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Em The Treason of the Intellectuals, Julien Benda define o que chama dessa traição dos intelectuais como uma espécie de excessivo pragmatismo daqueles que deveriam colocar a busca desinteressada pela verdade acima de interesses políticos imediatos. É quando o intelectual abandona essa sua função mais elevada e se torna um militante político, um propagandista nacionalista, colocando sua habilidade intelectual a serviço de uma missão mundana em vez de sua própria mente, que ocorre essa traição.

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Entende-se que mesmo um intelectual seja também um cidadão, e por isso esteja interessado em coisas mais prosaicas, como uma eleição ou “interesses nacionais”. Mas enquanto intelectual, sua atividade mental deveria estar focada nessa busca desinteressada pelo conhecimento, pela virtude e pela verdade. Se ele sacrifica isso tudo no altar do pragmatismo, colocando o foco nos resultados de curto prazo de forma míope, então ele trai sua missão de intelectual.

Nesse clima de “tudo ou nada” da política nacional, tenho visto com tristeza alguns desses intelectuais abandonando seu papel de pensador para se transformar em militante partidário, em bajulador de político, o que é sempre um caminho perigoso e, normalmente, sem volta. Um militante é aquele que precisa exagerar nos elogios e esconder as críticas, ou seja, já larga abandonando a característica básica de um verdadeiro intelectual: o compromisso com a verdade.

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Se o intelectual, enquanto cidadão, acredita que a vitória ou derrota de um candidato X representa, de fato, a sobrevida da esperança ou a morte da nação, então ele encontrará justificativa para agir dessa forma tão pragmática e maquiavélica, alegando que é uma questão de “vida ou morte”. Afinal, de que adianta manter a postura intelectual correta numa Venezuela destroçada? Será que não teria valido a pena os intelectuais sacrificarem suas missões nobres em troca de uma militância contra Chávez e Maduro?

Mas, via de regra, não se trata de um caso tão binário assim. Raramente um político será o messias salvador da Pátria, e tampouco é trivial realizar o estrago todo causado pelos bolivarianos, o que demanda uma total corrosão institucional. Basta pensar que, no Brasil, seu análogo, o PT, viu seu projeto de poder erodido, e Dilma sofreu impeachment enquanto Lula está preso. Podemos pensar ainda no Chile, na Argentina, no Uruguai, na Colômbia.

Logo, há preferências pessoais, o intelectual, enquanto cidadão, pode acreditar que o candidato X representa uma chance bem melhor para o país do que o candidato Y, que seria um retrocesso. Mas talvez seja exagero apelar para a retórica de “vida ou morte”, o que torna a justificativa do intelectual que trai sua missão um pouco mais difícil. Fica parecendo puro projeto de poder mesmo.

No fundo, será preciso matar a consciência individual, e repetir ad infinitum que sua militância tem uma razão nobre de ser, mesmo que seja uma mentira, um autoengano, muitas vezes por motivos comezinhos, como pagar as contas (um amigo chama isso de “monstro do boleto”, capaz de desvirtuar os menos corajosos ou idealistas). Até os filósofos precisam se preocupar com o leite das crianças!

Compreender a transição de intelectual para militante não é defende-la. Podemos, como seres humanos, aceitar o pecador, mas temos a obrigação de condenar o pecado. Até porque, segundo Benda, essa sempre foi a mais relevante missão do intelectual: em vez de se curvar diante dos desejos pragmáticos do “homem comum”, apontar um norte mais elevado, o que deveria ser o comportamento virtuoso, ainda que difícil de alcançar.

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A direita brasileira vive seus dias de ascensão, mas também de racha interno. Por ter supostamente pela primeira vez um candidato efetivamente conservador, muitos acham que é preciso abandonar a função de intelectual e abraçar com vontade o cargo de militante. Alguns fizeram isso oficialmente, com ocupações partidárias, o que impede qualquer imparcialidade intelectual.

Diante desse quadro, alguns formadores de opinião têm deixado claro que é preciso traçar uma linha divisória entre a independência de pensamento e a militância partidária. Estão preocupados com os valores conservadores, com princípios eternos, não com o resultado de uma eleição, ainda mais sabendo que o candidato em questão não é exatamente um ícone do conservadorismo. Eles entendem também que combater o politicamente correto não é sinônimo de ser tosco ou idiota. Querem, enfim, elevar o nível do debate, não agitar massas como faz um típico militante.

Como a turma militante vai intensificando o tom com a aproximação das eleições, acusando de “inimigo” todo aquele que não se transforma também em militante, os verdadeiros intelectuais conservadores reagem, em prol do conservadorismo, da decência, da atividade intelectual desinteressada. O lado de lá sobe ainda mais o tom, e passa a acusar de “vendido” todo aquele que se recusa a virar um militante bajulador de político. Nunca foi tão importante, portanto, desenhar essa linha para separar o joio do trigo e preservar o conservadorismo de boa estirpe.

Felipe Moura Brasil, que tem sido alvo desses militantes, foi um dos que reagiram, especialmente quando um “intelectual” militante passou a pregar queima de livros: “Como falei ao Pânico e tantas vezes há anos, jamais digo a alguém que não deve ler determinado autor ou livro, muito menos que deve queimá-lo. Incentivo, sempre, é que também se leia a contra-argumentação, para que se forme juízo sem imposição nem monopólio de ideias de ninguém. […] Demonização obscurece fatos. Desanuviar ambiente cultural requer distingui-los em meio a ranços pessoais. Fatos em torno de pessoas mais demonizadas ficam mais obscuros. Distingui-los não é defendê-las, como demonizadores acusam e inocentes úteis creem. É trazer luz para análise”.

