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Aqui nos Estados Unidos, a esquerda conseguiu usurpar o termo liberal para si, e hoje a dicotomia se dá entre esses “liberais” e os conservadores. Mas entre os conservadores, há grande parcela dos antigos liberais clássicos, e alguns mais radicais preferiram se denominar libertários para marcar as diferenças. É no lado republicano conservador, porém, que o legado do liberalismo permanece sendo defendido, em termos gerais.

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Quando comecei a perceber a intenção da esquerda brasileira de fazer o mesmo em nosso país, após a derrocada do esquerdismo com o governo lulopetista, declarei guerra a tal estratégia, por entender como ela foi prejudicial ao liberalismo nos Estados Unidos. Liberais que defendem política de identidade, hedonismo irresponsável, relativismo moral, fim de controles da fronteira, desarmamento e aborto? Não, esses não são liberais, mas sim “progressistas” de esquerda.

É verdade também que, do lado direito, há conservadores que não são liberais, apesar de pontos de convergência, e nacionalistas autoritários, reacionários e estatizantes que sequer conservadores são, ou ao menos não os “de boa estirpe”, que sustentam o legado do Iluminismo britânico. Mas os liberais clássicos ainda são minoria política, e quem não tem cão caça como gato.

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É por isso que liberais têm se dividido entre apoiar centro-esquerdistas como os tucanos, ou Jair Bolsonaro, que tem feito esforço para ser ou parecer mais liberal, ao menos na economia. Candidatos mais liberais mesmo até temos nessa eleição, como João Amoedo do Novo e Flávio Rocha do PRB, mas ambos apresentam mínimas chances de acordo com as pesquisas. O que fazer então, do ponto de vista mais pragmático?

Eu posso entender o liberal que tem medo de Bolsonaro, que enxerga apenas sua militância raivosa nas redes sociais ou seu passado estatizante, e por isso fecha com o PSDB de Alckmin. Posso entender, mas não concordo. Acho que o Brasil cansou dessa hegemonia de esquerda e precisa de uma guinada à direita, ainda que mais conservadora do que liberal. O pêndulo extrapolou demais para o lado “progressista”, e o caos está aí para comprovar.

Mas, se posso compreender um liberal que, por receio de Bolsonaro, fecha com Alckmin, simplesmente não é compreensível ou aceitável um liberal que fecha com Ciro Gomes! Em absolutamente nada Ciro é melhor do que Bolsonaro, do ponto de vista liberal. No aspecto econômico, que costuma ser o foco de muito liberal, Bolsonaro indicou Paulo Guedes para ministro da Fazenda, assumindo com humildade seu desconhecimento na área. Já o ministro de Ciro seria… Ciro mesmo, ou algum fantoche qualquer. O “coronelzinho” acha que entende tudo de economia, e eis onde mora o perigo.

Que Bolsonaro é bem melhor do que Ciro pela ótica liberal está fora de qualquer dúvida. Mas tem algum liberal que prefere Ciro? Bem, não são liberais de fato, mas tem a turma “liberal” do Livres e do Renova que fechou com o PPS do ex-comunista Roberto Freire, e esse, por sua vez, pode pular do barco furado tucano e cair no colo do destemperado Ciro Gomes, segundo coluna de Ancelmo Gois (nunca muito confiável, é bom lembrar):

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Ciro Gomes, que flerta com o PT, poderia atrair Roberto Freire e seu PPS, que absorveu “liberais” do Livres: que coisa linda! Quando critiquei o esquerdismo evidente dessa turma, e disse que jamais um liberal se sentiria em casa num partido como o PPS, fui criticado por um deles, Paulo Gontijo, e outros “liberais” que me atacam com frequência por eu não ser mais crítico a Bolsonaro (e sou bastante, mas não sou cego para a realidade da política nacional).

Então quer dizer que qualquer aliança com Bolsonaro, mesmo tendo Paulo Guedes como eventual ministro da Fazenda, deve estar fora de cogitação, mas namorar com o esquerdista Roberto Freire e até com Ciro Gomes tudo bem, está liberado? Que tipo de “liberal” é esse que prefere Ciro Gomes a Paulo Guedes? Hoje, por acaso, tinha a coluna de Guedes no GLOBO, logo depois dessa nota de Ancelmo Gois. Eis o que ele escreveu:

Somos prisioneiros do fechamento cognitivo da social-democracia brasileira ante o desafio econômico do baixo crescimento e o desafio político da corrupção sistêmica. A hipertrofia e o aparelhamento do Estado deturparam valores morais e práticas políticas. Fabricaram escândalos, desmoralizaram partidos e reduziram nosso crescimento.

[…] Instituições obsoletas e estagnação econômica são sintomas da falta de sintonia da plataforma social-democrata com os requisitos da nova ordem global. Com regimes previdenciários irrealistas, legislações trabalhistas inadequadas e organizações sindicais anacrônicas, a armadilha social-democrata tornou inflexíveis os mercados de trabalho. O problema do desemprego crescente é mais agudo entre os jovens. Bilhões de eurasianos mergulharam nos mercados de trabalho globais, condenando ao desemprego em massa países com mercado de trabalho inflexível. Uma verdadeira guerra mundial por empregos.

O avanço das novas tecnologias aprofunda o desemprego e ameaça de marginalização toda uma geração ao impedir o acesso de jovens pouco experientes aos mercados de trabalho digitalizados. Ainda jovens e já sem futuro, devem perguntar a seus pais por que as garantias trabalhistas e previdenciárias outorgadas a si próprias pelas gerações mais velhas destruíram a capacidade de geração de empregos para os mais jovens. Herdam de seus pais valores morais, bens materiais mas também suas instituições. E o conflito entre gerações aumenta quando a juventude é ameaçada pelo despreparo, pelo egoísmo e pela irresponsabilidade dos mais velhos com seu legado institucional.

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Pergunto: dá para comprar tal lucidez liberal com qualquer coisa já dita ou pregada por Ciro Gomes, defensor do nacional-desenvolvimentismo adotado pelo PT que destruiu o Brasil? E esses “liberais” vão continuar condenando todo liberal que, por falta de opção concreta, defender o voto útil em Bolsonaro, enquanto migram para partidos que podem apoiar a candidatura de um sujeito como Ciro Gomes? É sério?

Volto ao caso americano para concluir. É perfeitamente legítimo um liberal que critica Donald Trump, alguém que claramente não é liberal, ainda que tenha adotado muitas políticas liberais. O que não parece muito legítimo é um liberal detonar Trump e enaltecer Obama ou Hillary Clinton, dois esquerdistas radicais e certamente bem mais distantes do liberalismo clássico do que o próprio Trump. Quem tem queda por Hillary e Obama e ojeriza de Trump só é “liberal” no sentido americano mesmo, ou seja, esquerdista que roubou até o rótulo dos liberais.

Rodrigo Constantino