Nadamos tanto para morrer na praia?| Foto:

Milhões de brasileiros não fomos às ruas apenas para o impeachment de Dilma, ainda que esse fosse o maior objetivo imediato. Não fomos protestar para ver um “acordão” de anistia para o “caixa dois”, e certamente não fomos nas manifestações para ver uma proposta de “reforma política” que pretende adotar duas coisas absurdas: o financiamento público de campanha e o voto em lista fechada.

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O editor Carlos Andreazza, em sua coluna de hoje no GLOBO, versa sobre esse assunto, frisando que há um grande risco em curso de uma relativização do crime de “caixa dois” para poupar os caciques políticos e encarar tudo – inclusive os crimes maiores – como “apenas um erro”. A estratégia seria assumir um “erro” menor para se livrar dos maiores, um “crime que salva”. Discurso esse que tem em FHC seu maior defensor! Diz Andreazza:

Esse é o caixa 2 do bem, a ser vendido como delito modesto, de cuja admissão e estabilização os políticos já tentam desdobrar o golpe de uma reforma política que nem é reforma nem política. O problema, assim, não seria a prática deturpada, o hábito descarrilado dos homens públicos, o modo como perverteram o sistema, mas o próprio sistema; que será — é o que se arma — transtornado em nome da preservação dos costumes.

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A coisa, porém, é complexa. Porque há também o caixa 2 do mal: aquele que equilibra, tão real quanto valioso à narrativa de sobrevivência; aquele que, em confronto, humaniza o do bem; aquele que tem a mesma origem desviada — a doação ilegal —, mas que descamba do mero crime eleitoral para a vala do penal, propina, corrupção passiva, lavagem de dinheiro etc.

Avizinhamo-nos, pois, de um momento decisivo para o futuro da Operação Lava-Jato: o de enquadrar. Porque, uma vez aceitos os inquéritos propostos pelo procurador-geral da República, caberá ao Ministério Público Federal a responsabilidade vital de detalhar — de esmiuçar e amarrar — a natureza criminal, se eleitoral e/ou penal, do caixa 2 de cada um dos investigados, tipificar caso a caso, e então oferecer ao Supremo denúncias cuja solidez depende de serem singulares e específicas. O assombroso castelo de indícios e suspeitas está erguido. Todo o rigor agora deságua no rigor de ter de provar. O trabalho — arrisco escrever — mais importante da história do MPF; desafio, sem alternativa, para o qual a condução espetacular da Lava-Jato o levou.

Diante disso, as lideranças partidárias fazem o diabo para salvar a própria pele, à custa da população. Falam numa “reforma política” que é o oposto do que desejamos. Aproveitam a deixa para propor o financiamento público de campanha, que não só já existe por meio do “horário gratuito” e do “fundo partidário”, como faria a alegria do PT – e a tristeza de todos nós, que morreríamos de saudade do financiamento empresarial. A quem interessa essa estatização ainda maior do processo eleitoral?

Lista fechada, então, é coisa de regime ditatorial, de Cuba. O eleitor tem o direito de escolher seu candidato. Na verdade, o caminho deveria ser o voto distrital, para aproximar ainda mais político de eleitor, não um modelo de cima para baixo imposto pelos caciques dos grandes partidos. Tudo tem sido desenhado para esvaziar o poder do cidadão e concentrá-lo nas mãos de poucos políticos.

Rodrigo Maia, do DEM, tem feito coro a essa proposta coletivista que é a cara do PT. O DEM deveria ser o partido liberal, mas parece mais longe disso do que Plutão da Terra. O único partido que tem mantido sua coerência é o Partido Novo, que tem feito esforços para acabar com o fundo partidário e se coloca totalmente contrário ao financiamento público de campanha. Obrigar um conservador a bancar a campanha do PSOL é algo antidemocrático e indecente.

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O povo brasileiro deve ficar muito atento ao desenrolar desses acontecimentos. Não podemos permitir uma anistia ao “caixa dois”, um “acordão” dos caciques políticos, e uma “reforma política” nesses moldes propostos pelos próprios caciques. Remamos muito contra a maré vermelha para aceitar esse destino cruel. Seria nadar e nadar para morrer na praia…

Rodrigo Constantino