Após a reforma previdenciária, a reforma tributária deverá dominar os debates no país. É crucial, pois temos um sistema injusto, complexo e ineficiente. O assunto, certamente, vai despertar muita polêmica.
Já podemos ver disputas de ideias na imprensa, cada um com propostas diferentes. O cobertor é curto, há o quase insolúvel dilema da partilha entre as esferas de governo, brigas entre estados e entre setores da economia.
Não tenho a pretensão de oferecer as respostas definitivas. São muitos especialistas experientes apresentando seus casos, suas ideias, suas teorias, e também muitos empresários que conhecem a prática e podem agregar bastante ao debate.
Conversei com um deles, um dos maiores varejistas do país. Seus insights são importantes. Ele é um crítico da proposta de Bernard Appy, basicamente por conta do enorme risco de aumento da informalidade.
Cada imposto tem uma sensibilidade e um ponto de inflexão na Curva de Laffer. Lembrando: à medida que a taxa aumenta, a arrecadação aumenta também, mas somente até determinado ponto. A partir daí ela passa a cair, justamente por conta da informalidade crescente devido ao peso da carga.
Uma indústria como a automotiva tem uma cadeia de produtores um tanto blindada contra a sonegação. Não se imagina uma montadora informal, ou mesmo uma fabricante de peças que forneça para uma grande montadora. Esse setor não tem muito como fugir dos impostos.
O mesmo não ocorre no varejo. Diversas lojas pequenas, camelôs, sites que vendem produtos sem qualquer garantia de origem, tudo isso dificulta muito a fiscalização. Uma grande cadeia de restaurante provavelmente será fiscalizada, mas precisa competir com “food trucks” ou restaurantes menores sem qualquer fiscalização.
Aumentar o imposto que incide sobre o destino final (normalmente o varejo), portanto, pode ser um convite tentador demais para a sonegação. A informalidade pode explodir, ainda mais! Reparem que até mesmo nos setores que pagam impostos punitivos (“sin taxes”), como bebida e cigarro, há um limite para a carga: o grau de informalidade por meio de tubaína ou cigarro paraguaio é enorme.
É preciso ser realista: jogar um imposto como o IVA de forma equivalente na indústria e no varejo pode ser um grave erro que resultará na explosão da ilegalidade. Por isso alguns empresários defendem um imposto sobre movimentação financeira, como o velho CPMF. É verdade que incide em cascata, o que pune de forma desproporcional cadeias produtivas mais longas. Mas é um imposto mais igualitário no sentido de que quase todos pagam, dificultando a sonegação.
A informalidade é o ar rarefeito que indivíduos e empresários são forçados muitas vezes a respirar por conta da asfixia estatal. Muitos libertários acabam aplaudindo essa fuga, portanto, alegando que imposto é roubo. Mas os liberais clássicos e os conservadores, mais realistas, entendem que é preciso ter imposto, e que se isso é um fato, o melhor é ter o império das leis.
Ou seja, não pode ser o ideal de liberais e conservadores uma economia extremamente informal. O certo seria ter uma base maior de pagadores, para permitir uma taxa menor. Se todos pagarem um pouco ninguém precisa pagar tanto. O “malandro” na informalidade não paga nada porque o “otário” na legalidade paga mais!
“Restaure-se a moralidade, ou nos locupletemos todos”, disse Stanislaw Ponte Preta. Usei a frase na epígrafe do meu livro Brasileiro é otário? – O alto custo da nossa malandragem. E é justamente esse o ponto aqui: um imposto simples, talvez único, que dificilmente pode ser burlado, pode fazer mais sentido do que aumentar imposto no varejo e com isso incentivar a sonegação.
Numa economia com sistema bancário sofisticado como a nossa, esse imposto dificilmente seria burlado, pois o custo de ficar de fora do sistema financeiro é muito alto. Lembrando que até quem tem origem ilegal de recursos acaba “lavando” o dinheiro, que transita pelo sistema financeiro. Ou seja, o traficante, o bicheiro e companhia estariam pagando também.
Há, ainda, o argumento de transparência: cria-se um critério objetivo de partilha entre o governo federal, os estados e os municípios, colocando fim na “guerra fiscal”. O critério pode ser populacional, por exemplo, e a divisão pode ser algo como 40% para a União, 30% para estados e 30% para municípios, fortalecendo o federalismo (lembrando que o governo cunhou o slogan “Mais Brasil, menos Brasília”).
Como eu disse, não sou especialista no tema, e prefiro uma abordagem humilde: trata-se de um vespeiro mesmo, e sempre alguém vai perder com qualquer mudança, o que gera reações, cada um puxando o cobertor curto para seu lado. O principal é reduzir os gastos públicos, para que a carga tributária possa ser menor. E simplificar o modelo também, já que a atual complexidade é um convite à sonegação e o paraíso dos escritórios de advocacia.
Não tenho opinião formada se um imposto único sobre circulação monetária é o ideal, mas concordo com o varejista que o aumento de imposto na ponta final é garantia de mais sonegação, o que é sempre injusto: quem continua pagando precisa pagar mais. O grande problema do Brasil, afinal, é ter “malandro” demais para “otário” de menos. Um imposto que dificulte em vez de estimular a malandragem pode ser interessante mesmo.
Rodrigo Constantino
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