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Realismo patriota: entre o ufanismo boboca e o complexo de vira-lata

O complexo de vira-lata, tão bem diagnosticado por Nelson Rodrigues, é derrotista e irritante, típico daqueles que só sabem criticar o Brasil e achar que não há lugar pior no mundo. Há, e o Brasil tem lá suas qualidades. Mas se esse complexo é irritante por um lado, pior ainda é o ufanismo boboca, típico daqueles que acham que o país é uma maravilha e usam lentes cor de rosa para enxergar nossa realidade totalmente distorcida. É o caso do economista Paulo Nogueira Batista Jr., apontado pelo PT para diretor do FMI. Em sua coluna de hoje no GLOBO, ele diz:

Estou há oito anos nos EUA e não posso dizer que me ambientei aqui — e muito menos que me afastei do Brasil. Esta coluna é uma das maneiras de que me socorro para manter o vínculo com o país.

Os EUA também têm, óbvio, toda a sua superestrutura de hábitos, conceitos e cacoetes. Não me acostumei. O brasileiro superestima o resto do mundo, particularmente os EUA. Temos muito a aprender com outros países, não há dúvida. Mas a recíproca também vale.

[…]

Mas, enfim, eis o que vejo à distância: o Brasil, por alguns dos seus traços, prefigura um futuro melhor, mais interessante, mais imaginativo para todos, inclusive os países mais remotos. Primeiro porque é um país que já nasceu aberto ao resto do mundo. E tem personalidade para absorver, criativamente, influências estrangeiras. Absorver, criativamente, quer dizer digerir, reprocessar e recriar a matéria-prima externa, como já ressaltava Oswald de Andrade. Fizemos isso por toda a nossa vida nacional. Não temos, como outras nações, medo de interagir com o novo, com o estranho, com o inusitado.

Os EUA são referidos como melting pot, um caldeirão de etnias, raças e culturas. Mas o verdadeiro melting pot é o Brasil. A fusão de diferentes nações se dá de maneira muito mais completa entre nós. Até povos mais exclusivistas e puristas, como os japoneses ou judeus, são de alguma maneira assimilados e integrados.

Recentemente, um sociólogo espanhol passou pelo Brasil e causou sensação, declarando que somos um país violento. Ora, a violência não é parte intrínseca da condição humana? O que é o homem senão um animal? Talvez o mais interessante deles, mas animal mesmo assim.

No quesito violência, o brasileiro não se destaca. Ao contrário. Só quem não respira dia a dia o ar que se respira no Brasil pode ignorar que a cordialidade, a afetividade, o carinho são marcas do modo brasileiro de viver.

Estou delirando?

Sim, está. O brasileiro não se destaca no quesito violência? Sério? Não é o que diz a estatística, com quase 70 mil homicídios por ano! Somos um dos países mais violentos do mundo, vivendo uma verdadeira guerra civil velada. Como o economista do FMI ignora esse fato? Talvez esteja longe demais de nossa realidade. Talvez tenha tomado um Prozac antes de escrever o artigo. Mas como negar nossa violência? O “brasileiro cordial” não passa de um mito, ou ao menos de uma exceção.

Nogueira afirma que superestimamos os Estados Unidos. Será que inventamos que a renda média deles é cinco vezes a nossa? Será que inventamos que aqui, onde também estou morando agora, e bem adaptado, as coisas funcionam? Será que é nossa invenção a reduzida taxa de criminalidade em relação à nossa? Será que é tudo uma fantasia em relação ao Vale do Silício, à inovação capitalista, ao império da lei?

O que exatamente os americanos têm a aprender com o Brasil? Como não punir corruptos? Como avacalhar até mesmo o futebol, nossa paixão nacional? Como manter no poder por 16 anos uma quadrilha? Seriam essas as lições? Quando Nogueira diz que o Brasil nasceu aberto para o mundo, ele ignora que somos uma das economias mais fechadas e protecionistas do planeta? Ele tem noção que um carro japonês chega a custar quase o triplo no Brasil do que custa aqui nos Estados Unidos?

Sobre a miscigenação, um fato, será que o economista do FMI ignora que o governo petista tem feito de tudo para estragar também esse lado positivo, com suas cotas raciais que segregam o povo misturado com base na “raça”?

O que é um homem senão um animal?, pergunta. E eu respondo: pois é, às vezes tenho a nítida sensação de que somos apenas isso mesmo…

Rodrigo Constantino

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