derrotar os competidores, e, a seguir, quando restar somente o advogado perverso que levou à bancarrota todos os demais, ele elevará seus preços e extorquirá toda a sociedade sem nenhuma misericórdia. Este concatenamento caricato de eventos até faria algum sentido, não fosse a boa e velha realidade – conforme foi explicado neste artigo sobre o UBER e o suposto risco de um monopólio no setor.
No caso em tela, adiantaria alguma coisa essa moça, tentando inserir-se no mercado, não cobrar nada por seus serviços e perder todas as ações judiciais com as quais ingressou em nome de seus primeiros clientes? Está aí o X da questão: os consumidores devem ser os responsáveis por determinar quanto ganha cada prestador de serviços e quem deve continuar ou sair da atividade, e não terceiros interessados apenas em manter seus próprios privilégios – a cena da OAB apoiando o recente impeachment apenas quando a vaca já havia indo para o brejo, com corda e tudo, demonstra bem esta sua faceta arguta. Até mesmo o CADE já se manifestou no sentido de que a tabela de honorários da OAB deve ter fins meramente indicativos, e não ostentar caráter impositivo.
Essa interferência autoritária da Ordem acaba por distorcer, portanto, todo o sistema de preços do setor, uma vez que os valores artificialmente sobrevalorizados emitem informações erradas a toda a cadeia de agentes. Assim, tal prática descabida não interessa a ninguém – ou, quem sabe, a grandes bancas e renomados advogados, que garantem sua reserva de mercado e os altos valores da remuneração de seus serviços. Não tenha dúvidas de que os profissionais que estão tentando livrar a cara dos réus da Lava Jato estão garantindo o sustento até de seus bisnetos, mas fazer o que, né: é muita produtividade marginal – no bom e o mau sentido.
Sobre o autor: Atua como Auditor-Fiscal do Trabalho, e no exercício da profissão constatou que, ao contrário do que poderia imaginar o senso comum, os verdadeiros exploradores da população humilde NÃO são os empreendedores. Formado na Escola de Especialistas de Aeronáutica (EEAR) como Profissional do Tráfego Aéreo e Bacharel em Letras Português/Inglês pela UFPR. Também publica artigos em seu site:https://bordinburke.wordpress.com/
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