O tema da educação é um dos mais sensíveis, tamanha a sua importância para o futuro do país. Mas muitos simplificam demais a questão, seja pedindo apenas mais recursos públicos para um modelo fracassado, seja denunciando o viés ideológico como se fosse o único problema existente. O buraco é bem mais embaixo, como mostra a professora Paula Rosiska.
Num desabafo publicado numa série de tweets, a professora da rede pública de ensino em SP toca na ferida e mostra como está cada vez mais difícil exercer com seriedade a nobre missão de transmitir conhecimento objetivo aos alunos:
Estou aqui comentando o problema da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo e tentarei desenhar a minha queixa sobre o que começou a acontecer na gestão Dória. Lembro que peguei umas 3 gestões Alckmin e uma do Serra. Nunca fui filiada à APEOESP e não me queixo de salário.
Para começar, isso é um problema meu, de crença. Eu creio que filho de pobre pode ler Camões e Fernando Pessoa e gostar deles. Ao menos que ele tenha direito a conhecê-los. em 2016, o MEC optou por retirar os autores portugueses dos obrigatórios do currículo escolar (BNCC).
Em 2016 também o governador Alckmin mandou recolher TODAS AS IMPRESSORAS das escolas, que eram utilizadas por professores. Resumindo: se eu quiser levar um texto diferente dos que há nos livros didáticos (adaptados à medonha BNCC), devo eu mesma imprimir com recurso próprio.
Eu tenho feito isso. Gasto bastante com sulfite e tinta de impressora. Sou um tanto resistente a certas coisas porque, ao contrário do biólogo youtuber que, numa formação de professores, nos chamou de puxadores de carroça (sic), creio que a escola é o lugar do passado.
É o lugar do passado porque o aluno aprende as novas tecnologias sozinho e melhor do que nós, professores. Mas estamos lá para mostrar quem foram os grandes seres humanos do passado, que inventaram vacina, lâmpada, telefone e criaram obras de arte.
MESMO que eu quisesse ser a moderninha, não há esse tipo de tecnologia nas escolas. Agora falam em dar tablets aos alunos quando seria muito mais útil e econômico dar um datashow potente a cada professor. (Orando para que tenha cortina nas salas).
O governo tem gastado rios de dinheiro com os famigerados caderninhos. Material de conteúdo extremamente superficial. Eu me recuso a usá-los, por respeito aos meus alunos e a mim. E adivinhem? Minhas turmas possuem excelente desempenho nas avaliações externas.
Sendo assim, EU LITERALMENTE PAGO PARA ENSINAR decentemente. Mas até então, tinha liberdade para fazer isso, essa coisa idiota que somente uma professora como eu faz: bancar o material que será usado em sala. E eu preferia continuar bancando pois era livre.
Então, no começo do ano, o governo Dória nos deixa livres para fazer o planejamento anual. Eu já até com as avaliações em mente. Deixei até vídeos no Youtube para alunos que perdessem aulas. Daí, no replanejamento de 29 e 30 de julho… Surpresa:
Vão medir a aprendizagem praticamente a cada quinzena com avaliações externas. Tem que parar a aula para aplicar essas provas. Com o objetivo de aumentar a nota no SAEB. São Paulo está em 6º. Na cabeça do nosso gestor, é impossível o estado mais rico não ser o 1º.
Só que ele se esquece que no estado mais rico da nação, o aluno faz o que ele quer, se quiser jogar cadeira em professor, que fique à vontade e caso a escola queira “convidá-lo” a se retirar, precisa juntar uma documentação monumental.
Também temos muitos alunos em LA (Liberdade Assistida), só que essa informação não é passada aos professores. Se o não infrator agride verbalmente o professor em sala, imagine os demais. É ÓBVIO QUE PROFESSOR VIVE COM MEDO e não tem vontade de ir pra escola para ser agredido.
No sistema de gestão de notas, SAIBAM DEPUTADOS DA COMISSÃO DE EDUCAÇÃO, quando o aluno que não faz nada em sala tira nota vermelha É O PROFESSOR QUEM PRECISA JUSTIFICAR o porquê de não ter oferecido recuperação para aquele ser que fica ouvindo música o dia todo.
Daí, eis a ideia genial dos gestores: os professores de português e matemática deverão trabalhar o conteúdo que nossos burocratas definiram. Isso é obrigatório. E qto a professoras imbecis como a dona Paula, que paga pra imprimir texto do Machado de Assis, vamos dar um jeito.
Vamos colocar coordenadores e diretores FISCALIZANDO a aula dela com uma fichinha de avaliação. Nessa fichinha, o coordenador, formado em química, poderá avaliar a didática da profª de português, por exemplo. E não só: se ela trabalhou cada item escolhido pelos burocratas.
Se ela trabalhou os itens escolhidos pelos nossos burocratas do ar condicionado, enquanto ela escreve em lousa de giz ainda. Quanto tempo ela levou para “ensinar” cada item inútil escolhido pelos nossos burocratas. E se ela não fez isso, será denunciada à SEDUC.
Ah, mais uma coisa: esse material obrigatório veio só para professores, mas os alunos não receberam uma cópia para acompanhar a aula. Eles receberam um outro material, que nós, professores, não recebemos. GENIAL ORGANIZAÇÃO!
Mesmo aqueles professores mais propensos a usar o cabresto estão confusos. Qual material é para seguir? E o que farei com o planejamento anual?
Lembro aos deputados, que sou uma professora de língua portuguesa. Não sou professora de “linguagens e códigos”. Parem de rebaixar a língua pátria. Ou não reclamem do desempenho dos alunos. Se os governantes não dão a devida importância ao idioma, p q eles deveriam
Para terminar: são 16 anos na rede. Nunca me queixei de salário. Nunca fui da APEOESP. Se os deputados do Novo defenderem esse modelo soviético, irei me sindicalizar agora. E estarei com Carlos Gianazzi, de quem divirjo ideologicamente, mas que me ouve com respeito.
O escritor Martim Vasques da Cunha resumiu o relato da professora como “uma verdadeira autópsia do que realmente acontece na educação brasileira”. E o quadro é realmente assustador! Todo o meu respeito aos professores que, apesar de tudo, tentam transmitir conhecimento e a paixão pela busca do saber aos seus alunos, mesmo inseridos num ambiente tóxico como o brasileiro. São uns verdadeiros heróis…
Rodrigo Constantino
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