Aqui há um bom resumo desse “desentendimento” entre Olavo de Carvalho, o guru do presidente e seus filhos, e a ala militar do seu governo. Uso a palavra entre aspas pois se trata de um eufemismo que o próprio presidente usou.
Chamar de “desentendimento” o que há entre olavistas e militares é uma equivalência moral inaceitável e injusta. É como chamar de “conflito” os ataques do Hamas a Israel.
Há ali um lado atacando, difamando, xingando, e outro lado reagindo, cansado de apanhar calado. Os militares são alvos dos olavistas em sua “jihad” em nome da guerra cultural. Quais valores morais alguém como Olavo, que apela para uma doença degenerativa para atingir um general, estaria efetivamente defendendo?
Dito isso, é preciso saber separar as coisas. Se Olavo parece uma figura vil e sem caráter, isso não quer dizer que toda a crítica feita aos militares seja injusta. Se Olavo é paranoico e exagerado, isso não anula o fato de que muitos militares estão, sim, desviando-se da pauta essencial do governo.
A visão de que Bolsonaro venceu com uma agenda única e simples, como derrotar o socialismo ou combater os corruptos, é limitada e ingênua, desconsidera o que seja política. Foram quase 58 milhões de votos por inúmeros fatores distintos. Não há uma “pauta única”, como querem alguns.
Mas claro que há um norte, uma essência daquilo que saiu vitorioso nas urnas. E é inegável que alguns ministros militares se afastaram dessa essência. Quando Mourão acena demais para o lado “progressista”, por exemplo, está mais distante daqueles valores que permitiram a vitória de sua chapa.
Pessoas podem mudar, sem dúvida, ou então contemporizar para acomodar divergências, conter atritos, atrair base maior. Governar é isso mesmo. Mas não resta dúvida de que criticar a postura de alguns militares faz parte do jogo, e que quem age assim não necessariamente está contra os militares em geral, ou a favor dos métodos olavistas.
O problema é justamente esse: os militares do governo não foram apenas criticados por Olavo e sua turba de fanáticos: foram demonizados! Na guerra tribal de tudo ou nada dessa turma jacobina, se não está mais 100% comigo só pode ser meu inimigo.
Foi assim que os militares, até “ontem” respeitados pelos bolsonaristas, viraram párias socialistas Fabianos da noite para o dia, num tweet do mestre. Aqueles que clamavam por intervenção militar para salvar o país passaram a considerar os mesmos militares como comunistas infiltrados no governo para destrui-lo.
Ao mesmo tempo, a esquerda radical, que sempre cuspiu nos militares, passou a defende-los de forma oportunista e estratégica, só para atingir a ala mais ideológica do governo. Uma vez mais fica claro que ambos os extremos se parecem. Petistas e bolsonaristas fanáticos são dois lados da mesma moeda. Olavetes parecem petistas com o sinal trocado.
Fabio, “o colecionador”, escreveu alguns posts irônicos sobre esse swing obsceno, esse “troca-troca” indecente e sem qualquer apreço por princípios:
23h59: SÓ A INTERVENÇÃO MILITAR PODERÁ NOS SALVAR DO COMUNISMO! SOS FFAA!
00h00: Os militares estão tomando o governo para impedir o nosso presidente de promover as mudanças! Eles querem devolver o Brasil para comunistas.
Um expedição alienígena esteve aqui há uns meses e observou q havia um grupo de terráqueos q tinha HORROR aos militares e outro q depositava esperança neles. Essa semana voltaram e viram q está igual, mas os grupos se inverteram. Desistiram de estudar essa raça de seres insanos.
Se Gleisi Hoffmann passa a defender os militares, há algo muito suspeito no ar. Mas da mesma forma: se bolsonaristas passam a demonizar militares, há algo muito estranho acontecendo. Os dois são grupos extremistas incapazes de compreender nuances do mundo real.
Particularmente, acho que alguns ministros militares merecem críticas por esse aceno muito escancarado ao pragmatismo tecnocrata positivista. Eu posso falar isso, pois sempre critiquei esse lado da mentalidade militar brasileira. Estou mantendo minha coerência e meus princípios.
Mas ver quem sempre endeusou os militares, quem sempre se mostrou nacionalista e até positivista, de repente passando a encarar os mesmos militares como uns comunistas terríveis é algo cansativo e desanimador.
E pior: ve-los fazendo isso enquanto poupam o próprio presidente, que mal ou bem escolheu esses ministros todos, é ainda pior. Voltemos ao Fabio:
23h59: meu presidente é Mito e vai consertar o Brasil!
00h00: meu presidente é um homem inocente, se cercou de pessoas más q fazem coisas ruins e ele não nota; ainda bem q tem um amigo q o protege! Infelizmente ele não tem o telefone do presidente, então tem q falar em público.
Bolsonaristas fanáticos e olavetes cansam tanto quanto petistas. O que não quer dizer, repito, que os militares devam ser isentados de toda e qualquer crítica. Ou seja, não é porque as “críticas” vêm de alguém como Olavo que elas devem ser todas descartadas, e não é porque as “defesas” vêm de alguém como Gleisi que elas devem ser aceitas ou descartadas. É possível manter a independência de análise, algo que soa alienígena a essa gente…
Rodrigo Constantino