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Por que os habitantes das metrópoles tendem a ser de esquerda?

Por Ricardo Bordin, publicado pelo Instituto Liberal

Chamou minha atenção um artigo recente da Foxnews que dava destaque ao esforço do candidato “de centro” (pero no mucho) à presidência da França, Emmanuel Macron, em busca de votos de moradores de áreas rurais daquele país – os quais, conforme costuma mostrar a experiência prática, favorecem candidatos mais à direita (ao menos em comparação com aqueles residentes em capitais e circunvizinhanças).

Este fenômeno, em verdade, não é uma particularidade adstrita à França, visto que, nas eleições americanas realizadas em 2016, Donald Trump também amealhou votos especialmente de eleitores do countryside, isto é, residentes em condados do interior, ao passo que Hillary Clinton foi favorecida principalmente por eleitores de cidades situadas em regiões litorâneas, grandes centros urbanos e suas cercanias. É claro que, no episódio em questão, os autoproclamados intelectuais não perderam tempo e logo rotularam os primeiros de caipiras e “red necks” ignorantes e desprovidos de cultura – este tipo de preconceito, aparentemente, não provoca “microagressões” que possam sensibilizar o povo politicamente correto.

E como esquecer que, no mesmo sentido, foram os ingleses que não vivem na capital Londres que garantiram a vitória do Brexit? Ou que os votos do interior do país definiram a vitória do “não” no plebiscito da Colômbia que rejeitou o “acordo de paz” com as FARC?

Quais fatores seriam, pois, os responsáveis por esta notória discrepância em termos de preferências políticas em função da localização geográfica, que também costuma ser observada em diversos outros cantos do planeta – e não apenas dentro dos estados ou províncias, mas também quando se traça um paralelo entre diferentes regiões dos países?

Antes de dar início ao estudo de caso, é bom esclarecer que considera-se esquerda e direita como visões dinstintas essencialmente por “defenderem mais ou menos intervenção estatal na sociedade, na economia e na vida de cada indivíduo; verem o estado como a locomotiva da sociedade, seu ente de razão, seu guia para um futuro glorioso e “progressista”, ou acreditarem que a evolução social é feita pelos indivíduos com sólidas bases morais e livres para buscar trocas mutuamente benéficas com outros indivíduos, com a menor participação estatal possível no processo, num sistema que se retroalimenta das informações que nascem destas transações e que se sofistica, portanto, de baixo para cima, do individual para o coletivo, organicamente”, conforme ensina Flávio Morgenstern.

O mais importante dos fatores a serem considerados, por certo, é o fato de que os residentes nas grandes cidades encontram-se, via de regra, mais afastados dos processos produtivos que permitem que haja comida em sua mesa, roupas em seu closet, material de higiene em seu banheiro, e assim por diante. Por outro lado, os habitantes das cidades interioranas (ainda que adjacentes a grandes cinturões urbanos) estão mais próximos das plantações, dos silos, e da maioria das empresas de beneficiamento e transformação.

Em decorrência desta conjuntura, aqueles acabam por esquecer, com o passar do tempo e o suceder das gerações, o quão complexa, intrincada e dependente da iniciativa humana é a cadeia de produção que torna possível que os bens de consumo que possibilitam seu conforto lhes sejam disponibilizados. Esses, a seu turno, conseguem ver com mais facilidade que nada cai do céu, que pão não dá em árvore, que o boi não pula dentro da bandeja de carne voluntariamente. Esta realidade é narrada na canção “Cio da Terra”, de Milton Nascimento:

Debulhar o trigo
Recolher cada bago do trigo
Forjar no trigo o milagre do pão
E se fartar do pão

Decepar a cana
Recolher a garapa da cana
roubar da cana a doçura do mel
Se lambuzar de mel

Afagar a terra
Conhecer os desejos da terra
Cio da terra propícia estação
E fecundar o chão

Ou seja, os cosmopolitas tendem a, paulatinamente, olvidar-se da importância do sistema de troca voluntárias para sua subsistência e para a geração de tudo aquilo que torna sua vida muito mais digna que a de seus antepassados. E passam, por consequência, a serem muito mais facilmente convencidos de que possuem direito a uma fração qualquer do valor gerado a partir do empenho diuturno de outras pessoas. São, portanto, alvos preferenciais de propagadores de teorias socialistas, segundo as quais sempre houve uma dada quantidade de riqueza imutável no mundo, e que nos basta reivindicar nossa fatia para que tudo seja mais “justo”.

Já os provincianos, por colocarem a mão na massa com muito mais frequência que seus conterrâneos dos grandes conglomerados urbanos, tendem a compreender melhor o esforço contíguo e a extensa cadeia de trabalho que são necessários para dar origem aos produtos e serviços que, hoje, parecem (só parecem) ter sempre estado por aí disponíveis a todos – mesmo aqueles de mais baixa renda. Destarte, vira tarefa bem mais árdua convencer esse pessoal de que alguém além deles mesmos pode melhorar a qualidade de suas vidas.

