“Qualquer um com tal desejo de poder é a última pessoa a ser confiada com o poder.” (Thomas Sowell)
Eis o grande dilema dos liberais e conservadores de boa estirpe: são totalmente céticos para com o poder, desconfiam sempre do governo, mas sabem que precisam dele para implantar suas reformas liberalizantes, ou seja, precisam do poder para reduzi-lo.
É um paradoxo, claro, o mesmo que faz uma pessoa humilde e decente como Bruno Garschagen, autor de Pare de acreditar no governo, acreditar no governo e aceitar um cargo no MEC para tentar melhorar as coisas desde dentro. Não deu certo.
Penso nisso a partir de um caso específico. Um amigo meu, que gosta de chafurdar da lama das redes sociais, mandou um tweet de um sujeito que sequer conheço inventando que tentei de tudo para ter um cargo no governo Bolsonaro. Falta a essa gente imaginação.
É o seguinte: tanto petistas como olavetes se mostram sempre muito ambiciosos e sedentos por poder, e passam a projetar nos outros aquilo que enxergam diante do espelho. Não conseguem mais admitir que alguém faça de tudo para não estar no poder ou ter cargo num governo.
São justamente esses, que fogem do “anel” como o diabo foge da cruz, que deveriam chegar ao poder, claro, como alerta Sowell na epígrafe. Mas raramente é assim. Russell Kirk, respeitado conservador americano, era frequentemente convidado por presidentes republicanos para assumir funções no governo, mas declinava, pois preferia ficar em paz no seu refúgio em Mecosta. Um grande homem, que deixou um legado duradouro em prol do conservadorismo.
Paulo Guedes foi meu chefe por seis anos e escrevi um perfil dele para a Infomoney que foi lido por centenas de milhares de pessoas. Nele, eu destacava justamente essa característica do patriotismo desapegado, ou seja, Guedes realmente quer mudar o Brasil para melhor, mas nunca fez questão de ir para governos. Como disse recentemente, não tem apego ao cargo, mesmo sendo um superministro todo-poderoso. É por essas e outras que merece ser considerado um herói ali.
O risco é só quando liberais passam a crer que um Pinochet da vida pode resolver mais rápido as coisas, driblando a necessidade de articular com um Congresso muitas vezes incompetente ou corrompido. Liberais precisam resistir a essa tentação pelo atalho do autoritarismo, pois é sempre um enorme perigo.
Outro nome com perfil similar é Salim Mattar. Bilionário, fundador da Localiza, sempre foi procurado por políticos para aceitar funções no governo ou por partidos para sair candidato, e nunca quis. Não deseja poder pelo poder. Mas, conhecendo bem Guedes e reconhecendo a oportunidade única, Mattar se viu forçado a aceitar a Secretaria de Desestatização em prol do país e para ajudar Guedes nessa nobre missão.
Sou amigo de ambos, que gozam da minha confiança, o que sei ser recíproco. Não preciso entrar em detalhes ou expor conversas privadas, mas alguém acha mesmo que se eu desejasse estar nesse governo, com essa turma próxima liberal em cargos-chave, eu não estaria? Como eu disse, falta imaginação aos olavetes para entender que tem gente que não sonha o mesmo sonho deles, e que faria de tudo para não estar no governo Bolsonaro.
Trago esse tom mais pessoal só para ilustrar a enorme preocupação que tenho com essa turma reacionária. Ela já deu todas as mostras possíveis de apego ao poder, de ambição desmedida, de oportunismo e autoritarismo. Os “templários” se enxergam numa cruzada pela salvação da civilização ocidental, e em nome de sua “revolução purificadora” parecem dispostos a tudo, inclusive a usar os mesmos métodos que denunciavam nos inimigos petistas. Como disse Janaina Paschoal, são petistas com sinal trocado.
O ilustre desconhecido do tweet, que foi curtido pelo “chanceler do B”, talvez o mais ambicioso dos olavetes, falou ainda da minha suposta pretensão em ser um tipo de “guru” do Partido Novo. Mal sabe, coitado, do esforço que meu amigo João Amoedo fez para que eu topasse sair candidato pelo partido, o que sempre recusei com veemência, chegando a brincar que ele entraria para a lista negra lá em casa se insistisse muito.
O Amoedo, diga-se, que conheci por vias alheias ao mundo político, é outro que tem interesse genuíno em ajudar o país, sem qualquer ambição ao poder pelo poder. A trajetória do seu partido atesta isso: sempre negou atalhos, que poderiam ter feito o crescimento explodir e facilitar a chegada ao poder, pois tem a convicção de que deve fazer tudo pelo caminho direito, se quiser de fato fazer a diferença.
Liberais e conservadores de boa estirpe, enfim, vão sempre desconfiar do governo e do poder, pois sabem que ele corrompe, inclusive as almas mais puras. Imagina aquelas que já se mostram seduzidas pelo poder! É o caso, infelizmente, dos reacionários revolucionários, dos olavetes que parecem dispostos a tudo por um cargo no governo, mesmo quando o próprio mestre diz que deveriam pular fora logo. Preferem ignorar o guru e manter os privilégios…
Figuras que reverenciam um sujeito como Steve Bannon, que nem Trump quis manter por perto, e que lidera um “movimento” nacional-populista que enaltece regimes autoritários e xenófobos, não merecem qualquer confiança. É a ala “anti-establishment” do governo que mais sonha em se tornar establishment, concentrando todo o poder que for possível. Claro, em nome do “bem-geral”, como fazem todos os autoritários revolucionários.
O próprio Bolsonaro, que nunca me pareceu muito sedento por poder, andou dizendo que não nasceu para ser presidente, que é só problema ali (leia sobre a espada de Damocles), e que pensa em apresentar proposta contra reeleição, partindo de seu mandato mesmo. Bolsonaro foi arrastado pela onda antipetista até o cargo atual; não creio que tenha feito de tudo para chegar lá. Foi ele mesmo, natural, durante a campanha.
O mesmo já não pode ser dito sobre seus filhos, em especial Carlos e Eduardo. Carlos queria ser ministro, e não conseguiu. Eduardo lidera uma massa de fanáticos e se aproximou de Bannon, sem conseguir esconder muito suas ambições em substituir o pai. São eles que controlam a ala olavete dentro do governo. São eles que só pensam em poder, mesmo que comprem brigas desnecessárias com os militares, o que atrapalha o próprio governo. E por isso mesmo são aqueles que não merecem a confiança dos liberais e conservadores.
Rodrigo Constantino
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