Por Thiago Kistenmacher, publicado pelo Instituto Liberal
Alguns julgarão o texto pelo título. Normal. Talvez arrematem: “Mas por que atacar a direita e não a esquerda. Isso é um desserviço!” Respondo: não, não é um desserviço, afinal de contas, uma parcela da direita – e hoje vou me deter sobre alguns que se auto-intitulam conservadores – também deu origem a uma patrulha ideológica. A inclinação à censura e ao autoritarismo não é exclusividade da esquerda. “Você vai acabar se indispondo com a direita”, diz um amigo. Paciência. Sei que muitos poderão se ofender com o presente texto. Mas aviso: estou tão preocupado com a opinião dos caricatos moralistas quanto estou preocupado com a opinião da esquerda politicamente correta.
Calma. Se você é conservador, mas não caricato nem agente da patrulha moralista que marcha pelas redes sociais, conversaremos sobre o problema civilizadamente. Também aprecio obras de conservadores de “boa estirpe”, termo sempre usado por Rodrigo Constantino. No entanto, caso você se sinta ofendido com o termo “patrulha moralista”, é porque você provavelmente faz parte do grupo.
Não podemos fechar os olhos para este problema que o lado direito do espectro político tem enfrentado. Entre um conservador saudosista que berra contra os liberais no Facebook e um marxista que se altera contra os católicos, existe apenas uma diferença: a cor, porque o molde é o mesmo.
O que a patrulha moralista pensa:
A patrulha moralista pensa que o liberalismo significa a “decadência” dos valores etc. Valores dela, talvez. O liberalismo, para o saudosista utópico, seria tão ruim quanto o marxismo. Um agente da patrulha moralista não aceita que um liberal possa defender o casamento gay ao mesmo tempo em que é contra o aborto; não consegue conceber um liberal ateu que compreende o valor da tradição cristã. Para o agente dessa patrulha, ou o ateu é militante ou deve se tornar cristão, mas nunca frequentar a Renovação Carismática Católica, claro; para ele, ou o sujeito é conservador moralista ou revolucionário bolchevique. Se alguém for a favor do casamento gay, a patrulha moralista o considerará um revolucionário; se mesmo assim este alguém compreender o valor da família tradicional, o patrulheiro irá dizer que uma coisa anula a outra. O conservador não pode divergir de outros conservadores, senão o selo de conservador não lhe serve mais. Mas vamos lembrar que quem tem rótulo é garrafa e quem cabe em caixa são sapato e encomenda dos correios.
Em suma, a patrulha não pensa, age por paixão e ressentimento. Ou melhor, ela até pensa, mas só pensa de acordo com os dogmas que consegue encontrar dentro de sua caixinha minúscula e pestilenta.
O que a patrulha moralista pensa que é:
Poderíamos resumir este tópico numa só frase: a patrulha moralista pensa que é a salvadora da Civilização Ocidental. Mas vamos adiante. Os integrantes desse grupo de puritanos contemporâneos pensam que vão salvar não só a civilização, mas você e a mim; se sentem os redentores dos simples e humildes que não falam latim – mas que deveriam aprender, lógico. A patrulha moralista pensa que é conhecedora da verdade e que por isso, pode julgar o mundo e todos os seus habitantes que vivem em liberdade.
Como a patrulha moralista age:
Como apontou Antonio Pinho em seu artigo, os caricatos “adotam duas ou três frases como axiomas incontestáveis, e veem toda a realidade por meio desse filtro. Ai de alguém que critique esses axiomas. ‘Só pode ser comunista’, pensa o caricato.” Essa gente atua como a esquerda, só que com o sinal trocado. As duas patrulhas, a da esquerda e a da direita têm em comum a característica de vigiarem “os seus”, quer dizer, se julgam no direito de pautar o comportamento alheio. São encarnações on-line de Tomás de Torquemada promovendo a inquisição virtual.
