Há uma grave crise de representação hoje nas democracias modernas. No Brasil, então, ela é ainda mais grave. Os eleitores simplesmente não se sentem representados por aqueles que ocupam as cadeiras no Congresso e no Senado. São vários os motivos, mas um deles merece atenção aqui: o corporativismo da turma. Uma vez no poder, independentemente do discurso que o levou para lá, o deputado adota postura de “camarada”, tentando resguardar certos privilégios da “classe”.
Se esse foi um dos males da União Europeia que levou ao Brexit, com os britânicos cansados do luxo e dos privilégios dos burocratas e políticos em Bruxelas, ele é ainda maior em nossa jovem e capenga democracia, com tanto poder concentrado em Brasília. Talvez se houvesse voto distrital esse distanciamento entre governante e governado não fosse tão grande. Mas, do jeito que a coisa está hoje, há um abismo os separando.
O jornalista José Nêumanne falou disso em sua coluna hoje no Estadão, tendo como pano de fundo a prisão do ex-ministro petista Paulo Bernardo, que já foi inclusive revogada pelo ministro Dias Toffoli, do STF. A reação de muitos políticos, inclusive da oposição ao PT, mostra que há um limite para o ímpeto justiceiro que toleram. Entende-se: eles sentem medo de, amanhã, serem os alvos, a estátua em vez de a pomba. Diz Nêumanne:
A Custo Brasil desnuda ainda uma expressão funesta da representatividade de nossa democracia: o corporativismo nefasto de “representantes” dos cidadãos, que mimam parceiros da corporação política e esquecem os representados. O PT, fundado para pôr fim à politicagem e à corrupção, não se solidarizou com os servidores, dos quais 46% dos sindicatos são filiados à CUT, nem com os mutuários de “sua” Bancoop ou os acionistas de “nossa” Petrobrás. Mas, sim, com ex-tesoureiros e mandatários vassalos do desgoverno afastado.
O Senado, por decisão do presidente, Renan Calheiros (PMDB-AL), exigiu do Supremo Tribunal Federal (STF) a anulação da busca e apreensão na casa de Bernardo, pedida pelos promotores, autorizada pelo juiz e efetuada pelos policiais. Motivo: o preso é casado com uma ex-chefe da Casa Civil de Dilma, Gleisi Hoffmann, que, senadora, tem direito a impunidade seletiva, vulgo foro privilegiado. Assim, o “direito alagoano” reescreve o romano e o anglo-saxônico ao instituir o puxadinho do privilégio, garantido no foro de Murici, em que os dois gozam o benefício de um pelo tálamo de ambos.
Essa comiseração corporativista inspirou a desfaçatez dos maganões. Com o tom exaltado com que execra Dilma, mas sem mais autoridade para manter a exaltação ao impeachment, o líder tucano na Casa, Cássio Cunha Lima, vociferou contra a violência de juiz, promotores e policiais, que “humilharam” a coleguinha casada com o indigitado. Sem levar em conta que o juiz tinha vedado na busca a coleta de quaisquer pertences ou documentos da esposa do procurado. O insigne líder do partido, que jura fazer oposição, não fez justiça aos funcionários furtados, mas aderiu ao coro mudo dos omissos, em que petroleiros calam quanto à bancarrota da Petrobrás, bancários ignoram o uso desavergonhado do BNDES e sindicalistas, o arrombamento dos fundos de pensão.
De fato, a classe política parece mais preocupada em proteger seus “direitos” do que limpar o Brasil de vez dos abusos cometidos pelos próprios políticos. É um corporativismo insensível para com as reais demandas da população. Só que é preciso deixar o alerta a eles aqui: vejam o resultado disso no Reino Unido. Há um limite de tolerância do povo. Além dele, os demagogos e populistas serão vistos como heróis do “homem comum”.
O fenômeno Donald Trump nos Estados Unidos, como o de Nigel Farage na Inglaterra, está diretamente ligado a esse corporativismo do establishment político. Cada vez que os políticos tentam se proteger enquanto classe, mantendo privilégios indevidos, a população fica mais indignada, e cria-se espaço para algum aventureiro de fora que possa limpar essa sujeirada toda.
Rodrigo Constantino