Por Jose L. Carvalho, publicado pelo Instituto Liberal
Em primeiro lugar porque a liberdade está indissociavelmente ligada aos direitos de propriedade privada. O homem só é livre se é dono de seu próprio corpo e se é capaz de se apropriar do que produz. Mas, o que são os direitos de propriedade? O Direito de propriedade é a proteção que um indivíduo tem para prevenir outra pessoa de escolher, contra a sua vontade, um possível uso para recursos aceitos como sendo seus. Essa proteção serve para os atributos físicos do recurso, e não ao seu valor de mercado ou valor psicológico. Assim, as alterações no valor de mercado de sua propriedade, as quais resultem de ações de outros indivíduos, por não alterarem os atributos físicos de sua propriedade, não constituem uma agressão aos seus direitos. Esse fato nos conduz ao desenvolvimento de James Buchanan, que destaca direitos de propriedade como garantidores de liberdade, complementando o desenvolvimento mais comum em favor da propriedade privada, que é o da eficiência no uso dos recursos escassos.
A liberdade garantida pela propriedade privada decorre da maior independência do indivíduo em relação à ação de outros membros da sociedade. Existe um dinâmico mercado de aluguel de moradia, mas ainda assim as pessoas procuram ser proprietárias de suas habitações de modo a reduzir o impacto das ações de outros indivíduos sobre suas condições de moradia. Uma residência alugada tem seu aluguel fixado pelas condições de mercado. A propriedade do imóvel onde o indivíduo reside torna as condições de sua moradia, em termos do risco de precisar mudar-se em um curto lapso de tempo, independente das flutuações do mercado de aluguel.
Um sistema eficiente de direitos de propriedade requer pelo menos três propriedades: universalidade, exclusividade e transferibilidade. Diretos de propriedade devem ser universais, no sentido de que todos os recursos devem ser propriedade de alguém, exceto quando não surge nenhuma questão de eficiência. Exclusividade implica que ninguém, além do proprietário do recurso, pode comandar o seu uso. A transferibilidade é necessária para a promoção da eficiência alocativa ao longo do tempo. Com relação ao tempo, os direitos de propriedade devem ser entendidos como permanentes.
Transferibilidade é o direito que o proprietário tem de transferir direitos de propriedade a outrem, em termos e condições mutuamente acordadas. É importante que apenas o comprador e o vendedor aprovem as condições sob as quais os direitos são transferidos. Nenhum terceiro poderá impor condições, mas a transação deve ser legal. Assim, se um controle de preços é imposto por terceiros, incluído o governo, os direitos de propriedade daqueles que tem seus preços controlados, em sentido estrito, são violados.
Quando todos os custos e benefícios associados ao uso de um bem são unicamente apropriados por seu proprietário, benefícios e custos privados e sociais são idênticos. É raro que o proprietário tenha controle sobre todos os atributos físicos de todos os seus bens. É interessante notar como as pessoas reagem diferentemente às agressões à característica de exclusividade dos seus direitos de propriedade. Fumar em edifícios públicos é uma agressão aos direitos das demais pessoas, uma vez que o fumo vai poluir o ambiente. Além de alterar as características do ambiente, fumar em lugares públicos pode produzir efeitos negativos sobre a saúde das pessoas que não fumam. Em alguns países, leis proíbem fumar em edifícios públicos ou mesmo limitam fumantes a áreas especificas desses edifícios. Entretanto, nesses mesmos países o perfume não foi proibido em edifícios públicos e, como o fumo, ele gera um impacto semelhante sobre os direitos das pessoas. O efeito negativo sobre a saúde de terceiros no caso de perfumes pode advir de uma reação alérgica ao aroma de alguns de seus componentes.
Em nenhum lugar há restrições sobre o uso de perfume. Por quê? Em parte porque os custos de transações para identificar os casos de alergia são muito elevados. Em parte porque a maioria das normas resulta de ações de grupos de interesse, e o lobby para banir perfume não é forte o suficiente. O fato de um indivíduo não ter controle ou interesse em controlar os efeitos negativos de sua ação sobre outras pessoas gera o que os economistas denominam externalidade. É importante destacar que externalidades só ocorrem em um contexto social e geram uma diferença entre custos e benefícios privados e sociais. Isso provoca um conflito entre o causador da externalidade e as pessoas por ela afetadas negativamente. A solução desses conflitos só pode advir de um acordo entre as partes, o sucesso depende dos custos de transação na determinação desse acordo. Na presença de elevados custos de transação que inviabilize o acordo, uma norma precisará ser imposta pelo Estado para garantir o interesse de terceiros.
