Fonte: BBC Brasil| Foto:

Considero o aborto um tema bem cabeludo, daqueles que costumam produzir muitos extremismos. Tenho poucos textos sobre o assunto, pois preferi sempre manter uma distância cautelosa, absorvendo os argumentos de ambos os lados e formando minha própria opinião, nunca muito forte nesse caso.

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Mesmo em minha fase de militante ateu, da qual me envergonho, não cheguei jamais a banalizar o aborto, apenas a atacar os dois extremos: aqueles que julgam que uma pílula do dia seguinte já seria análogo a meter uma bala na nuca de um bebê, e aqueles que acham que abortar é como cortar uma unha ou o cabelo, já que é “meu corpo, minhas regras”.

Dito isso, cada vez me convenço mais de que o pêndulo exagerou nas sociedades modernas*, que vivemos uma terrível banalização do aborto, e que isso não é compatível com a civilização humana. O ato de interromper uma vida humana em estágio embrionário deveria ser traumático mesmo, pois não é algo nada trivial.

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Mesmo quem é a favor em certos casos deveria compreender que isso envolve um grande dilema ético, que a questão não pode ser tratada como banal. Infelizmente, o avanço do movimento feminista tem sido concomitante ao desprezo cada vez maior pela vida do feto humano, do ser humano em potencial.

Vivemos em uma época tenebrosa onde uma galinha pode ter mais valor do que um feto humano, e veganos que se julgam os seres mais nobres do planeta, influenciados pelo filósofo Peter Singer, seriam capazes de matar ou morrer para salvar um rato de laboratório, mas não perderiam um segundo de sono num procedimento abortivo que tritura e suga do útero para o lixo um feto humano.

Também vivemos em tempos estranhos em que a ciência acaba ignorando dilemas éticos e, como em Admirável Mundo Novo, acaba por desafiar tudo aquilo que nos é humano, que nos faz humanos. Sobre isso recomendo o instigante livro A abolição do homem, de C.S. Lewis.

E é nesse contexto que só posso festejar muito a notícia incrível da criança que nasceu duas vezes, pois foi retirada do útero para uma delicada cirurgia, e lá recolocada, para que continuasse sua fase de desenvolvimento intrauterino até o nascimento definitivo. É um verdadeiro milagre da ciência, da vida, da inteligência humana calibrada pela ética humana. Diz a reportagem:

A mãe de Lynlee, Margaret Boemer, estava esperando gêmeos, mas perdeu um dos bebês no primeiro trimestre de gravidez. Quando veio o diagnóstico do bebê sobrevivente, os médicos recomendaram que ela interrompesse a gestação por completo. Porém, havia uma opção: uma arriscada cirurgia que seria a vida ou morte para a criança. A bebê teria 50% de chances de viver.

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O tumor e Lynlee tinham quase o mesmo tamanho quando a operação foi realizada, na 23ª semana de gestação. “A escolha era entre deixar o tumor fazer o coração dela parar ou dar a ela uma chance de vida”, diz Margaret. “Foi uma decisão fácil: escolhemos dar vida a ela.”

Como não se emocionar? Como não ficar tocado com isso? E como não celebrar que esse tipo de fé na vida ainda exista mesmo em meio a uma campanha feminista e desumana tão forte dos “progressistas”? Não vamos esquecer que a candidata Hillary Clinton defendeu, em debate para o mundo todo, o aborto em casos de até 9 meses de gestação!

E não fosse isso monstruoso o bastante, a reação do mundo, dos jornalistas, dos formadores de opinião, foi ficarem horrorizados com as baixarias de Trump sobre mulheres, não com a defesa tranquila do assassinato de bebês!

Quero viver numa sociedade em que a vida humana é mais valorizada, desde sua concepção. Quero viver numa civilização que não banaliza o ato de interromper, com métodos violentos, uma gravidez. Quero viver num mundo que coloca a ciência a serviço da vida humana, tentando sempre salvá-la, considerando-a sagrada, fazendo o possível para preservá-la, em vez de torná-la irrelevante, desprezível, ou equivalente à de qualquer animal.

Se por conta disso mereço o rótulo de “conservador”, não poderia ligar menos. Nunca fui muito de me apegar aos rótulos. Defendo aquilo que acredito como certo, como bom. E quando vemos do que os seres humanos são capazes para salvar uma vida de um humano em estágio fetal ainda, isso só pode alimentar nossa esperança em nossa espécie, apesar de tudo.

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* Essa tese de que o pêndulo exagerou e necessitamos resgatar a civilização foi aprofundado por mim no curso online “Civilização em Declínio”, em que tento mostrar justamente como precisamos salvar o liberalismo clássico dos “liberais” moderninhos.

Rodrigo Constantino