Por João Cesar de Melo, publicado pelo Instituto Liberal
Eu estava sentado no alto da escadaria do Lincoln Memorial, em Washington, quando terminei de ler A Imaginação Totalitária, de Francisco Razzo. A poucos metros de mim estava gravada no piso a famosa expressão “I have a dream” e a frase que a segue, dita ali mesmo por Martin Luther King. Ao final do espelho d’água à minha frente estava o memorial em homenagem ao fim Segunda Guerra Mundial. Hitler também tinha um sonho.
Nunca houve na história um ditador sem um grande e belo sonho, que não tivesse maravilhosos planos para a humanidade.
Lenin realizou os sonhos de Marx e Stalin realizou os sonhos de Lenin. Algumas pessoas tiveram que morrer para realizar esses sonhos. Aproximadamente vinte milhões. O preço para eliminar conspiradores, promover a igualdade social e levar saúde, moradia e educação gratuita e de qualidade para todos os sobreviventes.
Poucos dias atrás, no Rio de Janeiro, militantes comunistas ocuparam o colégio Pedro II para celebrar os 50 anos da Revolução Cultural Chinesa, aquela que atendia os sonhos de Mao Tsé-tung de construir uma sociedade livre da ganância e da influência ocidental, justa e fraterna como apenas o comunismo poderia moldar. Em consequência da realização desse sonho, todos os livros não alinhados à revolução foram queimados, milhares de professores foram mandados para campos de trabalho forçado e dezenas de milhões de cidadãos inocentes morreram de fome.
Em nossa gloriosa América Latina, tão rica em… em… florestas, folclore e revoluções, temos a concretização de um grande sonho: Cuba, a ditadura que fascina milhares de jovens que amam o comunismo pelo simples fato de nunca terem vivido sequer uma semana sob suas condições.
Nicolás Maduro está tentando manter a revolução bolivariana promovida por Hugo Chávez mas, infelizmente, o povo ainda não está preparado para a vida igualitária, sem o desejo por futilidades como medicamentos, produtos de higiene mental e comida.
Os líderes de partidos como o PSOL e PCdoB têm sonhos semelhantes aos de Lenin, Stalin, Mao tsé-tung, Fidel Castro e Hugo Chávez, mas também uma certeza: Com eles seria um pouco diferente. Não teria perseguição, nem violência, nem fome porque teria mais amor!
Quantas mulheres morrem por ano, vítimas de “crimes do amor”?
Lendo o rico e elegante livro de Francisco Razzo, visualizei muitos sonhos socialistas; e para todos eles, Razzo me ofereceu um diagnóstico tão real quanto constrangedor: A imaginação totalitária que alimentamos ao desejar um mundo melhor. Um mundo melhor sendo o mundo de nossos sonhos, de nossa imaginação, construído sobre a realidade e sobre os sonhos dos outros.
O substantivo coragem também deve ser utilizado ao falar desse livro. Digo: Ao falar do autor. Sua introdução e o magnífico fechamento em primeira pessoa qualifica a obra como honesta e corajosa; e por isso, a leitura flui sem se medo de nos sentirmos sozinhos ao identificar nossa ignorância e fraqueza.
“Como qualquer crente fervoroso, acreditávamos piamente no mito do progresso da humanidade e na realização material da espécie humana. Portanto, acreditávamos na liberação sexual, na pílula do dia seguinte e na MTV”, confessa. Confesso. Quem nunca?
A inocência não é um perigo em si; torna-se quando se transforma em crença, na crença de que nossas verdades coincidem com as necessidades e os desejos das outras pessoas. A partir daí, nos tornamos personagens da política totalitária que, na prática, deixa de ser mediação e se transforma em coerção.
“Nunca nos damos conta de um pequeno detalhe”, escreve Razzo, “o problema da instauração de regimes totalitários, que seria o ponto extremo da realização de ideias totalizantes, não está só na força opressora e na coerção do estado agindo de cima para baixo. Muito antes, a força de submissão está na cabeça das pessoas – ou na cabeça de cada membro dos grupos que domesticam a experiência totalitária – suscetíveis a crer nas promessas desse tipo de sistema político”.
Os eleitores do PSOL são convictos de que um programa interventor como o de Marcelo Freixo desta vez dará certo. Em toda a história da humanidade, nunca deu certo, mas agora dará! Por quê? Ora, é muito amor… São muitos sonhos por um Rio de Janeiro melhor! Eles não lutam por eles. Eles lutam pelo bem da cidade, do estado, do mundo!
É dessa forma que a propaganda totalitária do PSOL transforma Freixo na própria causa, na própria crença, na personificação da bondade, da sabedoria e da verdade, as três virtudes que já foram identificadas em todos os ditadores da história.
Não há revolução sem um exército de jovens apaixonados. Nem ditaduras. Nem expurgos. Nem expropriações. Nem assassinatos como meio para se promover a justiça social.
Francisco Razzo identifica a tendência do indivíduo de contribuir com o totalitarismo que irá oprimi-lo. “Por mais paradoxal que possa parecer, a ditadura do consenso de um estado totalitário é querida, almejada e justificada pela própria imaginação de uma minoria ansiosa pela realização de suas verdades absolutas”.
A imaginação totalitária faz o apaixonado pela causa se apropriar dos sentimentos das massas para subverter suas necessidades e desejos, o que é facilmente percebido quando se escuta um líder ou militante socialista se apresentando como representante do povo. Uma presunção por demais totalitária e porque não estapafúrdia, considerando que a grande maioria dos brasileiros é de direita – cristã que quer ser independente financeiramente, acumular capital e patrimônio, ostentar roupas de grife e passar férias na Flórida.
Seres humanos normais desejam o bem daqueles que admiram, aqueles com os quais compartilham gostos e comportamentos. Militantes de extrema-esquerda não. Tentando melhorar a vida dos mais pobres, eles lutam para destruir as condições que viabilizem a melhoria da vida deles. Amam os pobres, mas odeiam a religião, os gostos, os vícios e os desejos deles. Não amam. Nem a eles próprios. Amam a causa. Isso basta.
Razzo conclui: “Toda a reflexão política deste livro tem origem em uma constatação fundamental: nossas ideias podem estar justificando tragédias, conscientes ou inconscientes disso”.
Tenho uma forma particular de qualificar os livros que leio: Pelo número de grifos. Quanto mais grifos, melhor é o livro. Imaginação Totalitária é um dos livros que volta para a estante muito grifado.
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