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Prosperidade ilusória: a emissão de crédito e moeda como causa da euforia insustentável
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Sem compreender a origem do fenômeno inflacionário, sempre uma política deliberada do governo, o indivíduo não será capaz de entender exatamente como chegamos até aqui, nesse quadro caótico de estagflação. Já escrevi inúmeros textos com linguagem acessível, sem jargão de economia, para explicar como funciona o processo inflacionário criado pelo governo. O mais importante é o leitor captar que a emissão de crédito e moeda a uma taxa acima da de poupança tenderá a produzir apenas uma euforia temporária, o que os economistas chamam de “ilusão monetária”.

Pois bem: segundo os dados do Banco Central, compilados pelo professor Ricardo Bergamini, em 2002 o volume de operações de crédito era de R$ 378,0 bilhões (25,57% do PIB), sendo R$ 144,1 bilhões (9,75% do PIB) concedidos por bancos públicos (Caixa, BB, BNDES, etc).  A participação dos bancos oficiais públicos era de 38,13%. Em 2014, o volume de operações de crédito era de R$ 3.021,8 bilhões (58,87%), sendo R$ 1.619,7 bilhões (31,55% do PIB) concedidos por bancos públicos. A participação dos bancos oficiais públicos era de 53,60%.

O crescimento real do PIB no período de 2003 até 2014 foi de 38,70%. O volume de crédito cresceu em termos reais em relação ao PIB em 130,23%, para um crescimento do PIB de 38,70% no período. Esse desequilíbrio gera uma ilusão monetária de crescimento. O mais grave é que nesse crescimento de crédito houve um aumento monstruoso da participação do sistema bancário público, saindo de 38,13% em 2002 para 53,60% em 2014, ultrapassando o volume do setor privado. O que prova o avanço da estatização bancária no Brasil.

Esse é o cerne da questão, o grande responsável pela situação atual. E por isso é tão importante notar que a manutenção de Luciano Coutinho no BNDES e dos gestores alinhados ao modelo de Dilma na Caixa e no BB demonstra que colocar apenas Joaquim Levy não resolve absolutamente nada. Os bancos públicos são os maiores vilões quando o assunto é inflação, assim como o próprio governo com sua expansão descontrolada de gastos públicos.

Anos atrás, no auge da empolgação com o Brasil, escrevi para o Valor um texto argumentando que a euforia era insustentável e fruto justamente dessa ilusão monetária. Segue abaixo, pois se não aprendermos com os erros passados, estaremos fadados a repeti-los:

A prosperidade ilusória

A taxa “natural” de juros é aquela que predominaria num livre mercado de capitais, equilibrando a oferta de capital poupado e a demanda por investimentos. Para realizar novos investimentos produtivos, antes é necessário acumular capital, ou seja, fatores de produção. No entanto, muitos partem da premissa de que uma redução na taxa de juros será sempre desejável, ainda que obtida por meios artificiais. Fala-se em “escassez de dinheiro”, confundindo-se dinheiro com capital, como se mais dinheiro vindo do além pudesse gerar mais investimento produtivo de forma sustentável. Isso não passa de uma grande ilusão, como o economista Mises já havia demonstrado no começo do século XX.

Existem duas maneiras de se criar dinheiro artificial: impressão de papel moeda pelo governo; e emissão de crédito bancário sem lastro. Os bancos podem reduzir artificialmente as taxas de juros emitindo notas e cheques além da quantidade de depósitos à vista, possível graças às reservas fracionárias. Mises chamou essa emissão sem lastro de “circulation credit”, enquanto o crédito lastreado pela poupança era chamado de “commodity credit”. Somente o primeiro é inflacionário. O “dinheiro fácil” criado por este mecanismo pressiona as taxas de juros para baixo, criando a falsa sensação de prosperidade. Investimentos que antes não pareceriam rentáveis agora se tornam atraentes. Recursos são desviados para estes investimentos ruins, adicionando mais lenha na fogueira, sustentando assim o clima de euforia. Algumas escolas de pensamento chegaram a defender esta política como meio para tornar o crédito gratuito e resolver a “questão social”. A arte da alquimia teria sido descoberta. Mas a inflação não é uma política sustentável.

A inflação dura somente enquanto as pessoas acreditarem que ela será temporária. Assim que os agentes se convencerem de que a inflação não irá parar, eles fogem do uso desta moeda, correndo para “valores reais” como moedas estrangeiras, metais preciosos ou até escambo. Cedo ou tarde, portanto, a crise deve inevitavelmente estourar. Quanto mais tarde for este ajuste, mais doloroso ele será, pois maiores serão os estragos causados na fase de bonança artificial. A recessão substitui o boom anterior, e os negócios iludidos durante a era de crédito abundante acabam sendo liquidados. Os bancos se tornam mais cautelosos, e ficam tímidos na expansão de mais crédito circulante. A taxa de juros sobe novamente. Quando uma política inflacionista chega ao fim dessa maneira, é preciso tempo para ajustar os excessos. As pessoas se tornam descrentes e recusam novas rodadas de crédito fácil. Talvez uma nova geração tenha que surgir para que a memória coletiva seja totalmente apagada e uma nova onda de ilusão possa tomar conta do país.

Para Mises, a principal causa dessa ilusão coletiva é o fator ideológico. Tanto os políticos como os empresários encaram a redução da taxa de juros como uma meta essencial da política econômica. A expansão do crédito circulante é vista como o meio adequado para atingir esta meta. Enquanto as pessoas não entenderem que o único meio sustentável de redução da taxa de juros é o maior acúmulo de capital através da poupança, essas ondas de euforia seguida de pânico irão continuar. Os bancos devem atuar como intermediários entre poupadores e investidores, mas não devem ter o poder de criar crédito sem lastro. O conhecimento de que o governo estará disponível no caso de emergências cria um moral hazard, fazendo com que os bancos sejam ainda mais agressivos. Se a crise pudesse seguir seu curso livremente, para impor as duras penalidades aos que assumiram mais dívida do que podiam, todos seriam mais cuidadosos com o crédito no futuro. Mas a opinião pública aprova a assistência do governo durante as crises, o que apenas estimula o comportamento irresponsável.

As pessoas precisam aceitar a realidade. A taxa de juros não é algo que pode ser impunemente manipulada. Ela é um importante preço de mercado, que equilibra poupança e investimento. Enquanto as pessoas julgarem que uma maçã hoje vale mais do que uma daqui a um ano, haverá taxa de juros para equacionar as preferências intertemporais. Os investimentos produtivos dependem sempre de capital acumulado pela poupança. Acreditar que é possível ter e comer o bolo ao mesmo tempo, que podemos simplesmente forçar a taxa de juros para baixo, aumentando os investimentos sem a contrapartida de mais poupança real, não passa de uma perigosa ilusão.

Rodrigo Constantino

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