Há tucanos em particular e social-democratas em geral com quem é possível não só manter um bom e civilizado diálogo, como também aprender algumas coisas. É o caso o cientista político Bolívar Lamounier, que foi fundador do PSDB e é um dos principais intelectuais do partido.
Como todos sabem, sou bem crítico ao PSDB, mas reconheço que há nele uma ala com inclinação mais liberal e menos esquerdista. É o caso de Lamounier.
Em entrevista publicada hoje no Valor, o consultor tece críticas ao próprio partido, faz uma análise do cenário político nacional de olho em 2018, e tira algumas conclusões interessantes. Não estou de acordo com todas, mas vale a pena acompanhar sua linha de raciocínio. Seguem, portanto, alguns trechos:
Valor: Que balanço o senhor faz desses 14 meses do governo Temer?
Bolívar Lamounier: Diria mediano. Ele conseguiu aprovar algumas medidas – poucas – de reforma econômica. Não conseguiu produzir um impacto nas expectativas, os investimentos não voltam só porque a Dilma [Rousseff] foi impedida. A reforma da Previdência está em dúvida ainda. A trabalhista eles vão aguar um pouquinho para adoçar a boca dos sindicatos. É muitíssimo aquém do que o país precisa. Mas antes isso do que nada, porque com a Dilma a gente iria andar para trás mesmo. Tem uma equipe econômica de primeira linha, que está funcionando como uma espécie de primeiro-ministro. Enquanto Temer “presidenteia”, a área econômica governa. O resto não existe.
Essa é exatamente a minha visão. Temer fez até aqui um governo mediano, na melhor das hipóteses, mas como saímos de uma verdadeira catástrofe, a sensação é claramente de alívio. Poderíamos ser hoje quase uma Venezuela, e ao menos paramos de sangrar tanto. A hemorragia foi contida, por enquanto. Mas é preciso aprovar as reformas, que já estão muito aquém do que necessitamos. E elas parecem ter subido no telhado. A equipe econômica, que é realmente boa (mas não essa Brastemp), tenta fazer o que pode, mas como não pode cortar gastos, o que depende do Congresso, resta propor aumento de impostos. E isso é inaceitável!
Valor: O senhor concorda com a tese de que a impopularidade de Temer é uma vantagem, ao dar oportunidade de promover medidas que outros, com voto, não fariam?
Lamounier: É um paradoxo interessante. Se Temer tivesse 20% [de avaliação positiva] talvez tivesse mais dificuldade. Para bem entender o funcionamento desse paradoxo, é preciso lembrar que Temer é criado politicamente dentro do Parlamento. Um homem formado dentro do Parlamento faz um governo mais forte do que o populista, aquele que corre por fora e que tenta atropelar o Congresso. Sou parlamentarista. Temer, com 3% ou 4% de popularidade, conseguiu aprovar mais que o Lula com 80%.
Esse paradoxo serve de alerta para todos que, como eu, cansaram do establishment e torcem para algum “outsider”. Uma coisa é ter votos com discursos populares ou populistas; outra, bem diferente, é governar, aprovar reformas. E como não vamos fechar o Congresso, é preciso persuadir os deputados, de preferência sem mensalão! Trump é um claro “outsider” e está tendo dificuldade em aprovar medidas nos Estados Unidos, mesmo com um Congresso republicano. Lança mão de decretos quando possível, mas esse não é o ideal republicano. Sendo realista, não se governa sozinho, e quem torce para um “messias salvador” precisa se dar conta disso.
Valor: O PSDB fez certo ao manter apoio a Temer, ocupar cargos no governo, ter votado como votou na apreciação da denúncia de Janot?
Lamounier: Eu, muito relutantemente, seria a favor de manter [apoio]. Não se troca de presidente a cada seis meses. Mas há outra questão envolvendo o PSDB muito mais deprimente. Se [na bancada de deputados tucanos] fosse 38 a 5 para um lado ou para outro [na votação para aprovar a denúncia contra Temer], não ficaria tão triste. Mas 22 a 21 [placar final a favor de Temer] significa que o partido não é capaz de estabelecer uma linha, não consegue ter um diretriz. É simbólico se dividir bem na metade. O PSDB perdeu a identidade há muito tempo, mas agora está chegando a um ponto que beira o surrealismo. Se não consegue ter na bancada uma linha mínima, então desmilinguiu-se.
