Por Thiago Kistenmacher, publicado pelo Instituto Liberal
Imagine que um rapaz… “com sua saúde “no ponto”, está prestes a ter momentos agradáveis com uma garota que muito lhe atrai. Ele se arruma, pensa na melhor forma de agradá-la, de ser cavalheiro, e vai em frente. Imagine agora qual não é a sua decepção quando o jovem descobre que a garota, embora simpática, não passa de uma histérica que vê machismo até no ato de pagar a conta, ou pior, até nos Sofrimentos do Jovem Werther, de Goethe, que ele comenta ter lido recentemente. A partir dali sua liberdade está confiada às masmorras do despotismo ideológico feminista.”
Fiz esta introdução para aludir a uma reportagem que tive a infelicidade de ler no site do National Review e intitulada Feminist Internet: Harry Potter Perpetuates Rape Culture [Internet Feminista: Harry Potter Perpetua a Cultura do Estupro]. Neste texto, a jornalista Katherine Timpf menciona um artigo publicado no blog feminista Bustle e que tem Emma Lord como autora. (Obs: não compreendo como Emma ainda não se rebelou contra o seu próprio sobrenome, Lord. Um sobrenome que significa “Senhor” não seria patriarcal? Fica a reflexão).
O texto de Emma, intitulado The Unexpected Way “Harry Potter” Perpetuates Rape Culture, [A Forma Inesperada de Harry Potter Perpetuar a Cultura do Estupro], aponta que “a série Harry Potter perpetua a cultura do estupro porque há porções do amor envolvidas em algumas estórias” e que “isto é evidentemente problemático.” A senhorita Lord ainda afirma estar surpresa pelo fato de ninguém ter ficado chocado com “uma das coisas mais evidentemente problemáticas na série: a existência e o uso livre de porções do amor.” Mas não é comum que uma série sobre magia contenha porções mágicas? Katherine Timpf chama atenção para este fato óbvio.
A feminista Lord (cômico) escreve que a mera existência das poções na série Harry Potter é um problema, isto é, não somente a forma como é utilizada, mas a existência das poções por si só caracterizaria um problema que se estende para todos os outros livros de literatura. A porção, no caso, seria uma forma de “opressão”, de “domínio” e, por consequência, uma forma de facilitar o abuso sexual. Em suma, a moça acredita que o uso de porções do amor da série colabora para que as pessoas da vida real droguem umas as outras e se aproveitem, perpetuando, assim, o que ela chama de “cultura do estupro”. Intrigante, será que criminosos que drogam os outros costumam ler romances?
Katherine Timpf, por sua vez, para falar o óbvio, diz que em tempos de histeria é sempre imprescindível, deixa bem claro que drogar alguém a fim de que esta pessoa seja abusada é algo condenável! Isso já caracteriza crime, não é?! Ainda que as histéricas neguem, existe um abismo entre um tapa dado num momento de discussão e um puxão de cabelo dado em outros momentos.
Com uma conversa do gênero, ou melhor, de gênero, o rapaz do motel já teria se arrependido de ter saído de casa. Se tudo é opressão e ameaça, se tudo, mesmo os mais fantasiosos livros de literatura contém “machismo”, onde iremos parar? Mas pior do que pensar onde poderemos chegar é nos darmos conta de onde já chegamos. Hoje existem feministas que se sentem ofendidas por ganharem flores no Dia das Mulheres. Uma mulher que se sente ofendida por ganhar uma flor é uma ofensa para as mulheres.
Se continuar assim, chegará o dia em que haverá dois tipos diferentes de preservativos, um que previna doenças sexualmente transmissíveis e outro que previna “doenças socialmente construídas”, ou seja, livros chatos distribuídos em postos de saúde. Para estimular – ou não – os casais, os motéis transmitirão vídeo aulas de como o homem deve se portar sem que colabore para a “manutenção da sociedade patriarcal”. Até imagino o casal começando a terminando sua noite tentando compreender o conceito de biopoder. Mas convenhamos, ouvir sobre biopoder num ambiente como este deve ser tão estimulante quanto ir a uma cervejaria com um grupo de puritanos.
Esqueçam Nicholas Sparks, para não ser “misógino”, em caso de emergência, convirja à esquerda e esteja munido com citações de Judith Butler e Simone de Beauvoir.
Concordo com Katherine, que propõe que a feminista Lord (deveria mudar para Lady?) escreva um romance no qual não haja conflito algum e ver como será recebido pelos leitores. Ainda conforme Katherine, se a feminista Lord tem algum problema com os enredos da literatura, poderia escrever livros nos quais “todas as identidades de gênero, raças, nacionalidades, religiões, sexualidades e níveis de habilidade fossem igualmente representados”. Tal livro, escreve Katherine, “seria popular como o inferno.” Talvez a feminista Lord pudesse também escrever manuais de segurança e de conduta masculina os quais os motéis poderiam disponibilizar em todos os quartos sobre as camas. Poderia criticar e reeditar o Lobo Mau, por tentar enganar a Chapeuzinho Vermelho. Será que Emma Lord já leu Madame Bovary? O que ela diria da forma como Gustave Flaubert retratou Emma?
Que a personagem literária que mais represente os anseios da senhorita Lord pela “liberdade” seja a Rainha do romance Alice no País das Maravilhas, que mandava arrancar a cabeça de todos aqueles de que não gostava. Vigiar e Punir [1], é para isso que os movimentos sectários servem. Luta pela liberdade? Quem é livre sob tal censura?
É melhor parar por aqui, até mesmo porque o rapaz do começo do texto já deve ter saído do motel frustrado, rachado a conta, deixado a histérica em casa e lhe bloqueado no Whatsapp. Ele chegou a pensar em convidá-la para jantar, mas como a garota já havia lido Carol J. Adams e falado sobre o “machismo que pode haver no ato de comer carne”, ele preferiu recuar. Não gostaria de ter que discutir sobre A Política Sexual da Carne e a Relação Entre o Carnivorismo e a Dominância Masculina [2] durante o jantar. Enfim, quando Foucault vai ao motel, principalmente se acompanhado por Judith Butler, nada pode dar certo mesmo.
Se alguém conhecer Emma Lord, avise a moça que Aldous Huxley e George Orwell escreveram distopias, não manuais políticos.
[1] Alusão ao livro Vigiar e Punir, de Michel Foucault.
[2] Para aqueles que pensaram ser um exagero ou piada, me refiro ao livro de Carol J. Adams intitulado A Política Sexual da Carne: a Relação entre o Carnivorismo e a Dominância Masculina.
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