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Como derrotar um terrorista só com o uso das leis? Como combater uma quadrilha sem qualquer desvio da pureza ética? Como vencer um demagogo numa eleição sem qualquer apelo ao populismo? A crítica que muitos direitistas fazem aos liberais é que estes pregam um puritanismo ingênuo diante de um inimigo disposto a praticar os mais bizarros atos para manter o poder. E por isso sempre perdem para a esquerda.

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Há um ponto aqui. Inúmeros filmes e séries relatam a região cinzenta que é a ação policial contra bandidos, isso para não falar da CIA em assuntos geopolíticos. A tensão entre a transparência dos agentes públicos e a segurança nacional será eterna e insolúvel. Trata-se, afinal, de um dilema moral, sem possibilidade para pensamentos maniqueístas e binários. Se o terrorista sabe onde está a bomba que vai detonar uma escola, quem está disposto a rejeitar o uso da tortura para se obter tal informação? Quem vai conviver com aquelas mortes todas na consciência?

Estou no fim da interminável série “Blacklist”, que trata justamente disso. Um dos mais procurados bandidos se torna informante do FBI e, graças a esse acordo, vários marginais perigosos são presos. Mas até onde vai o pragmatismo? Um dos policiais, o “senhor certinho”, que faz tudo dentro da estrita lei, descobre da pior forma possível que até mesmo ele pode precisar dos serviços ilegais um dia. A lei e a justiça nem sempre andam juntas. Mas quem decide?

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Se um juiz passa do limite legal ao liberar áudios de um ex-presidente prestes a se transformar em ministro, num esquema explícito para garantir sua impunidade, e com isso garante a punição justa de um notório marginal, isso deve ser condenado por purismo legalista? Eis o problema: até onde vai o esgarçamento desse limite legal? Até os heróis adotarem métodos parecidos com os dos vilões? É complicado estabelecer um limite. Por isso a importância das regras do jogo, com foco no longo prazo.

“Breaking Bad” é até hoje imbatível, a melhor série de todas. Eis seu recado: cuidado com pactos mefistofélicos, pois eles costumam representar uma ladeira escorregadia. Ao cruzar o Rubicão, desviar-se do caminho correto e passar a fazer coisas erradas, o mal toma conta da situação. A virtude é uma prática constante, um exercício diário de escolhas éticas e morais. Quando é temporariamente abandonada em prol de um resultado imediato, nem sempre há volta. Dependendo da magnitude do desvio, tende a ser permanente. E sempre haverá um alto preço a ser pago por isso.

Não sou ingênuo. Ainda prefiro viver em um país cujos agentes públicos esticaram um pouco a corda do que numa Venezuela qualquer, onde a lei morreu de vez. Mas é preciso ter cuidado. Críticas aos excessos da Lava Jato não são sinônimos de defesa dos corruptos.

Artigo originalmente publicado pela revista IstoÉ