Essa é a minha impressão também. É fácil atacar “tudo e todos” que estão aí; mais difícil, porém, é fazer o país efetivamente avançar, ou ao menos parar de descer a ladeira. Tirar Temer para colocar quem? Rodrigo Maia? Com a ajuda da Globo e da extrema-esquerda? E o que estava por trás disso, de fato? E o risco de eleição indireta? E a instabilidade política e institucional de se tirar presidente a cada seis meses? Só jacobinos querem degolar uma, duas, três, dez, vinte cabeças, até se atingir a “pureza”. Os outros, realistas, devem pensar em termos mais práticos. Mas os tucanos, de fato, nunca estiveram tão… tucanos, em cima do muro, divididos. Não é mais um partido, mas um agrupamento desconexo.
Valor: Por que acha que o tom da propaganda está errado?
Lamounier: O PSDB não tem razão nenhuma para pedir desculpas sobre coisa alguma. Quem tem que pedir desculpas e, mais que isso, confessar crimes é o PT. O PSDB parece que tem uma simbiose negativa com o PT, tem hora que parece que tem uma vontade de ser o PT. O PSDB pode ser um partido horroroso e indeciso, mas estabilizou a economia depois de 33 anos de inflação. Não pode ser comparado ao PT. Não tem que pedir desculpas. Tem que ir à TV dizer que a situação do país é terrível. Sabemos que estamos sendo atingidos, que o eleitor está irado conosco, como com qualquer outro partido. Mas não vamos dar a mão à palmatória. Vamos repor os problemas em discussão. Fazer a fuga para frente, não para trás.
Perfeito. Também critiquei muito essa propaganda tucana, que mais parece ter sido feita por um petista. O PSDB precisa abandonar essa síndrome de Estocolmo, essa mania de se abaixar perante seus algozes, essa pusilanimidade. É um partido com um legado razoável, ao menos na área econômica. Longe de ser liberal, pelo menos é uma socialdemocracia mais moderna, que não despreza tanto o mercado como faz o PT, que sabe fazer conta. O PSDB deveria ser o limite à esquerda em nossa política. Mas o fato de ser acusado de “neoliberal” ou “direita” mostra como ainda estamos atrasados!
Valor: Lula tem quase um terço das intenções de voto e uma condenação classificada por muitos como extremamente frágil. O que significaria um colegiado de três desembargadores impedi-lo de disputar?
Lamounier: Se fosse você ou eu metido no imbróglio do apartamento ou do sítio, iríamos para a cadeia. Algum juiz ira acreditar que foi um empréstimo que alguém fez? Será que os juízes desconhecem a figura do enriquecimento ilícito, que só tem punição se o bandido deixar assinado o papel? Lula e o PT discursam como se vivêssemos em uma monarquia absoluta. Tem uma pessoa intocável e os outros são iguais.
Liberais, social-democratas decentes e republicanos em geral prezam algo chamado império das leis. É justamente o que os jurássicos petistas mais abominam. Para eles, a oligarquia partidária está acima das leis, pode tudo, pois seus “nobres” fins justificam quaisquer meios. Isso tem que acabar!
Valor: Doria é candidato?
Lamounier: Ele pode ser arrastado à candidatura dependendo do Lula, do Ciro Gomes etc. Se as pesquisas sugerirem que estamos fadado a um desastre de ter outra vez uma Presidência populista, acho que ele, aparecendo melhor do que o Alckmin nas pesquisas, pode acabar sendo arrastado.
Valor: E como fica o Alckmin?
Lamounier: O candidato até o momento é o Alckmin. É o natural. Mas se chegarmos até abril de 2018 e as pesquisas mostrarem Doria muito mais forte que Alckmin, isso muda.
Valor: A pesquisa de intenção de voto é elemento forte para decisão?
Lamounier: É decisivo.