Martim Vasques da Cunha também saiu em defesa da moral contra a militância intolerante: “O totalitarismo sempre começa assim: qualquer um se acha dono da verdade e, quando tem um gostinho pelo poder, quer impô-la ao outro. São os eunucos espirituais, que existem tanto na esquerda como na direita. Não foi para isso que, desde 2001, eu luto contra a esquerdopatia. […] Aprendam uma coisa neste mundo: nunca devemos ser TOLERANTES com os INTOLERANTES, de qualquer espectro ideológico”.

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Alexandre Borges também se viu na obrigação de reagir: “Turma ainda confunde ‘liberdade de expressão’ com ‘salvo conduto para qualquer coisa que você fale’. Você deve ter direito de falar o que quiser sem censura prévia, mas isso não te livra das consequências. Jordan Peterson: ‘não sou defensor da liberdade de expressão como um fim em si, o objetivo final é sempre buscar a verdade. A liberdade de expressão é um meio para se chegar a este fim’. Outro erro: confundir ‘politicamente incorreto’ com tosco, grosseiro ou vulgar. ‘Politicamente correto’ é quando a agenda política da narrativa é mais importante que os fatos, as evidências e a verdade. É possível falar a verdade de forma elegante, se e quando necessário”.

Bruno Garschagen também tem lutado a boa luta, acusado os “jacobinos de direita”, e gravou recentemente um vídeo explicando a diferença entre um conservador e um “conservantista”:

Flavio Quintela também se manifestou, resgatando o famoso poema de Eduardo Alves, adaptado para o caso específico em pauta: “Um dia, queimaram os livros do Paulo Freire, e eu me calei. No dia seguinte, queimaram livros de diversos outros autores de esquerda, e eu me calei. Um dia depois, queimaram os livros de todos os “inimigos”, inclusive o meu. Não havia mais ninguém para me defender”.

Francisco Razzo saiu em defesa de Martim Vasques, quando esse foi atacado pela turba, e apontou o que parece método na “loucura”: “Escreveram: ‘Segundo o camarada aí (referindo-se ao , que criticou a piada), é errado por querer que livros que pregam o desensino e ideologias vis … continuem em circulação moldando pessoas e pensamentos?’. Há método na loucura aqui também ou só cabe aos críticos?”

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Mas a réplica do outro lado é sempre a mesma: chamar esses conservadores que se recusaram a abandonar a atividade intelectual em prol da militância partidária de “direita maricas”, de “direita limpinha”, ironizando o que deveria ser uma virtude de todo e qualquer pensador sério: a independência na busca pela verdade e o compromisso com a decência. Não é “treta” ou “briguinha” de rede social, e sim uma distinção importante, diria fundamental dentro da dita direita. Comprar essa briga é crucial para preservar a essência do conservadorismo, que não combina com seita ideológica, menos ainda com departamento de marketing de político.

Por isso também me vi compelido a reagir, uma vez que não estou disposto a optar pelo silêncio em troca de qualquer pragmatismo ou covardia. Lembro sempre da máxima de Burke, de que tudo que o mal necessita para triunfar é do silêncio dos bons. Escrevi em minha página do Facebook:

É ali onde se começa a recomendar queima de livros que os extremos se encontram, numa mistura autoritária que torna indistinguível esquerda e direita. “Ah, direita maricas, não sabe o que é guerra cultural!” Sei sim. É algo que se não tomarmos cuidado nos devora, tornando-nos exatamente iguais ao inimigo que queríamos derrotar. Disso, estou fora! 

O modus operandi da turma: primeiro, aplaude caminhoneiro que faz greve queimando pneu como se fosse um black bloc. Aí diz que quem não está com seu candidato é seu inimigo, como fazem petistas. Depois sugere queimar livros. Percebe que exagerou e se defende alegando que foi apenas uma piada, mesmo sem ser humorista e sem qualquer vestígio de graça no comentário. Ao se tocar da grande cagada, escala o time para acusar todos que criticaram a estupidez de “ataque coordenado” e “assassinato de reputação” (suicídio seria um termo mais adequado), numa típica inversão estilo marxista. Essa galera está cada vez pior, com a eleição se aproximando e o sonho com o “precioso” anel…

Eis a pergunta que todo pensador deveria se fazer, no escurinho do quarto, na tranquilidade do lar, diretamente à sua consciência: quanto vale uma vitória de Bolsonaro? Ela vai mesmo “salvar” o Brasil? Só ela é capaz de impedir o destino venezuelano, mesmo se o adversário não for do PT? Cada um terá sua própria resposta, que é subjetiva.

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De minha parte, estou bem cansado dos tucanos, ainda que não veja neles uma ameaça totalitária socialista, e sim “mais do mesmo”, que é muito ruim. Procuro enxergar as qualidades de Bolsonaro também, entender até onde vai seu desejo de delegar a Paulo Guedes a área econômica. Mas de uma coisa estou certo: não estou disposto a sacrificar minha liberdade intelectual, meu apreço pela verdade, meu compromisso com minha própria consciência, em nome de algum pragmatismo imediatista. Não nasci para ser militante partidário, muito menos bajulador de político.

Rodrigo Constantino