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Por Thiago Kistenmacher, publicado pelo Instituto Liberal

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Acabei de ler um belo texto de Francisco Razzo intitulado Mais Nietzsche, Menos Bolsonaro e imediatamente lembrei-me de outros três nomes: Platão, Kant e Lula. Sim, eu sei que citar os três na mesma linha pode parecer bizarro, mas explicarei a razão pela qual creio ser pertinente uma discussão que os envolva.

Para Platão o rei deveria tornar-se filósofo. Ele, que acreditava no mundo das ideias, defendia a existência de um rei-filósofo porque este, tendo contemplado a verdade (ἀλήθεια – alétheia, no grego), possuiria, por isso, a capacidade de melhor conduzir a cidade.

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Dessa forma, este rei-filósofo, que havia saído caverna na qual grande parte do povo se encontrava aprisionado, deveria ocupar o posto hierárquico mais alto da cidade. No livro V da República observamos a importância dada por Platão à encarnação da filosofia com a política num mesmo homem. Escreve ele:

“Enquanto os filósofos não forem reis nas cidades, ou aqueles que hoje denominamos reis e soberanos não forem verdadeira e seriamente filósofos, enquanto o poder político e a filosofia não convergirem num mesmo indivíduo, enquanto os muitos caracteres que atualmente perseguem um ou outro destes objetivos de modo exclusivo não forem impedidos de agir assim, não terão fim, meu caro Glauco, os males das cidades, nem, conforme julgo, os do gênero humano, e jamais a cidade que nós descrevemos será edificada.”

Claro que aqui nos encontramos com um projeto político utópico. Sabemos também que tentativas radicais de acabar com “os males” da humanidade sempre resultaram em males ainda piores. Mas Platão sabia que alcançar a cidade ideal não seria uma tarefa realizável da noite para o dia, ou, ainda, de um século para outro. Aliás, é provável que jamais se realizasse.

A alma humana sempre foi corruptível independentemente da capacidade intelectual do ser. O intelecto tem influência sobre as paixões, claro, mas a segunda sempre se provou mais vigorosa.

Por isso, para o filósofo alemão Immanuel Kant, conforme lemos em sua obra A Paz Perpétua, o rei não deveria ser filósofo. Mas, porque reina, o rei deve ter o filósofo como conselheiro. A razão disso é que Kant acredita – não sem razão – que o pensamento está sujeito à corrupção do poder, o que desvirtuaria as ideias dos filósofos. Diz ele: “Não é de se esperar que reis filosofem ou que filósofos se tornem reis, mas tampouco é de se desejar, porque a posse do poder corrompe inevitavelmente o livre julgamento da razão.”

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Com efeito, sob a ótica kantiana, caso o rei fazer-se filósofo, sua razão corre o sério risco de se submeter às delícias do poder, o que a torna necessariamente mais distante da verdade.

Visto de outra maneira, o rei-filósofo torna-se também perigoso. Com a máquina pública em mãos, é plausível que ele pare de tentar compreender o mundo – conforme Razzo salienta em seu artigo – e a coloque a serviço de suas abstrações a respeito de como o mundo deve ser.

Por isso podemos dizer que, neste aspecto, Kant discorda de Platão.

Mas afinal de contas, pergunta o leitor, o que Lula tem a ver com essa discussão filosófica? Respondo: tudo. E não seremos injustos. Se eu citei Platão e Kant, devo também citar o ex-presidente e atual presidiário Lula. A respeito do objeto aqui discutido, ele afirma:

“Eu não sou mais um ser humano. Eu sou uma ideia!”

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Platão aceitava que um filósofo pudesse chegar à verdade, porém, não que tal filósofo pudesse ser essa ideia. Penso, em vista disso, no que diria Platão se ouvisse alguém se autodeclarar a encarnação de uma ideia.

Se Kant criticou a existência do rei-filósofo, o que diria ele de um homem que se apresenta como um líder político que não é apenas um filósofo, mas a ideia em si? Quão corrupto estaria seu livre julgamento da razão? Completamente, suponho.

Mas vamos além. Logicamente, se um filósofo que governa será corrompido, anunciar-se como a própria ideia equivale a ser a corrupção em si. Não é por menos que muitos consideram Lula não apenas um político, mas a Verdade encarnada. Cristo não dizia conhecer a verdade. Ele afirmar ser a verdade. Lembremos de João 14:6: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida.”

Por conseguinte, podemos dizer que Lula, que acredita ser a encarnação de uma ideia, não pensa estar somente acima da lei, como também pensa estar além do mundo sensível.

Agora, no momento em que nos encaminhamos para o fim do texto, pode ser que o leitor esteja se perguntando a respeito dos dois outros nomes citados no título: Olavo e Bolsonaro. Sobre eles, uma constatação: entre seus seguidores há uma turba de sectários incorrigíveis que os consideram redentor – outra categoria arriscada – e filósofo rei.

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É claro que há alunos de Olavo de Carvalho que não o consideram infalível como um deus; é também evidente que há muitos eleitores de Bolsonaro que não são obcecados com a suposição de que ele seja a mais pura redenção política. Logo, se você se identificou com estes dois gêneros de admiradores, não é a você que me refiro.

Vimos acima, com Kant, as adversidades que pode haver quando um filósofo busca o governo; vimos também a arrogância de um líder que admite ser uma ideia; há também a ameaça de políticos serem vistos como redentores.

Assim, para os devotos de Bolsonaro, este é o redentor, o messias, o rei; para os discípulos fundamentalistas de Olavo, este não é um rei-filósofo, mas um filósofo-rei.

Junto ao artigo de Razzo, chamo atenção para esses dois outros nomes porque tenho visto pelas redes sociais os debates no qual Rodrigo Constantino entrou e que envolve tanto os devotos do redentor quanto os discípulos do filósofo-rei.

É deplorável a censura que muitos fazem àquele que critica as ideias dos seus ídolos. Afinal, se alguém ataca as suas ideias, ele ataca suas ideias – argumentum ad hominem é outra coisa. Mas se você leva tudo para o pessoal ainda que os argumentos estejam circunscritos ao campo das ideias é porque você abdicou de ser uma pessoa que pensa para ser uma ideia que caminha. Em outras palavras, se você tem um guru que considera intelectualmente inatacável, é porque já cometeu um suicídio racional.

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Lembremos que sujeitos que vêem a si próprios como seres iluminados e que adoram o posto de redentor, guru ou ideia viva, preferem um séquito composto por acéfalos. Desse modo sua posição jamais estará ameaçada.

Por fim, se você é do tipo que busca reis-filósofos, lembre-se de Kant; se busca algum messias, procure uma religião; mas se busca um guru, busque o amadurecimento.