Doria tem maior domínio da narrativa, sabe ser mais marqueteiro, é extrovertido e usa bem as redes sociais. Alckmin parece um gestor sério e até eficiente, mas só de lembrar daqueles broches de estatais em 2006 quando foi “acusado” de defender as privatizações… tenho calafrios! Lamounier reconhece que a ala mais esquerdista que ataca Doria precisa estudar mais, perder o medo de ser chamada de “neoliberal”. Também precisa abandonar o preconceito contra a elite. O entrevistado elogiou quando Doria bateu no peito e afirmou ser rico mesmo, com uma fortuna que não foi roubada, mas construída de forma legítima, e assumiu que vai privatizar mesmo. Falta essa coragem aos típicos tucanos.
Valor: Como explica essa ascensão repentina de Jair Bolsonaro, com 15% das intenções de voto?
Lamounier: Bolsonaro não é sujeito com muitas luzes. O trunfo dele é usar o discurso do ódio, da violência, da insegurança. Nem sempre funciona. Quem acredita que o problema da segurança pode ser solucionado durante o mandato e que o Bolsonaro tem as condições de resolver? Ninguém. Quero ver se chega com 15% até o início da campanha. Vai ficar com cerca de 10% e não vai ao segundo turno. A mesma coisa a Marina [Silva], que não é pessoa arrebatadora, capaz de convencer que tem um pensamento, uma agenda. Vai ficar com uns 15% e não vai para o segundo turno. Álvaro Dias menos, porque tem partido fraco, não é conhecido nacionalmente.
Tendo a concordar que o discurso de Bolsonaro é simplista, e que muitos de seus seguidores mais aguerridos não passam da primeira fase de “reflexão”, sem entrar muito nas questões complexas de como colocar em prática certas promessas. Mas não sei se concordo com a estimativa de um teto de 10% dos votos. Acho que é preciso levar em conta o momento pelo qual o país passa, de muito cansaço com a classe política, de profunda revolta com a bandidagem, que cria um ambiente fértil para esse tipo de discurso. Acho que é errado subestimar o potencial de Bolsonaro. Se ele se segurar nos arroubos nacionalistas e nas besteiras econômicas, e tomar um banho de “paz e amor”, como fez Lula em 2002, pode avançar muito mais sim.
Valor: E Fernando Haddad, se não for o Lula o candidato do PT?
Lamounier: Vai dar tracinho.
Como teve na disputa pela reeleição em São Paulo, em que levou uma surra de João Doria, eleito no primeiro turno. O PT sem Lula não terá votos, e não creio no Lula “cabo eleitoral” também, que já andou apanhando um bocado em eleições municipais. Ele foi capaz de eleger seu “poste” Dilma em outras circunstâncias, bem diferentes. O PT não morreu, o petismo sem dúvida continua vivo, mas a esquerda radical não vai muito longe nessa eleição.
Valor: E Ciro Gomes, que já foi ministro da Fazenda logo após a adoção do Plano Real?
Lamounier: Ciro tem um defeito mais grave que Lula: ele não é medroso e acha que sabe economia. Se Ciro aparecer com chances reais de passar ao segundo turno e eventualmente vencer, os mercados, principalmente os megainvestidores, vão falar: “mais cinco anos de espera”. Ninguém é doido de botar somas astronômicas e investimento em um país que parece que está brincando de política. Ciro é um pouco truculento e realmente acha que se chegar na Presidência resolve tudo. Dá medo. Pessoa que é autossuficiente e que acha que sabe de economia é o que há de mais grave. Veja Dilma. Truculenta e imaginava que sabia economia. Fórmula mortal.
Concordo: Ciro Gomes é perigoso, um coronelzinho típico do nordeste, que banca o machão e acha que entende de economia, mas só sabe repetir as baboseiras nacional-desenvolvimentistas da Unicamp, que destruíram nossa economia. Acho que não tem a menor chance de vencer, mas nunca é bom subestimar a estupidez do eleitor brasileiro, que tem como traço de seu perfil essa tara por uma figura paterna, por um “paizão” que vai cuidar de todos e falar grosso com os picaretas políticos. Getulio Vargas, Lula, Collor, todos esses seduziram esse tipo de gente com tal estilo. Hoje temos Ciro e também Bolsonaro como candidatos a paizão macho, não presidente.
Em linhas gerais, vemos como o Brasil ainda precisa amadurecer quando o assunto é política, e como estamos distantes do liberalismo, ou até mesmo de uma socialdemocracia mais madura. De um conservadorismo de boa estirpe, então, estamos mais longe do que Plutão da Terra!
Rodrigo Constantino
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