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Quando as regulações estatais podem custar vidas, a solidariedade é fundamental

Por Lucas Berlanza, publicado pelo Instituto Liberal

Depois da comoção com o bebê britânico Charlie Gard, que faleceu após uma longa batalha judicial, um caso chama a atenção no Brasil – especificamente, em Petrópolis, no Rio de Janeiro. É o drama do bebê Francisco, de um ano e meio, diagnosticado aos três meses de vida com uma grave doença chamada amiotrofia muscular espinhal (AME). Acreditamos que há muito que podemos aprender com esse caso – e também muito que podemos fazer pelo nosso personagem e seus genitores devotados.

A AME é uma enfermidade seríssima, capaz de atacar o sistema nervoso a ponto de imobilizar o paciente ou mesmo impedir que respire. O óbito habitualmente chega até os dois ou três anos de idade – portanto a família de Francisco, para ajudar o seu bem mais precioso, tem pressa. E não está sozinha. Há mais crianças nessa situação. Uma delas, Amanda Victoria, uma pequena goiana. Tanto os pais de Francisco quanto os pais de Amanda tinham apenas uma esperança: um medicamento inovador chamado Spinraza, já registrado nos EUA, Europa, Japão e Canadá – informação confirmada pela própria agência reguladora brasileira, a Anvisa. Sem o registro, o medicamento só pode ser conseguido mediante a exorbitante quantia de R$ 3 milhões para as seis doses necessárias ao início do tratamento. R$ 3 milhões que podem ser, para essa e outras crianças, hoje, a diferença entre a vida e a morte.

A família de Francisco entrou com um processo na União, pedindo para ter acesso ao remédio, que já vem mostrando, de acordo com alguns médicos – e a própria mãe de Francisco, Daniela, é médica –, resultados excelentes nos países em que está sendo adotado. Ganharam a primeira liminar, de acordo com o Tribuna de Petrópolis, mas houve recurso e hoje o processo aguarda julgamento do relator.

O caso da pequena Amanda teve desfecho distinto, por ora. No último dia 21 de agosto, a presidente do STF, Carmen Lúcia, negou um pedido do Governo de Goiás para suspender os efeitos de uma liminar semelhante, exigindo que ela tivesse acesso ao medicamento. O médico havia afirmado que, sem o começo imediato do tratamento, a menina não sobreviveria. O governo goiano alegou que a medicação é importada e não tem registro, além de apresentar alto custo. A ministra Carmen Lúcia, porém, entendeu que a vida de Amanda não poderia pesar menos que esses cálculos, quer burocráticos, quer financeiros. Ela citou uma decisão do Ministro Cezar Peluso, aposentado, na qual ele ressaltou que, em casos em que a medicação prescrita é o único remédio efetivo disponível para o tratamento clínico da doença e onde a suspensão dos efeitos da decisão impugnada pode causar algo mais grave que o contrário, aplica-se o princípio do “risco de danos inversos”.

A decisão, porém, não contempla Francisco, tampouco qualquer outra criança com a mesma doença. No dia 25, a Anvisa anunciou o registro do medicamento, que havia recebido uma sinalização de prioridade de análise. Esse, infelizmente, é apenas o primeiro capítulo dos trâmites da regulação e da disponibilização do medicamento via apoio do Estado. O remédio ainda precisa ser precificado na Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED) para então ser incluído na Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias do SUS (CONITEC). “Esse processo demora muito”, diz Daniela, a sofrida mãe, “Depois que o medicamento chega na Anvisa, pode levar até um ano para que ele chegue na CMED. Até chegar no SUS, um medicamento simples pode levar até quatro anos, imagina esse medicamento, que é mais específico?”.

Assim como a pequena Amanda não tinha, e não o têm outros bebês, Francisco não tem esse tempo todo para esperar. Ele tem pressa – e nenhuma outra opção para lutar pela vida. O pai, Daniel contou, em julho deste ano: “A doença é tão grave que a fase de testes do novo remédio foi encerrada em agosto de 2016, e aprovada pelo FDA (Anvisa dos EUA) para comercialização em dezembro do mesmo ano”.