Outro fator fundamental a ser considerado nesta análise é a diferença de importância conferida à família lá e cá: não há dúvida de que os provincianos dão muito mais valor aos laços de parentesco, uma vez que costumam viver mais próximos uns dos outros e, devido ao relativamente maior isolamento a que são submetidos, a conservar hábitos e costumes – até mesmo pedir “a bênção, pai”.

Além disso, em decorrência de maior escassez de recursos em comparação com regiões metropolitanas,  eles tendem a precisar apoiar-se uns nos outros com bem mais frequência, a precisar contar com aqueles em quem confiam – e, nestas horas, nada melhor do que um ser humano consanguíneo (ou que comungue de laços similares) para pedir socorro.

Muitos dos cosmopolitas, entretanto, não apenas olham com profundo desdém para núcleos tradicionais (muito embora nenhum deles, até onde se sabe, tenha sido criado em chocadeira), como também acreditam que haja uma boa dose de “opressão” nas relação familiares – sob forte influência do ambiente intelectual “progressista” destas localidades.

Alexandre Borges, em artigo publicado pelo Instituto Liberal ainda em 2013, ao abordar o sucesso de um programa de TV americano intitulado “Os Robertsons” (uma espécie de reality show protagonizado por uma típica família do interior da Luisiana), foi direto ao ponto quando afirmou:

O sucesso estrondoso de gente como os Robertsons são um pesadelo para qualquer um que trabalha por uma sociedade tutelada pelo estado, com o povo prestando juramento a líderes carismáticos e marchando nas ruas em paradas comemorando o aniversário da revolução. A família é a maior célula de resistência contra o estado e é por isso que é alvo dos ataques dos totalitários há mais de 100 anos. Hitler dizia que não ia se casar porque era “casado com a Alemanha”, por exemplo. Num tipo de estado como o sonhado por socialistas e fascistas, você deve se casar com o estado e tanto os Robertsons quanto os valores que representam são um inimigo a ser derrotado.

Precisa falar mais sobre este aspecto? Não creio.

Por último, mas não menos importante, há o fato de que os cosmopolitas tendem a experimentar menos contato humano direto (tanto no trabalho quanto em sua folga), e a comunicar-se com outras pessoas preferencialmente pela via digital, reduzindo suas vidas a uma espécie de confinamento ideológico, uma bolha virtual. Assim sendo, os problemas da vida real ficam reduzidos a abstrações, tão palpáveis quanto o sofrimento do personagem da novela.

A partir daí, escancarar as fronteiras para “imigrantes” ou sair soltando bandidos na rua como quer a globalista ONU passam a parecer boas ideias – quando observadas, claro, a partir de posições encasteladas, do alto da comodidade da vida moderna, sem precisar imaginar (ou sentir na pele) as verdadeiras consequências de tais medidas (não, pelo menos, até o dia em que a realidade chutar a porta do idealismo; até lá, dá pra brincar de ser a favor do desarmamento e contra a redução da maioridade penal).

Já os provincianos, por passarem, em média, menos tempo nestes enclausuramentos cibernéticos e mais tempo praticando atividades no mundo físico (sejam elas lúdicas ou laborais),  tendem a encarar com bem mais ceticismo certos delírios multiculturalistas e  outros devaneios do gênero. Eles passam, portanto, a  preferir o familiar ao desconhecido, preferir o tentado ao não tentado, o fato ao mistério, o real ao possível, o limitado ao ilimitado, o próximo ao distante, o suficiente ao superabundante, o conveniente ao perfeito, a felicidade presente à utópica – como diria Michael Oakeshott.

Eis porque candidatos de esquerda costumam precisar suar a camisa para angariar alguns míseros votos do pessoal interiorano. Outros fatores, em especial a formação cultural de um povo, também influenciam sobremaneira neste processo (às vezes, inclusive, revertendo esta expectativa), mas são basicamente os três supracitados que costumam alinhar cosmopolitas à esquerda e provincianos à direita – especialmente ao conservadorismo.

Para se ter uma noção deste fenômeno em nosso território nacional (muito embora ele não se manifeste com tanta força por aqui quanto em outras nações mais politizadas), basta comparar, por exemplo, o desempenho do PT e seus partidos satélites no Rio de Janeiro e no Sul do Brasil (excetuando-se o Rio Grande, cuja herança do Positivismo de Comte deixou um legado assistencialista e paternalista que até hoje perdura). Quem conhece o Paraná e Santa Catarina, e leu este texto com atenção, vai entender e concordar.

Outro dia vivi uma cena hilária: questionei duas senhoras, no interior de Santa Catarina, as quais estavam criticando a crise econômica que atravessamos, se preferiam a volta de Dilma ao poder, ao que responderam em uníssono: “Deus o livre, homem!”. É a indestrutível sabedoria daqueles tidos como capiaus por alguns esnobes do asfalto. Pois sim!

E o que vai acontecer na França? Difícil prever, mas ainda é possível que o “homem comum esquecido”, que já se fez ouvir na América ano passado, fale mais alto na Europa também…

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