Particularmente, creio que a independência seja melhor, mas é para poucos. É mais saudável não responder pelo bando. Quem responde por si mesmo está vivo, quem evoca o bando já está morto como sujeito. E a direita, assim como a esquerda, é formada por seres humanos complexos e carentes. Por isso a falta de resposta causa medo e terror. Quando se deparam com a indiferença do mundo perante nossas carências, alguns ficam com a imunidade baixa e acabam contaminados pelo vírus letal sociologicamente conhecido por “espírito de boiada”. E é com o espírito de boiada, ainda que ela seja diminuta – graças a Deus – que os patrulheiros puritanos agem. Atuam como censores, como os Sherlock Holmes da vida livre. Se essa turma caricata fosse alçada ao poder assistiríamos a fuzilamentos em nome do latim.
Quem são os integrantes da patrulha moralista. Ou: o que ela realmente é.
A patrulha moralista é geralmente formada por sujeitos caricatos, aquelas pessoas que, sozinhas, gritam slogans, vêem “degeneração social” em tudo que não seja da belle époque e enxergam o símbolo comunista até nas nuvens. São os ridículos bonecos de época, os cortesões com Facebook. E como todos os caricatos têm a mesma estrutura pré-moldada, se encaixam perfeitamente em pequenas caixinhas de princípios e podem ser facilmente identificados, até mesmo pela indumentária. Mas nenhum deles impõe respeito. Suspensórios não fazem deles intelectualmente nem politicamente respeitáveis. São somente esses bonecos de época controlados por meia dúzia de slogans. Isso para não falar no “povo escolhido” para “resgatar a alta cultura” – não foram escolhidos por Deus, claro, mas por eles mesmos, que se sentem cristos de suspensórios.
Covarde, essa patrulha jeca nega a complexidade. Quer números exatos. Não suporta conviver com o fardo das vírgulas e dos números quebrados. Pelo fato de o mundo ser muito mais complexo fora da caixa, a patrulha o teme. Lá fora está a liberdade, mas o covarde sem grupo é nulo. São medrosos e querem que os demais o sejam também. Daí sua insistência e militância monomaníaca. Eles também podem ser nacionalistas extremos, devotos de Enéas Carneiro. Talvez idolatrem Jair Bolsonaro e xinguem qualquer um que discordar do “mito”. A lista é grande.
Como pusilânimes que são, muitos deles – veja bem, não estou generalizando. Disse “muitos” – se escondem atrás de ideias e dogmas políticos ou religiosos. Mas no caso dos caricatos, grande parte se encobre com livros como se estes fossem mantos que pudessem camuflar sua frouxidão. Por conseguinte, recorrem à vida intelectual como numa espécie de fuga desesperada da realidade. Isso quando só apelam para uma vida casta ou moralista em termos sexuais porque, em verdade, não pegam ninguém na balada – aqui não me refiro aos castos sérios, religiosos de verdade. Além disso, vários se refugiam entre muralhas de livros, já que esta também pode servir como fortaleza dos loosers. Disso resulta o pedantismo, efeito colateral da debilidade dos loosers escravos da autoafirmação.
O caricato moralista e pedante, quando discordar de alguém, irá citar livros e mais livros, sempre em tom professoral e menos para enriquecer o debate do que para mostrar como é culto. É o tipo que se envaidece vociferando contra a vaidade citando Eclesiastes; é do estilo que fala uma frase em outro idioma porque sabe que ninguém ao seu redor vai entender; é um poser. O moralista é aquele que exige que os outros não façam aquilo que ele faz no quarto trancado a sete chaves. É como costumo dizer a respeito desse problema: se este tipo de moralismo fosse um homem, ele vestiria farda com cinta liga por baixo. Tudo bem que alguns dos apontamentos dos caricatos possam ser verdadeiros, mas não dá para viver no século XVI.
Desconfie dessa gente. A patrulha moralista da direita deve ser discutida nos mesmos termos em que discutimos a vigilância da esquerda. E apesar de a força política da esquerda ser maior, ambas são embriões de ditaduras. Enfim, é tanta coisa que poderia ser dita sobre essa lamentável parcela da direita que poderíamos escrever um livro sobre o tema. O título? Ah, sim. Quem sabe pudesse ser algo como “A salvação da cultura ocidental via suspensórios e latim”.