O quanto vale a demora, como julgar a dinâmica das instâncias do Estado brasileiro acima referidas, o quanto recursos públicos são objeto de brincadeiras e joguetes para futilidades enquanto os dramas mais fundamentais passam longe da prioridade, deixo que os leitores avaliem. Este não é um artigo para criticar e descascar, como tantos que já lemos e escrevemos. Desta vez, gostaríamos de dividir com os leitores um bom exemplo. Se as liminares, ações, serviços públicos e burocracias se retardam, que fazer? Os pais de Francisco tomaram uma decisão: tentar a solidariedade verdadeira, a caridade legítima, como diria o grande liberal Frédéric Bastiat – aquela que não se confunde, de maneira alguma, com socialismo.

Uma única dose do medicamento custa R$ 478, 5 mil, JÁ COM IMPOSTOS – sempre eles, os famigerados impostos. O paciente precisa tomar seis no primeiro ano de tratamento. A família iniciou então a campanha AME Francisco, idealizando uma série ampla de iniciativas para arrecadar os fundos necessários.  Clarice Boechat, uma das porta-vozes da campanha, disse ao site Cleofas, que noticia o apoio de católicos de Petrópolis à mobilização, que a iniciativa “surgiu a partir do conhecimento da campanha de um menino chamado Joaquim, em Ribeirão Preto, que tem a mesma doença e já está em tratamento, “respondendo positivamente”. “Comecei a dar uma estudada sobre como estas campanhas para arrecadação de dinheiro para esse tipo de medicamento no Brasil foram funcionando”, ela complementou, “Aqui, como estamos em uma cidade bem menor do que Ribeirão Preto, para alcançar o resultado parecido ao que o Joaquim alcançou em um dia, que foi R$ 75 mil, resolvemos ampliar a ideia e pensamos em pedir o apoio e a autorização da Concer para fazer esta ação lá no pedágio”.

A ação a que ela se refere é um pedágio solidário no dia 10 de setembro, autorizado pela empresa concessionária que administra a via BR040, em Xerém-Duque de Caxias. O pedido foi feito com o reforço prodigioso da assinatura de diversas autoridades religiosas e civis, entre as quais aparece o Bispo da Diocese de Petrópolis, Dom Gregório Paixão.

No último dia 17 de agosto, a Catedral de Petrópolis realizou um chá beneficente no salão paroquial em favor de Francisco, com venda de rifas e ingressos; a campanha já atraiu os jogadores da Seleção Brasileira de Futebol de Areia, permitindo a realização de uma rifa de uma camisa autografada por todos eles; os jogadores do Flamengo, com a camisa autografada do jogador Diego também sendo rifada; o piloto Rubens Barrichello, que também rifou uma camisa; um show beneficente; feijoada; entre muitas outras atividades em prol da vida do bebê.

São empresas, entidades religiosas, associações desportivas e indivíduos, se mobilizando para uma causa realmente nobre, que o Estado, até o momento, não conseguiu chegar perto de solucionar. Para a bandeira mais importante que pode haver no mundo: uma vida humana. Para facultar a essa vida o seu direito de tentar sobreviver.

“Repudiamos as formas de associação que nos pretendem impor, jamais a livre associação. Repudiamos a fraternidade forçada, jamais a fraternidade verdadeira. Repudiamos a solidariedade artificial, que não consegue outra coisa senão impedir as pessoas de assumirem suas responsabilidades individualmente. Não repudiamos a solidariedade natural”, citamos, novamente, Bastiat. Teorias lógicas e bem concatenadas são iluminadoras, mas nada melhor que a sublimidade irresistível de um exemplo.

Cumprimos aqui nossa obrigação: se é importante destacar as torpezas da nossa cultura patrimonialista, as ameaças da opressão do Estado paquidérmico, as ineficiências da nossa burocracia, é também fundamental mostrar o que dá certo. Mostrar que há gente de bem. Mostrar, sobretudo, o poder que o indivíduo e a sua livre iniciativa têm para melhorar a vida das pessoas e prestar socorro a quem realmente precisa. Se acreditamos nisso, não podemos permanecer apenas nas palavras. É preciso, dentro das possibilidades de cada um, fazer sua parte para dar testemunho desse princípio.

Se puder ajudar, ajude; os dados estão na página do movimento AME Francisco. Há outras crianças com a mesma necessidade também. Se não puder, divulgue. O indivíduo consciente dos seus melhores princípios pode fazer a diferença.

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