Por Luan Sperandio, publicado pelo Instituto Liberal
O chanceler brasileiro Ernesto Araújo decidiu pela retirada do Brasil do Pacto Global para Migração Segura. O pronunciamento não foi uma surpresa, a julgar pelo discurso de campanha do presidente eleito e declarações anteriores do Ministro das Relações Exteriores.
Contudo, pode-se dizer que a deliberação é um equívoco sob diversos prismas. Inicialmente porque a fundamentação por parte do governo — uma possível violação à soberania nacional — não possui respaldo na realidade. Não à toa, 164 das 193 nações que integram a ONU são signatárias do tratado.
O denominado Pacto de Marrakesh, resumidamente, contém recomendações de cooperação internacional para combater a migração irregular e possibilitar um tratamento aos migrantes que respeite os direitos humanos. Logo, ao contrário da narrativa criada em torno da decisão do ministro, o acordo não diz respeito à abertura irrestrita de fronteiras das nações signatárias a todo e qualquer imigrante. Pelo contrário: ele reserva o direito soberano dos Estados de determinar suas próprias políticas de migração.
Em última análise, trata-se de um conjunto de proposições não juridicamente vinculantes e que visa à redução dos impactos de eventuais aumentos do fluxo migratório — decorrentes de eventos como conflitos internacionais, crises econômicas e recessos institucionais. Ademais, há uma expansão dos benefícios da migração regular, amplamente reconhecida como uma fonte de prosperidade e inovação, como atesta o economista Julian Simon. Nesse contexto, o acordo funciona tão somente como uma cooperação voluntária entre nações.
Uma outra argumentação do governo brasileiro para a decisão é a de que a imigração seria uma questão local, devendo ser tratada de acordo com a realidade de cada país. Tal argumento foi objeto de crítica por Aloysio Nunes, à época o representante brasileiro nas negociações do pacto. Para ele, trata-se de uma questão global, haja vista que não há regiões do mundo que não sejam afetadas por fluxos migratórios: o país pode ser tanto um pólo emissor quanto de destino. No caso tupiniquim, há 3 milhões de brasileiros que vivem no exterior — mais que o dobro do número de imigrantes estrangeiros residindo no Brasil.
Por fim, vale dizer que o pacto está de acordo com a legislação nacional referente à migração, recentemente aprovada pelo Congresso. Enquanto esta lei não passar por alterações, a política migratória brasileira não sofrerá, na prática, mudanças significativas.
Resta a questão: se não há fundamentação plausível que justifique a saída do Pacto, em que se baseia a tomada da medida pelo governo?
Trata-se, efetivamente, de uma decisão meramente ideológica e com o objetivo de capitalização política. A prova disso é que, a despeito das justificativas, o mesmo Itamaraty revisou uma posição histórica ao se tornar favorável à liberação unilateral de vistos para americanos e canadenses que viajem ao Brasil — ao mesmo tempo em que o governo dos Estados Unidos adota regras mais restritivas para a concessão de vistos, inclusive aos brasileiros.
Há, também, uma premissa economicamente falsa, mas amplamente aceita socialmente, de que há uma quantidade fixa de trabalho a ser repartida entre a mão de obra existente. Isso fundamenta a ideia de que a migração deveria ser restringida a fim de evitar um desequilíbrio.
Esse medo foi registrado em pesquisa que indicou que os brasileiros acreditam haver 25% de estrangeiros no país. Assim, há a crença popular de que as vagas de emprego possam estar em risco diante da concorrência estrangeira, não obstante o número verdadeiro seja de apenas 0,3% — metade do percentual dos anos 1960. Há mais imigrantes na Colômbia, país que esteve em guerra civil por cerca de 5 décadas, do que no Brasil. Mesmo a Venezuela, atravessando uma crise humanitária, ainda possui um número absoluto de estrangeiros equivalente ao dobro do Brasil.
A imigração, definitivamente, não é um problema por aqui. Se estimulada, seria, inclusive, uma boa forma de importar capital humano qualificado e aumentar a produtividade nacional, bem como oportunizar um novo bônus demográfico e auxiliar, ainda que de forma paliativa, na questão do déficit previdenciário brasileiro.
Esse casuísmo político, embora mais simbólico que prático, pode cobrar seu preço. Fluxos migratórios são passíveis de se alterar em curtos períodos de tempo na eventualidade de conflitos bélicos ou instabilidades políticas de toda sorte, alterando completamente a dinâmica do jogo. Mediante essa hipótese, um pedido de ajuda brasileiro à comunidade internacional se mostraria controverso — especialmente tendo em vista que, atualmente, o Brasil já se encontra entre as dez nações mais impedidas de adentrar na Europa. A saída do pacto, entre outras implicações, pode representar um obstáculo ainda maior para a recepção de brasileiros no exterior.
O fato é que o governo Bolsonaro acaba de assumir o controle de um país recheado de problemas. Com 12 milhões de brasileiros desempregados, uma população muito mais pobre do que era há 5 anos, um desequilíbrio fiscal de centenas de bilhões de reais e um Congresso fragmentado — dificultando reformas necessárias —, deveria focar nos problemas que existem, em vez de mirar em moinhos de vento.
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