Por Kelvin Azevedo Santos, publicado pelo Instituto Liberal
Em declarações recentes, o ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso defendeu que o Supremo Tribunal Federal legalize o uso de drogas. Novamente, junta sua voz à de outros, como o ministro Luís Roberto Barroso, que tratam a ordem constitucional e a vontade democrática como meros obstáculos a serem pisoteados durante a grande marcha progressista.
É certo que a questão das drogas é atual e deve ser discutida. Muitos são os que pensam que a “Guerra às Drogas” está fadada à derrota, e que é necessária uma política de legalização, especialmente das drogas tidas como mais leves. Está crescendo o número de pessoas, particularmente entre os jovens, que consideram a proibição como uma intromissão indevida do Estado na vida das pessoas, uma tentativa fracassada de transformar moralidade em lei. Essas pessoas, ao exporem suas opiniões e promoverem um debate entre a população, estão promovendo a troca de ideias e contribuindo para o sucesso da democracia.
Mas muito diferente é o caso dos que, ao invés de promoverem o debate entre a população, querem “promover o debate” entre os ministros do STF. Estes, ao quererem impor suas preferências políticas através do ativismo de juízes, demonstram um profundo desprezo pela vontade democrática. Aliando-se à filosofia do totalitarismo, e zombando do “pensamento conservador e atrasado” das pessoas comuns, decidem que o debate e a discussão deve ocorrer não entre o povo, mas sim entre uma minoria iluminada de intelectuais — composta por eles mesmos — que deve tomar para si o poder de decidir os rumos do progresso e da história.
Agiu desta forma Fernando Henrique Cardoso. Para ele, o Congresso Nacional “se nega a discutir a descriminalização do uso de drogas”. E isso, segundo ele “cria espaço para que o Supremo Tribunal Federal legisle sobre o tema”. Repetiu assim o velho mantra da “omissão do legislador”, artifício favorito dos juristas totalitários. O Congresso não legalizou as drogas? O Congresso não legalizou o aborto? O Congresso não transformou em lei qualquer outra das políticas iluminadas defendidas por estes eminentes intelectuais? Então, continuarão eles, “o legislador se omitiu”, e devem tais políticas ser implementadas mesmo contra a vontade popular e ao arrepio da lei.
É de se esperar que a maior parte dos espectadores do “debate”, no qual todos defendiam a legalização, compartilhasse da mesma opinião. Ainda assim, aparentemente, Fernando Henrique Cardoso sentiu que havia a necessidade de convencer alguns de seus ouvintes da legalidade da trama:
‘Na Constituição de 1988, disse FHC, foi aberta uma “válvula” para a Corte com o chamado mandado de injunção. “Quando o Congresso não legisla, aí o juiz pode legislar, o Supremo pode legislar. Não é indevido”, disse o ex-presidente. “Como o Congresso não foi claro nessa matéria, eles são renitentes em enfrentar, é possível que o Supremo tenha um atalho aí. Não é surpreendente, é bom que se atue nos vários setores”, destacou.’
Faltou ao ex-presidente explicar como é que o mandato de injunção, previsto no artigo 5º, inciso LXXI da Constituição Federal, e que deve ser concedido quando houver uma “falta de norma regulamentadora” que “torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais” é cabível neste caso. Será que nosso ex-presidente acredita que o uso de drogas é um direito constitucional?
A total ausência de amparo na Constituição, no entanto, não impede que esse tipo de sugestão seja muito bem recebida por alguns juristas. Para alguns, ignorar o texto das leis e julgar simplesmente de acordo com a sua própria ideologia é simplesmente uma tentação grande demais para resistir. Mas para outros, é um plano muito bem deliberado e planejado, cujo momento atual de descrença na política e no legislativo torna perfeita a execução.
Dentre esses últimos se destaca particularmente o ministro Luís Roberto Barroso, nos planos do qual a opinião do ex-presidente se encaixa como uma luva. Afinal, foi ele quem defendeu abertamente, em um evento do próprio Instituto FHC, a tese jurídica de que ministros do Supremo devem eventualmente tomar “decisões iluministas”, com o papel de “empurrar a história” em “questões civilizatórias vitais”, mesmo que “sem lei nenhuma” e “sem qualquer indício de que haja um apoio majoritário da população”.(*) Tais são as palavras proferidas por ele na ocasião, e que, aparentemente, contam com a simpatia de Fernando Henrique Cardoso. O ex-presidente, no debate de ontem, afirmou com toda a naturalidade que é o STF quem deve legalizar as drogas, pois “o Supremo, como não tem que responder a questões eleitorais, pode mais facilmente tomar decisões que são controversas.”
Se há hoje na sociedade brasileira tanta insatisfação com relação à classe política, é certamente por conta das tantas decisões tomadas pelos políticos (muitas delas bem pagas!) que agridem tão frontalmente a vontade da população. Uma porção especial e generosa dessa insatisfação poderia muito bem ser destinada também a aqueles que, aproveitando-se do enfraquecimento do legislativo, tentam mais uma vez enganar o povo brasileiro, dessa vez através de políticos disfarçados com togas. Se concedermos a esses “novos políticos” todo o poder que eles desejam para si, poderá chegar o dia em que sentiremos falta daqueles que, ao menos, precisavam enganar-nos a cada nova eleição.
Sobre o autor: Kelvin Azevedo Santos, ingressante na Faculdade de Medicina da USP, é hoje estudante do Curso de Ciências Moleculares. Fundador do Instituto Alpha Lumen, em São José dos Campos – SP.
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