A salvaguarda dos direitos de propriedade também está sujeita a custos. Quanto maior esse custo, com mais frequência os direitos de propriedade serão ignorados e roubos ocorrerão. Assim, o conjunto de normas destinadas a proteger a propriedade privada e os direitos individuais tem de ser claro e gerenciável a baixo custo. Tendo em vista o Estado de Direito, um sistema judicial e um sistema de aplicação da lei (poder de policia) têm de ser mantidos a um custo (recursos e tempo) menor do que as perdas esperadas decorrentes da má conduta de indivíduos. Se o custo de aplicação da lei é relativamente elevado, a lei seria frequentemente desrespeitada. Se a administração da justiça é relativamente cara em tempo e recursos, regras e contratos também serão frequentemente quebrados. Nessas circunstâncias, as consequências para a estabilidade social, o crescimento econômico e o desenvolvimento de mercados são claras. Serão frequentes os conflitos entre os membros da sociedade, os incentivos para produção serão precários, o comércio será restrito a pequenos grupos e o bem-estar será reduzido.
Toda transação implica uma troca de propriedades, que também está sujeita a custos de transações. Quando os custos de caracterização dos diretos de propriedade privada são muito elevados, as transações podem ser inviabilizadas ou, se ocorrerem, implicarão em um risco mais elevado para os participantes. Dificuldades na caracterização de diretos de propriedade tem o mesmo efeito sobre o preço do correspondente bem, que um sistema ineficiente de preservar esses diretos. Nesse caso o preço vai cair, porque o proprietário irá reduzir as expectativas sobre o uso do bem e, portanto, sua demanda será reduzida. Também, dado o baixo custo para roubar (pirataria, por exemplo), menos pessoas vão comprar esse bem na expectativa de ter acesso a ele por roubo.
Diretos de propriedade são conceitos dinâmicos que são constantemente ajustados às circunstancias. A velocidade e a intensidade das mudanças nesse conceito dependem dos benefícios que os novos direitos de propriedade irão gerar para a sociedade. Hoje, a terra é o único recurso natural sujeito a um sistema bem definido de direitos de propriedade, em quase todos os lugares do globo. Mas isso nem sempre foi assim. Em várias sociedades a terra era uma propriedade comum, e, por esse motivo, era indevidamente utilizada e se tornava uma fonte de conflitos entre os membros da sociedade. A passagem de uma propriedade comum para um sistema de propriedade privada é difícil e, algumas vezes, induz as pessoas a confundir o sistema de direitos de propriedade privada com a forma arbitrária como a propriedade privada tem sido implementada. Esse foi exatamente o caso do Enclosure Movement na Inglaterra, quando a passagem para um sistema de propriedade privada ocorreu por retirar dos arrendatários os direitos de uso da terra e declarar algumas pessoas, politicamente poderosas, como seus proprietários. Esse evento produziu uma crença injustificada de que só seria possível implementar um sistema de propriedade privada pela expropriação dos direitos de seus uso comum.
A discussão acima destaca a importância dos custos de transações na caracterização dos diretos de propriedade, bem como suas implicações para o uso eficiente dos recursos. Pode-se resumir a importância dos custos de transações supondo o que aconteceria se eles não existissem em uma sociedade de mercados livre: (a) não haveria externalidades, uma vez que acordos entre as partes produziriam as necessárias compensações positivas ou negativas (b) as propriedades (recursos) seriam usadas em suas melhores alternativas, uma vez que os custos e os benéficos privados e sociais seriam idênticos (c) o uso da propriedade privada (recursos) seria independente da distribuição original de direitos, desde que ela pudesse ser livremente negociada. Esses argumentos forma publicados originalmente por Coase e são conhecidos como Teorema de Coase, o qual nos fornece as bases para sugerir uma divisão de tarefas entre o setor privado e o Estado.
* Publicado originalmente na Revista Banco de Idéias.
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