O grande fato político que vem chamando a atenção é o maior protagonismo do Parlamento brasileiro. Em política não existe vácuo de poder, e como o governo Bolsonaro, por princípios e por trapalhadas, fez uma articulação capenga com o Congresso, este viu aí uma oportunidade para avançar com uma agenda própria, destacando sua maior autonomia em relação ao Executivo.
Se isso vai ser bom ou não para a democracia só o tempo dirá. O velho modelo do nosso presidencialismo de coalização estava esgotado, isso porém é claro. A agenda que Câmara e Senado disputam para ver quem assume maior liderança é uma reformista, o que é alvissareiro. Mas, como lembra editorial do GLOBO hoje, é preciso cautela, pois a pressa é inimiga do razoável em política:
Câmara e Senado iniciaram uma disputa pelo protagonismo em reformas estruturais na economia e na modernização do setor público.
O êxito da mobilização legislativa em torno das mudanças na Previdência, liderada pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), estimulou o Senado a acelerar a tramitação de alguns projetos para modernizar o sistema tributário e reduzir o peso da burocracia no ambiente de negócios.
O presidente da Casa, Davi Alcolumbre (DEM-AP), anunciou a retomada de tramitação de uma proposta de emenda constitucional, aprovada há tempos pelos deputados e que adormecia na Casa. Avisou que esse será o ponto de partida das mudanças na estrutura de impostos. Deputados reagiram, e instalaram uma comissão especial para definir os parâmetros da reforma tributária.
[…]
Esse ativismo parlamentar é interessante e salutar, porque é urgente e necessário atualizar a estrutura da economia e do setor público. Mas é preciso cautela. A pressa costuma ser inimiga dos bons resultados.
Ou seja, o governo prepara sua própria reforma tributária, enquanto o Senado resgata uma antiga e a Câmara acelera os trabalhos para apresentar uma alternativa. É uma competição interessante, já que todos de certa forma estão mais cientes da necessidade de se reformar o estado, engessado e falido. O país pode ter atingido uma massa crítica para reformas liberais, o que é algo inovador e fantástico.
O próprio presidente Bolsonaro, ao elogiar a Câmara e seu presidente Rodrigo Maia após a aprovação do texto-base da reforma, comentou que o Parlamento “está mais que consciente de sua responsabilidade, do que devem ou não aprovar” e focado no “bem de todos”. Maia, porém, alfinetou o presidente pela narrativa anterior que jogou lenha na fogueira, já que o bolsonarismo investiu pesado contra o Congresso e a “velha política”. Maia disse que nenhum investidor de longo prazo investe em país que ataca as instituições.
Mas é óbvio que não se trata só de “patriotismo” aqui. Há um claro oportunismo também, uma disputa por holofotes e poder. E também a consciência de que a própria sobrevivência política depende disso, já que o caos social deixado pelo PT é um vulcão em erupção, uma bomba-relógio. O medo de uma revolta popular, portanto, faz-se presente, como explica o diretor da Eurasia, cientista político Christopher da Cunha Bueno Garman:
A aprovação da reforma da Previdência com folga de 71 votos simboliza uma guinada liberal no Congresso?
Creio que é um Congresso mais sensível à opinião pública e com muito temor de uma revolta popular contra a classe política. Isso levou a uma reforma fiscal liberal boa, levando-se em conta que se trata de um governo sem base. A liberação de emendas por parte do governo certamente também ajudou.
O que propiciou a aprovação da reforma?
A última coisa que os parlamentares querem é outra crise econômica, o que poderia aumentar ainda mais a fúria do eleitor e dificultar as possibilidades de reeleição. Em segundo lugar, levaram em conta a opinião pública, que se tornou favorável à reforma, como mostram pesquisas. Em resumo, o medo de não fazer aumentou e o custo eleitoral de aprovar a reforma caiu.
Há, em suma, mais consciência geral da necessidade de se reformar o estado, estancar a sangria fiscal, garantir a retomada do crescimento econômico. Enquanto o deputado esquerdista Alessandro Molon diz que a parte da população favorável à reforma está “alienada”, tudo indica o contrário: a maioria despertou e entendeu finalmente a importância das reformas de cunho liberal.
