Aqui nos Estados Unidos quase não se falou de outro assunto nesses dias. Rachel Dolezal foi desmascarada pelos próprios pais, que expuseram sua verdadeira identidade “racial”: branca de cabelos loiros. Dolezal era uma das mais importantes ativistas raciais do país, trabalhava na NAACP, e galgou degraus relevantes na profissão por ser uma negra militante.
O escândalo que revelou sua farsa foi tema da coluna de Demétrio Magnoli hoje no GLOBO, e expõe algo interessante: se antigamente vários negros fizeram o passing para se transformar em brancos, queimando documentos de seu passado com medo da absurda lei da gota de sangue, hoje vemos um caso na direção contrária, de uma branca que se transforma em negra. Diz o sociólogo:
Aparência é essência? No Brasil, o triunfo do racialismo depende da abolição da consciência da mistura. Nossas leis raciais têm a mesma meta que a Lei da Integridade Racial da Virgínia: traçar uma fronteira nítida, indelével, entre “brancos” e “negros”. Contudo, na falta da tradição de discriminação estatal americana, o expediente utilizado baseia-se na aparência. Para efeitos de concursos de ingresso ao ensino superior e ao funcionalismo público, serão negros os que assim se declararem — e forem aceitos como tais por improvisados “tribunais raciais”. Nesse sistema, não há fraude, mas uma operação social de reinvenção identitária: todos os que puderem exibir convincentemente “um rosto negro” serão rotulados como negros.
Se existem transgêneros, o que impede o advento de indivíduos transraciais? Dolezal, tudo indica, articulou uma estratégia de “sobrevivência” em torno de sua nova identidade racial. O “rosto negro” abriu-lhe veredas para conquistar prestígio político e ascender profissionalmente, numa sociedade que continua a distinguir as pessoas “pela cor de sua pele”, não pelo “conteúdo de seu caráter”. Por aqui, a expansão das leis raciais não provoca mudança alguma nos nossos ossificados padrões de exclusão social — mas oferece múltiplas oportunidades individuais, na vida acadêmica ou na carreira profissional. A raça torna-se ofício.
Os Estados Unidos possuem muitas coisas fantásticas, mas sem dúvida o tratamento da questão racial não é uma delas. Deveríamos tentar copiar muitos aspectos do modelo americano, mas nada temos a ganhar importando sua visão de raças. As colônias inglesas, afinal, segregaram os povos, enquanto as portuguesas assimilaram as diferentes etnias. Por isso o Brasil é um país tão mais miscigenado, enquanto nos Estados Unidos havia segregação oficial com essa esdrúxula lei da gota de sangue. O Brasil é um país de mulatos, de pardos, em que 40% da população rejeita critérios “puros” como branco ou negro. Os Estados Unidos são um país de brancos e negros (além dos hispânicos), e ponto.
O movimento racial brasileiro tem tentado imitar o americano, e com isso tem levado para nosso país uma mentalidade antes inexistente. Com as crescentes cotas raciais, será necessário criar “tribunais de raça” para averiguar se há “fraude” ou não, pois o critério é a autodeclaração. Como julgar? Com base no fenótipo? Haverá, então, um livro em degradê com todas as cores e tons do branco ao preto, com uma linha divisória definindo onde começa a negritude e onde acaba a branquidão? É isso que queremos para o Brasil?
O que o caso espantoso de Dolezal mostra é que cada vez mais o ativismo racial se tornou uma oportunidade de carreira “acadêmica”. Basta “ser” negro e pregar privilégios ou reparações para sua “raça”, de preferência atacando com virulência os brancos “opressores”, que haverá uma avenida de oportunidades políticas ou acadêmicas para a pessoa. No livro The Professors, David Horowitz mostra alguns casos de “professores” cujo ódio racial chega ao ápice de uma KKK às avessas, onde o branco merece morrer, é inferior, é um assassino (sim, todo branco, só pela cor da pele). E esses “professores” controlam departamentos inteiros em prestigiadas universidades!
Mais um lamentável atentado ocorreu hoje nos Estados Unidos, e o suspeito é um branco de 21 anos, que matou nove pessoas em uma igreja de uma comunidade negra em Carolina do Sul. Um horror! É preciso esperar as investigações para saber se a motivação foi realmente racial, mas provavelmente foi. A tensão racial tem aumentado aqui nos Estados Unidos. Alguns culpam as redes sociais, e pode ser. Mas eu não descartaria, em hipótese alguma, o discurso segregacionista, que o próprio presidente Obama usa!
Os movimentos raciais têm conseguido recrudescer o racismo, pois só enxergam negros e brancos, em vez de indivíduos, e muitos ainda pintam os brancos como o câncer do planeta. A marcha dos oprimidos, que inclui todas as “minorias”, tem fomentado uma segregação abjeta, colocando o “homem branco ocidental cristão” no banco dos réus como culpado por todos os males que assolam o mundo. Esse discurso de ódio serve apenas para estimular o ódio, em vez de combatê-lo. Não era nada do que Martin Luther King queria, por exemplo.
Quando vamos passar a julgar as pessoas por seus atos, não pela cor da pele? Quando vamos avaliar seu caráter, em vez dos ancestrais? Somente nesse dia o racismo será coisa do passado. Até lá, temos que lutar para deixar o próprio conceito de raça para trás, lembrando que somos todos da “raça” humana, e que a cor da pele é apenas mais uma das tantas características que nos compõem, como o credo religioso, a altura, a nacionalidade, etc. Não é o que nos define como pessoa!
Infelizmente, tanto os racistas brancos como os negros pensam diferente, e querem dividir o mundo justamente com base nesse único critério. Perdemos todos nós…
Rodrigo Constantino
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