Dito isso, não há espaço para romantismo aqui, ou para acreditar que basta “pressão nas ruas”. O jogo político precisa continuar sendo jogado. Contar só com o patriotismo, com o instinto de sobrevivência da classe política, e com o medo do povo nas ruas não é suficiente. Eis onde entra a articulação, o mecanismo de incentivos que atende aos interesses de mais curto prazo. Liberar emendas e ocupar cargos do segundo escalão, por exemplo, desde que com filtro técnico. É o que deve fazer o governo agora:
Dois meses após a edição de um decreto que instituiu o Sistema Integrado de Nomeações e Consultas, mais conhecido como “banco de talentos”, o governo ainda não preencheu a maioria das vagas de segundo escalão nos Estados, mas promete “destravar” as indicações e acelerar a distribuição dos cargos para partidos que apoiaram a primeira etapa da reforma da Previdência na Câmara. Até agora, a maior parte dos compromissos assumidos pelo Planalto foi com o Centrão, grupo que atuou como fiel da balança para a aprovação das mudanças na aposentadoria.
A estratégia do Planalto também prevê atenção especial ao Nordeste, antigo reduto do PT e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, preso desde abril do ano passado. É naquela região que está, por exemplo, a cobiçada Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), foco de corrupção em um passado não muito distante. Diretorias da estatal serão loteadas entre DEM, PP, MDB e PSDB, que, apesar de não integrar o Centrão, é uma espécie de “agregado” no bloco que dá as cartas do poder na Câmara.
As negociações têm sido feitas com as bancadas estaduais, e não com os líderes dos partidos, mas até hoje a liberação dos espaços nas repartições federais foi a conta-gotas. A ideia é que, além da Codevasf, superintendências do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) sejam preenchidas no pós-Previdência.
Às vésperas da votação da reforma, vista pela equipe econômica como fundamental para o ajuste das contas públicas, deputados começaram a pressionar o Planalto não apenas pelo pagamento de emendas orçamentárias, mas também por nomeações. O governo garantiu um crédito suplementar para obras em redutos de parlamentares bem antes das eleições municipais de 2020 e empenhou R$ 2,5 bilhões em emendas apenas nos cinco primeiros dias deste mês, mas a promessa de mais recursos dificilmente será cumprida a curto prazo, por causa do aperto fiscal.
Desconfiados, deputados iniciaram, então, um movimento para cobrar os cargos represados. Antes mesmo de o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, perder o posto de articulador político do Planalto, a deputada Joice Hasselmann (PSL-SP), líder do governo no Congresso, já estava recolhendo as indicações de seus pares.
Juntando tudo isso, temos motivos de sobra para celebrar um protagonismo maior do Parlamento com uma agenda mais liberal, mas devemos desconfiar sempre dos interesses de políticos – de todos os políticos, o que vale também para o presidente, que chegou a atuar como líder sindical para proteger privilégios da categoria policial na reforma.
E cabe ao povo fazer sua parte: o preço da liberdade é a eterna vigilância. Se houvesse voto distrital no Brasil essa tarefa ficaria bem mais simples. Como não temos, o jeito é no atacado mesmo, com essas pressões populares mais genéricas. Ainda falta aprovar a reforma previdenciária em definitivo, de preferência incluindo os estados e municípios, depois vem a reforma tributária, que deveria simplificar e reduzir tributos, aí temos as mudanças microeconômicas de desburocratização, como a MP da Liberdade Econômica já começou, e as privatizações e abertura comercial.
Enfim, é uma longa agenda de reformas para colocar o Brasil na rota do crescimento sustentável. Todos devem fazer sua parte, e não será nada trivial. Mas há alguns indícios de que a coisa pode mesmo caminhar na direção certa, endireitando um pouco o país após o legado sinistro deixado pelo PT. O Brasil corre o risco de dar certo!
Rodrigo Constantino
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